Foi pioneiro na ilustração de livros
Especialmente concebida para o Brasil, a exposição Luzes do Norte, com curadoria do francês Pascal Torres, que foi aberta na sexta-feira, 19, no Masp, reúniu 61 desenhos e gravuras de 23 artistas da coleção doada pelo barão de Rothschild, em 1935, ao Museu do Louvre.
São obras-primas do Renascimento alemão criadas por Altdorfer, Cranach, Dürer e Holbein, entre outros grandes artistas atuantes nos séculos 15 e 16. Dürer (1471-1528) é a grande atração da mostra, representado por 11 gravuras que recorrem, em igual proporção, a temas religiosos e profanos.
Foi o curioso Dürer, aliás, que introduziu os ideais do Renascimento italiano no norte da Europa. É dele o ícone da exposição, a xilogravura (impressa após sua morte) de um rinoceronte monocromático cujo verde faz lembrar a cor dos filmes do russo Sokurov.
Dürer, ao que se sabe, jamais viu um rinoceronte. Nasceu e morreu em Nuremberg e visitou a Itália duas vezes, a primeira aos 23 anos e a segunda, aos 30 anos. Influenciado pela cultura humanista dos renascentistas italianos – especialmente os artistas de Veneza -, Dürer reforçou seu interesse pela perspectiva, proporções harmoniosas e temas inauditos.
Foi, aliás, um artista estrangeiro que forneceu ao alemão o esboço do rinoceronte que passou por Lisboa por volta de 1515. Dürer foi pioneiro na ilustração de livros, habilidoso tanto na técnica do retrato (há dois deles na mostra) como em paisagens, animais e temas sacros (destaca-se uma xilogravura da Santíssima Trindade).
A rigor, não houve propriamente um Renascimento alemão. Artistas como Dürer ou Hans Holbein (1497-1543) tiveram, sim, contato com a arte que se praticava em outros países, mas o híbrido que cruzou os Alpes era uma mistura do estilo renascentista italiano com o gótico alemão. Dürer reúne o melhor da tradição medieval e uma vocação humanista traduzida em seu interesse pelo passado e mitos clássicos. Holbein, que aos 19 anos morava em Basel, na fronteira com a França, era um cosmopolita, combinando a monumentalidade do Norte com o requinte da cultura francesa. Dele pode ser vista uma têmpera sobre madeira que retrata o poeta inglês Henry Howard, conde de Surrey, pintada um ano antes da morte do artista e pertencente ao acervo do Masp. Este e o retrato de um jovem aristocrata realizado em 1539 por Lucas Cranach (1472-1553), também da coleção do museu, são os únicos óleos presentes na mostra do Louvre.
Cranach é lembrado pelas imagens que deixou de Martinho Lutero. Um dos amigos mais próximos do pastor reformista, impressiona seu retrato do religioso com o hábito de frei agostiniano (antes de ser excomungado pelo papa). Mesmo apoiando algumas reformas propostas pelo amigo e ilustrando a Bíblia que Lutero traduziu para o alemão, em 1522, Cranach continuou a desenhar nus baseados nos mitos gregos e pintar altares devocionais católicos. Fez largo uso dessa iconografia, como mostram duas xilogravuras da exposição, uma dedicada a São Cristóvão (também retratado por Altdorfer) e outra ao repouso da Sagrada Família em Fuga para o Egito.
A combinação das tradições do gótico alemão com as influências do Alto Renascimento italiano resultou num estilo formal em que a interação da figura com a paisagem caracterizou o trabalho de um grupo de artistas alemães e austríacos conhecido como a Escola do Danúbio. Albrecht Altdorfer (1480-1538) é o representante maior dessa transição do medieval para a modernidade – e a prova disso é um desenho (na exposição) que mostra uma mulher passando a cavalo pela porta de uma cidade. No entanto, o exemplo supremo das paisagens irreais construídas por Altdorfer está em A Natividade, desenho em tinta preta sobre base de guache branco que retrata o nascimento de Jesus, concedendo particular atenção ao ambiente que o cerca. A natureza deixa de ser cenário para ser protagonista em Altdorfer.
O antecessor de todos, Martin Schongauer (1450-1491), mestre do buril que inventou algumas técnicas depois aperfeiçoadas por Dürer, também está na exposição com quatro obras. Uma delas, Cristo Aparecendo a Maria Madalena, deve ter impressionado muito os renascentistas e maneiristas italianos. Tanto que Vasari afirmou ter Michelangelo copiado gravuras do genial alemão.
(Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias – CULTURA/ Por ANTONIO GONÇALVES FILHO – O Estado de S.Paulo – 19 de outubro de 2012)