O GÊNIO E O MONSTRO
Sucesso, tragédia e escândalo marcaram a vida e a obra de Frank Lloyd Wright, o maior arquiteto americano
Legou ao mundo uma obra colossal, o testemunho de um gênio moderno
Frank Lloyd Wright (Richland Center, 8 de junho de 1867 – Phoenix, 9 de abril de 1959), é o maior arquiteto americano – e um dos maiores de toda a história da arquitetura. Autor de projetos monumentais, considerado um dos arquitetos mais importantes do século 20, criou obras-primas, como o Museu Guggenheim de Nova York, sua casa estúdio Taliesin, no Estado do Wisconsin, além da Casa Fallingwater (Cascata), a mais célebre residência modernista do planeta.
De fato, um prédio de Wright é sempre único. É um convite para pensar a respeito de questões como formas, cores, escadarias, proporções, janelas, quartos, camas e paredes, segundo uma nova perspectiva. E esse prédio jamais sai da memória de quem o conheceu.
Escândalo – A vida pessoal de Wright, no entanto, não era nada saudável. Apesar de ter tido uma mãe afetuosa, que não se cansou de mimá-lo e encorajá-lo, ele cresceu traumatizado pelo claudicante casamento dos pais, que acabou em divórcio. Frank Lloyd Wright jamais voltou a falar com o pai, a quem culpava pela separação. Aos 20 anos, quando já era um arquiteto promissor em Chicago, ele parecia determinado a evitar o exemplo de infelicidade dos pais.
“Tive de escolher entre a arrogância honesta e a humildade hipócrita. Fiquei com a arrogância”, costumava dizer. Jamais um arquiteto americano experimentou tanta notoriedade. Sua vida foi uma montanha russa pavimentada pelo sucesso e fama, pelo aviltamento e exílio e, finalmente, pela humilhação pública e trágica. Ele era controvertido, falastrão e, acima de tudo, imprevisível – um símbolo do exagero numa época de decoro e honradez, justamente quando os Estados Unidos tentavam reerguer-se da Grande Depressão, a maior crise econômica de sua História, nos anos 30.
Apaixonada e sinceramente, ele criou de casas arrojadas para a classe média abastada a apartamentos destinados às camadas populares. De cada pessoa que encontrava, Wright exigia que visse suas novidades arquitetônicas. Ele queria que seus interlocutores percebessem como uma casa “funcionava”, repensando a função do lar, da família e do automóvel num mundo moderno cada vez mais complicado. Durante seus mais de setenta anos de carreira, Wright também ergueu bancos e escritórios, centros de lazer e igrejas, postos de gasolina, uma sinagoga e até uma cervejaria integrada a um jardim. Ele nunca estava satisfeito. Passou a vida pesquisando o que acreditava ser seu jeito pessoal genuinamente americano, independente dos modelos importados da Europa.
O estilo Frank Lloyd Wright é inconfundível e paradoxal, como o próprio arquiteto. Suas casas são ao mesmo tempo monumentais e intimistas.
Na arquitetura residencial, Wright também revolucionou a definição até então vigente do que seria um lar, eliminando as paredes do 1° andar das casas que ergueu nos subúrbios de Chicago. Para elas, criou espaços que pareciam não ter fronteiras, virando pelo avesso a estrutura de uma típica casa americana. Eliminou ainda os pórticos frontais, ocultando as entradas e construindo jardins privados no fundo do terreno, forçando as famílias que ali viviam a se voltar para si mesmas. Frequentemente, desenhou a mobília e os artigos de uso doméstico: mesas de jantar com austeras cadeiras de espaldar alto, vasos e candelabros e até mesmo o roupão de banho dos hóspedes.
Em meados dos anos 30, aos 66 anos, quando seus rivais o consideravam um velho ultrapassado, o arquiteto americano Frank Lloyd Wright conseguiu uma pequena encomenda.
Dono de uma cadeia de lojas de departamentos, o empresário Edgar J. Kaufmann chamou-o para projetar uma casa de campo no interior do Estado da Pensilvânia. Em meio a um bosque que escondia uma cachoeira paradisíaca, Wright produziu junto com seus assistentes uma planta topográfica com a localização exata de cada rocha e árvore do lugar. Nascia ali a casa Fallingwater (Cascata), a mais célebre residência modernista do planeta. Com esse projeto, Wright começaria a reverter a opinião negativa de seus críticos. Naquele tempo, com idade suficiente para pensar em aposentadoria, ele iniciou a fase mais criativa de sua carreira.
Com a arrogância própria dos gênios, ele adorava autopromover-se. Certa vez, ouviu de um amigo o elogio de que ele era um dos melhores arquitetos do país. Respondeu: “Por que apenas um dos melhores? E por que apenas dos Estados Unidos da América (EUA)? Desafio qualquer um a apontar um aspecto da arquitetura modernista que não tenha sido criado por mim”.
