Militar e artista, ele foi o 1° intelectual a valorizar os negros no Brasil
Manuel Querino foi pioneiro nos estudos sobre a cultura africana no Brasil, exaltando a importância de seu povo para a nossa história. (Imagem: Acervo histórico)
Em um cenário de transição do Império para a República, em meio às mudanças culturais e sociais que marcaram o fim do século 19 e o início do século 20, viveu uma das maiores personalidades negras do Brasil, que usou de seu intelecto para lutar contra preconceitos de raça e sociais em um país escravagista, e para exaltar a importância do povo negro para a nossa história.
O intelectual, artista e operário afrodescendente Manuel Raimundo Querino passou a vida contribuindo para a literatura e para a luta abolicionista. Além de desafiar os preconceitos enraizados na sociedade e exigir a valorização da cultura africana, teve participação direta no movimento republicano.
Contato com os livros
Manuel Querino nasceu em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, em 28 de julho de 1851. Filho de José Joaquim dos Santos Querino e Luzia da Rocha Pita, carpinteiros negros libertos, ficou órfão de pai e mãe aos 4 anos, em 1855, quando perdeu os dois para a cólera.
As informações são da historiadora Sabrina Gledhill, doutora em Estudos Étnicos e Africanos. A Ecoa, ela conta que, após perder os pais, o pequeno Manuel foi entregue a um tutor que vivia em Salvador, o bacharel Manuel Correia Garcia.
“Diz Antônio Vianna (jornalista e escritor) que Manoel Correia Garcia ‘era um espírito elucidado, educado na Europa, cultor das letras e amante das coisas do ensino’. O tutor não fez de Manuel Querino um serviçal. Pelo contrário, ele o encaminhou para ser um homem de bem, e dedicado ao amor aos livros. Tentou atraí-lo para a pintura; o jovem, inspirado no exemplo do protetor, inclinou-se também para o magistério, a política e a pesquisa histórica e antropológica”, explica a historiadora.
Militar e artista
Quando tinha em torno de 17 anos de idade, Querino passou um tempo no Piauí e em Pernambuco. Enquanto morava no Piauí, serviu às Forças Armadas. A relação com a farda o levou, em seguida, para o Rio de Janeiro, onde chegou à patente de cabo de esquadra, quando participou da Guerra do Paraguai.
De acordo com Sabrina Gledhill, Querino voltou para Bahia com o fim da guerra e lá trabalhou como pintor e estudou nas horas vagas. “Ele estudou francês no Colégio 25 de Março e foi um excelente aluno do Liceu de Artes e Ofícios. Fez os exames e foi aprovado com distinção”, conta a historiadora.
Em 1877, o artista plástico Miguel Navarro y Cañizares fundou a Escola de Belas Artes da Bahia. Durante a construção da escola, contratou Manuel Querino como pintor. Ele sentiu-se atraído pelas artes e se matriculou na escola, primeiro cursou desenho e depois arquitetura.
Ao concluir a licenciatura, conseguiu trabalhar como professor de desenho no Colégio de Órfãos de São Joaquim e no Liceu. Também lecionou Desenho Geométrico em 1885. Sabrina conta que, como decorador, desenhista e artista plástico, Manoel Querino produziu obras que lhe renderam medalhas de prata e de bronze, além de menção honrosa em vários concursos promovidos pelo Liceu de Ares e Ofícios.
“Ninguém se empenhou mais do que ele pelo levantamento das artes na Bahia. Como arquiteto, concorreu a um projeto de escolas. Como funcionário público, exerceu diversos cargos na Diretoria de Obras e na Secretaria de Agricultura.”
Sabrina Gledhill, historiadora
Como político, Querino militou no Partido Liberal, onde foi solidário ao seu padrinho e tutor, aos seus irmãos de cor, aos republicanos e aos abolicionistas, segundo a historiadora.
Política e literatura
Manuel Querino foi candidato a deputado federal e membro do Conselho Municipal por duas vezes, em 1881 e 1887-1889. “Como jornalista, criou dois jornais, ‘A Província’ (1887-1888) e ‘O Trabalho’ (1892), nos quais escreveu diversos artigos condenando as injustiças da escravidão, defendeu a libertação do povo escravizado seguida de preparação para o mundo do trabalho e afirmou que o ser humano não pode evoluir sem a educação”, ressalta a historiadora.
Manuel Querino também foi operário e artesão. Além de defender os direitos desses trabalhadores, incentivou a qualificação da mão de obra, o ensino profissional e a união dos operários. Nessa época, por volta de 1880, chegou a liderar o Partido Operário e foi o representante da classe no Conselho Municipal da Cidade do Salvador.
Mas foi como intelectual que fez grande contribuição para a literatura brasileira. Publicou “Artistas Baianos” (1909), “Bailes Pastoris” (1914), “A Raça Africana e os Seus Costumes na Bahia” (1916), além de “A Bahia de Outrora” (1916) e “O Colono Preto como Factor da Civilização Brasileira” (1918). “Seu livro mais conhecido,’ A Arte Culinária na Bahia’, foi lançado em 1928, cinco anos após a sua morte.
Valorização do negro
Após abandonar a política, o escritor focou na pesquisa das manifestações populares e da cultura afro-brasileira. Foi o primeiro intelectual a reconhecer e divulgar a contribuição das culturas africanas à cultura brasileira. Coletou fontes orais e buscou o reconhecimento da contribuição do negro na história do Brasil. Seus escritos sobre personalidades negras e mestiças insurgiam contra o preconceito e a inferioridade que cercavam o negro no país.
Manuel Querino morreu aos 71 anos, em Salvador, no dia 14 de fevereiro de 1923. Ele não resistiu às complicações da malária. Inúmeras homenagens sucederam sua morte. E até hoje sua contribuição para a luta contra o preconceito, sua inteligência e seu talento são lembrados entre os acadêmicos.
(Crédito: https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2023/05/08 – FIZERAM HISTÓRIA/ por Ed Rodrigues/ Colaboração para Ecoa, no Recife – 08/05/2023)