Howard Hawks (Goshen, Indiana, 30 de maio de 1896 – Palm Springs, Califórnia, 26 de dezembro de 1977), foi do começo ao fim um cineasta essencialmente moderno. Ele era um esplêndido e indomável anacronismo. Forte como os homens, feras, carros, e aviões que foram suas personagens ao longo de 44 filmes em meio século de carreira, Howard Winchester Hawks ainda planejava uma 45.ª aventura a ser rodada nos desertos da Arábia Saudita, onde um barbeiro lideraria um grupo de geólogos para começar uma revolução. Mas três meses atrás o gigante de 2 metros de altura e cabelos prateados sofreu uma queda quando estava sozinho na sua casa em Palm Springs, perto de Hollywood, e confinou-se ao leito. Ausente do trabalho desde 1971, quando fez Rio Lobo, um faroeste compartilhado com seu velho amigo John Wayne, Hawks morreria em 26 de dezembro de 1977, 48 horas depois do quieto desaparecimento de Charles Chaplin na Suíça. Foi o último de uma geração John Ford, Raoul Walsh, Chaplin a sair de cena. Como os outros, Hawks ajudou a dar forma ao projeto de sonhos que era Hollywood nas duas primeiras décadas do século 20. E, também como eles, permaneceu até o fim fiel ao que pensava e sentia, como se o mundo, e também Hollywood, não tivesse se transformado nesses anos todos.
Esta imutabilidade é que fazia de Hawks um ser estranho como um urso polar numa praia tropical e esta praia, no caso, não era outra senão a Hollywood atual, uma terra árida para temperamentos autoritários como o dele. Tudo o que sei é contar história em imagens, repetia numa entrevista de 1976. Na verdade, sabia bem mais do que isso.
CÉREBRO E MÚSCULOS Entre outras coisas, Howard Hawks levou para o cinema, ainda mudo, a experiência adquirida em mais de quarenta filmes em que testou sua imaginação de escritor, roteirista e criador de piadas visuais. Quando dirigiu pela primeira vez, em 1926 (O Caminho da Glória), um drama de guerra com Fredric March, ouviu um conselho da gerência da Fox: Está provado que você não sabe dirigir. Agora, pelo amor de Deus, dedique-se a contar histórias divertidas. Hawks entendeu o recado. Como havia sido menino-prodígio na habilidade mecânica de construir geringonças, pressentiu que um filme pode ser montado como um motor, peça por peça, e deve ter potência para arrastar sua carga. A vida inteira mesmo depois de retirado em Palm Springs, num descanso que julgava provisório foi louco por máquinas e pilotava quase todas elas motos, aviões, automóveis, barcos. No cinema também é preciso eliminar as peças inúteis, ensinava ele.
Hawks, debaixo da sua falsa modéstia de mero contador de histórias, de fato queria mais, muito mais. Síntese de pensador e atleta, companheiro de caçadas de figuras lendárias como Gary Cooper e Ernest Hemingway, mas também de gênios literários como William Faulkner (e a esta amizade se devem os raros trabalhos de Faulkner para o cinema, como Uma Aventura na Martinica e À Beira do Abismo, ambos dirigidos por Hawks), era natural que ele fosse considerado o mais americano dos cineastas. Tão americano, ruminariam depois seus inimigos, que nos anos 60 chegou a planejar um filme sobre a guerra do Vietnam “sem nenhuma mensagem política” como se isso fosse possível, e a fundar uma nebulosa Aliança Cinematográfica para a Preservação dos Ideais Americanos.
No fim da vida, como também era inevitável, acabou desancado pela ala feminista da moderna crítica de cinema. A influente Pauline Kael, por exemplo, após assistir a uma retrospectiva de todos os filmes de Hawks, sentiu enjoo. “Trata-se de uma obra exemplar do chauvinismo masculino americano”, acusou ela. A reação de Hawks foi previsivelmente chauvinista: “Eu não sei o que isso significa.”
Clássico e moderno – Mas, também desta vez, ele sabia um pouco mais. Casado três vezes, Hawks trabalhou com comediantes como Carole Lombard, Marilyn Monroe e Jane Russell (juntando as duas em “À Beira do Abismo”, de 1946) e Angie Dickinson (em “Onde Começa o Inferno”, de 1959). Nos faroestes, comédias, policiais e aventuras, gêneros em que Hawks se exercitou, as mulheres realmente atrapalham um pouco: ora é Jean Harlow distraindo o piloto Cary Grant em “Paraíso Infernal”, de 1939, ora é Elsa Martinelli passeando como quem vai às compras na selva de “Hatari!” (1961) e obrigando a intervenção salvadora de John Wayne.
Hawks morreu depois de longo afastamento e debaixo da censura das novas gerações mais politizadas, mas o que ele tinha a dar a Hollywood já estava consolidado. Ao contrário de Chaplin, Hawks foi do começo ao fim um cineasta essencialmente moderno – toda a vanguarda cinematográfica francesa dos anos 60, por exemplo, foi beber em sua obra e descobrir que “Uma Garota em Cada Porto”, de 1928, já exibia uma ténica de filme sonoro, embora fosse mudo, e que “Scarface”, de 1932 – talvez o mais célebre filme de Hawks -, era ao mesmo tempo o último policial clássico e o primeiro film noir contemporâneo. Informado disso, o impecável profissional do show business, o ácido comentarista que chamou “Meu Ódio Será tua Herança”, de Sam Peckinpah, de “sopa de catchup com pólvora” agradeceu e deu de ombros. “A minha grande habilidade”, declarou em nova exibição de falsa modéstia, “é não levar nada muito a sério. Eu uso a câmara da maneira mais simples do mundo.” E concluiu: “Acho que tudo o que fiz foi transformar epopeias em anedotas.”
(Fonte: Veja, 22 de junho de 1994 ANO 27 N° 25 – Edição n° 1345 – DATAS – Pág; 124)
(Fonte: Veja, 4 de janeiro de 1978 Edição n° 487 – CINEMA – Pág; 68)