Entretanto, no verão de 1935, a futura Fallingwater parecia condenada a jamais sair do papel. Durante alguns meses após sua visita ao terreno onde a casa deveria ser erguida, Wright simplesmente ignorou o projeto. Meses depois, o cliente ligou querendo ver a planta. Mesmo sem ter feito um único rabisco, o arquiteto não se abalou. Disse ao cliente no telefone: “Apareça. Sua casa está pronta”. Só então Wright decidiu debruçar-se sobre a prancheta. Assistido por uma silenciosa plateia formada por seus alunos e assistentes, trabalhou intensamente. Durante mais de duas horas, parecia que suas ideias iam sendo desenhadas como num passe de mágica. O que sem dúvida evidenciou que ele já vinha pensando naquele projeto havia algum tempo.
Lembrou um seu ex-aluno, o arquiteto Edgar Tafel: “Wright inicialmente desenhou o 1º andar da casa e em seguida o 2º andar. Depois as varandas e aí explicou o motivo da ponte onde Kaufmann e a esposa, Liliane, sairiam dos quartos para fazer um piquenique.”
Pouco depois chegou Kaufmann, recebido com entusiasmo por Wright. “Que bom revê-lo, Kaufmann. Estávamos mesmo o aguardando!” Em cada um de seus detalhes, a Fallingwater tinha sido desenhada em menos de três horas. Seu projeto era uma espécie de manifesto da “arquitetura orgânica” de Wright, um estilo que a um só tempo defendia o predomínio da técnica sobre a natureza tanto quanto a comunhão das pessoas com o meio ambiente. Mas, ao projetar a casa, Wright tinha ultrapassado seu próprio limite, impondo-se uma situação de extrema pressão emocional. Isso era algo que ele se infligia desde a juventude — e que voltaria a fazer repetidamente até morrer.
Depois da construção de Fallingwater, e do êxito da comunidade, Wright começou a receber uma grande leva de encomendas. Em 1936, foi encarregado de construir o Edifício da Ceras Johnson, em Racine, no Wisconsin. Herbert Johnson, o presidente da empresa, queria uma nova sede para a nova companhia. Nesse trabalho, Wright introduziu duas inovações: 69 quilômetros de tubos de vidros Pyrex para serem usados como claraboia e colunas esguias sustentando o imenso telhado de vidro.
A grande sala de trabalho ainda reverbera com o silêncio atemporal que inunda as catedrais. As colunas do prédio, em forma de lírio, são verdadeiras maravilhas do mundo moderno, adquirindo contornos mágicos ao contato com a luz natural filtrada pelo vidro – “uma clareira no meio de um pinheiral”, de acordo com Wright.
Sucata – De fato, o estilo de Frank Lloyd Wright tornou-se inconfundível e paradoxal, como o próprio arquiteto. Suas casas são, ao mesmo tempo, monumentais e intimistas. Apesar da grandeza da obra de Frank Lloyd Wright, ela foi manchada pelas encrencas em que o arquiteto se meteu em quase todos os lugares por onde andou. Tal como uma escultura, que depois de pronta origina um amontoado de pedregulhos descartados pelo artista, um prédio terminado também deixa muito entulho de sobra.
Meryle Secrest, a maior biógrafa de Wright, contou: “É impossível olhar para Wright sem se impressionar com a dimensão de seus feitos. No caso dele, estamos diante de um gênio, alguém raro de ver na vida real. Por outro lado, quando se considera o cidadão Wright, temos alguém à mercê de suas emoções, apenas um ser humano. Os mais chegados — a sua família, os amigos e os colegas de trabalho — pagaram caro para conviver com ele. Tinha uma ambição desmedida, além de permanente falta de habilidade para viver de acordo com suas posses. Para começar, abandonou a primeira mulher e os filhos sem o menor escrúpulo. Profissionalmente, faturou de forma indevida o crédito de um projeto feito por seu mentor, Louis Sullivan (1856-1924). Muitas vezes pediu dinheiro emprestado, mas raramente honrou suas dívidas.”
Com a intenção de ser um modelo acabado da gentileza e da respeitabilidade da classe média americana, Wright casou-se com Catherine (“Kitty”) Tobin, uma bela garota sulista de 18 anos, filha de uma próspera família sulista. Em alguns anos de casados, eles teriam seis filhos — quatro meninos e duas meninas. Mas pouco antes de completar vinte anos de casamento, Wright se tornou irremediavelmente irritadiço, numa época em que ele e Kitty já viviam cada um de seu lado. Ele odiava até mesmo ser chamado de “papai” pelos filhos. Finalmente, em 1909, ele fugiu para a Europa com Mamah Cheney, o grande amor de sua vida, que era casada com um amigo e cliente dele.
Disse Wright na época: “Parti em busca do desconhecido, para testar minha fé na liberdade, como já havia provado minha fé no trabalho.” Em 1911, então com 44 anos, Wright, junto com Mamah – que obtivera seu divórcio – começou a construir no interior do Estado de Wisconsin, no vilarejo de Spring Green, a sua casa Taliesin (uma palavra galesa que significa “cume brilhante”), que se tornaria sua obra-prima pessoal e seu quartel-general por quase meio século. Para ele, Taliesin era a encarnação perfeita de sua “arquitetura orgânica”.
Wright e Mamah vieram ali por três anos até que o mordomo e caseiro, o índio Julian Carlton, revoltado por ter sido demitido por Mamah, matou-a com um machado e um filho do primeiro casamento dela, além de outras cinco pessoas, e ainda incendiou Taliesin.
Depois da tragédia, o arquiteto encontrou refúgio na reconstrução de Taliesin. Em 1924, Wright conheceria a segunda mulher mais importante de sua vida, Olgivanna Ivanovna Milanoff Hinzenberg, uma dançarina nascida no leste europeu. Enquanto embarcava nessa nova paixão, ele se separava de mais uma mulher, Miriam Noel, uma viúva ricaça que tinha caído de amores por ele. Depois do casamento, Miriam, que inicialmente o chamava de “o senhor dos meus sonhos despertos”, tornou-se uma pessoa violenta, instável e viciada em morfina. Wright rompeu com Miriam — e aí Olgivanna mudou-se para Taliesin. Ela logo engravidou, dando a ele mais uma filha, Iovanna Wright.
Olgivanna foi essencial para o sucesso posterior do arquiteto. Em 1932, aos 65 anos, ele mantinha um ritmo intenso de trabalho. Na verdade, seu período mais criativo apenas começara. Seu problema principal, na época, era sobreviver. A crise econômica – a Grande Depressão –, deflagrada em 1929 devastara os EUA (e o mundo…), e poucas empresas se mostravam dispostas a contratar um arquiteto famoso pelo seu temperamento irascível e por sempre estourar o orçamento de seus projetos. Foi então que Olgivanna sugeriu que Wright lançasse uma escola, atraindo jovens estudantes admiradores de sua obra — gente disposta a pagar US$ 650 ao ano (muito dinheiro naquela época…) para ficar junto do grande arquiteto.
Nessa escola, os alunos tinham, além de lições de arquitetura, horas de trabalho braçal no reparo das construções, palestras esotéricas, pois Wright e Olgivanna eram discípulos do místico greco-armênio George Ivanovitch Gurdjieff, que tinha um grande sucesso entre a intelectualidade, postulando que os seres humanos passavam a vida alienados de si próprios. Assim surgiu a Comunidade Taliesin, que teve bastante sucesso e o êxito continuou com construção de Fallingwater. E isso se comprovou quando o rei do cobre norte-americano Solomon R. Guggenheim lhe pediu, em 1943, já com 76 anos, para criar o museu Guggenheim na Quinta Avenida, em Nova York, para abrigar a imensa coleção de obras de arte moderna amealhada pelo rei do cobre.
Bancos e prostitutas – Wright construiu uma segunda Taliesin do Deserto do Arizona, perto de Phoenix, para onde transferiria a comunidade durante o inverno. Nos vinte anos seguintes, Wright e seus assistentes fizeram mais d e350 projetos, todos provocativos e controversos, com a inconfundível marca de Frank Lloyd Wright. Em 1943, ele obteve seu projeto mais importante: um museu nova-iorquino para abrigar a imensa coleção de obras de arte moderna de Guggenheim.
Era sua primeira grande encomenda em Nova York, cidade que ele passou a vida desdenhando. “É um lugar ideal para bancos e prostitutas. Uma penitenciária para a alma”, dizia. Mas era fácil notar que, aos 76 anos, em plena Quinta Avenida, gesticulando com sua bengala, Wright estava feliz ao renegar tudo o que havia dito. Já os artistas e arquitetos não ficaram nada entusiasmados com o projeto do museu Guggenheim, que teria a forma de um espiral.
Num traçado que o seduzia há anos, o interior do museu se abriria numa rampa contínua. Os visitantes deveriam começar o percurso pelo alto, descendo até o nível do solo. Vinte e um renomados artistas da época, incluindo os pintores Willem De Kooning e Robert Motherwell, se opuseram ao traçado, alegando que seria impossível exibir suas obras adequadamente num museu de paredes curvas. Wright se defendeu com mais um auto-elogio, afirmando que os pintores produziriam uma arte mais refinada se suas obras fossem expostas naquele prédio.
Na primavera de 1959, com o Guggenheim quase terminado, Wright estava supervisionando os detalhes finais da ampliação de seu estúdio no Arizona quando começou a se queixar de dores no estômago. A cirurgia correu bem, mas poucos dias mais tarde Wright morreu calmamente enquanto dormia, aos 91 anos.
Seus discípulos colocaram o caixão num caminhão e dirigiram durante 28 h até o Wisconsin. Em Taliesin, o corpo foi colocado numa carroça coberta de flores, como no enterro de Mamah Cheney, sendo sepultado a apenas alguns metros dela. Frank Lloyd Wright viveu de forma heroica e conturbada. Legou ao mundo uma obra colossal, o testemunho de um gênio moderno.
(Fonte: http://revistacriatica.com.br – REVISTA CRIÁTICA – ARQUITETURA)
(Fonte: Revista Veja, 24 de fevereiro de 1999 – ANO 32 – Nº 8 – Edição 1586 – Arquitetura – Pág: 126/132)
Condensado de artigo de Ken Burns, originalmente publicado pela revista americana Vanity Fair