Com o marido Diego Rivera na arte e na vida: pomba e elefante
Frida Kahlo (Coyoacán, México, 6 de julho de 1907 – Coyoacán, México, 13 de julho de 1954), grande artista e pintora mexicana que casou com Diego Rivera (1886-1957), o grande muralista mexicano do século 20, e namorou com o revolucionário russo Leon Trotsky (1879-1940).
Era uma mulher e artista fora do comum e, figura enigmática, fascinante e talentosa descrita pelos seus contemporâneos e de um exagerado pudor com suas ligações homossexuais.
TRAIÇÃO – Já adolescente, Frida usava roupas masculinas – e deixava-se fotografar assim ao lado da família. Casada com Rivera, ela cultivou casos paralelos com mulheres do círculo artístico que o casal frequentava, no México e em Nova York, com a tácita aprovação do marido. Rivera, no entanto, ameaçava qualquer homem que se aproximasse de Frida. As ameaças não foram suficientes para impedir o romance da artista com o revolucionário russo Leon Trotsky, assassinado no México em 1940.
O encontro definitivo de Frida com Rivera aconteceu em 1929, quando os dois estavam num afesta, o que resultou no que os familiares de Frida classificaram como o casamento de uma pomba com um elefante. A pomba, Magdalena Carmen Frida Kahlo, tinha 22 anos. O elefante, Diego María de la Concepción Juan Nepomuceno Estanislao de la Rivera y Barrientos Acosta y Rodríguez, 43.
Foi a união de dois parceiros sedutores e de forte personalidade. O casamento os marcou através de brigas, crises, momentos de paixão, um divórcio, a reedição do casamento e muitas traições mútuas.
Uma das traições mais conhecidas de Frida foi seu caso com Leon Trotsky. Em sua peregrinação pelo mundo à procura de asilo, Trotsky e sua mulher chegaram ao México, cujo governo recebeu o casal por interferência de Rivera, então comunista dissidente. O caso era tão aberto que a artista chegou a dedicar um de seus auto-retratos a Trotsky, “com todo amor”. A declaração está escrita no papel que ela segura nas mãos, no retrato em corpo inteiro, um dos ídolos da pintora era Stálin, mandante do assassinato de Trotsky.
“FILHA DA REVOLUÇÃO” – Terceira filha do segundo casamento do fotógrafo alemão Guillermo Kahlo com a mexicana Matilde Calderón, Frida ainda era criança quando a tragédia começou a frequentar a sua vida. A poliomielite atacou sua perna direita – o primeiro dos muitos problemas físicos que iriam persegui-la daí em diante e transformar-se em motivos da sua pintura. Aos 15 anos, recuperada da poliomielite, Frida entrou para a Escola Preparatória Nacional, um núcleo onde política e arte conviviam em efervescente vitalidade.
A adolescente foi logo aceita pelos colegas, passando a liderar as brincadeiras do seu grupo. A mais popular era perturbar o trabalho do pintor Diego Rivera, que, já internacionalmente famoso, pintara na ocasião no anfiteatro da escola um dos seus muitos murais nos quais, ao longo dos anos, reinventou a História do México, dando foros de verdade à versão aprovada pela esquerda do seu país.
Rivera era também um notório mulherengo com um vasto séquito de admiradoras, entre elas Frida. Nessa época a adolescente começou a cultivar uma vida de fantasia, mudando até a data do seu nascimento. Nascida em 6 de julho de 1907, ela resolveu mudar o ano para 1910, em parte porque gostava de dizer que era “filha da revolução mexicana” e em parte porque queria parecer mais jovem que seu primeiro amor, Alejandro Gomez Arias, seu colega na Escola Preparatória.
CORPO PARTIDO – Os namorados não tiveram sorte. Durante um passeio de ônibus, sofreram um desastre. Frida fraturou algumas vértebras e teve a bacia atravessada por uma barra de ferro. Aos 18 anos, estava desenganada pelos médicos. Passou meses imobilizada numa cama, mas sobreviveu. Presa ao leito e a um dos muitos coletes de gesso que a perseguiram até o fim, Frida começou a pintar, e pintava o que via: era o seu rosto batido refletido no espelho que sua mãe tinha mandado pendurar no alto da cama e retratos de pessoas que a cercavam. Um trabalho em pequenas doses – ela se cansava facilmente e ao longo de sua carreira não chegou a produzir 200 obras – e pequenos formatos, característica que iria manter na grande maioria das suas telas.
Seu principal assunto foi sempre o seu corpo partido e retalhado, aviltado pelo acidente, e seu rosto, ora sofrido, ora orgulhosos e de traços duros. Também gostava de retratar-se com o rosto cercado de rendas, no traje típico da região de Tijuana. Ou com o retrato de Rivera superposto em sua testa. Em todos eles, a sombra de um bigode que, segundo ela, deixava visível a pedido do marido, para mostrar que tinha sangue europeu, e não índio.
Nos últimos dezesseis anos de vida, Frida passou longas temporadas em camas de hospital e cadeiras de rodas e foi submetida a catorze grandes cirurgias, que chegaram à amputação da perna direita – o que não a impediu de continuar pintando, viajando e expondo em Nova York e Paris. Há na pintura de Frida, apesar do seu esquerdismo, uma vertente religiosa. Em Retábulo, é forte a influência do misticismo popular – ainda que a pintura esteja associada à doença.
Mas foi como pintora surrealista que Frida ganhou fama. Recebida pelos surrealistas franceses como um deles, ela foi elogiada por artistas do nível de Picasso, que escreveu a Rivera que “nem Derain nem eu nem você somos capazes de pintar uma cabeça como as de Frida Kahlo”.
Em trabalhos como O Sonho, o esqueleto sobre a cama aponta para uma outra realidade, o surreal. Novamente, a doença está presente. Seu trabalho e sua vida sempre causaram polêmica. Sua morte também. Aos 45 anos e muito doente – Frida morreria em 13 de julho de 1954. No seu velório, realizado no Instituto Nacional de Belas Artes do México, Rivera cobriu o ataúde com a bandeira do Partido Comunista mexicano, o que provocou a demissão do diretor do Instituto pelo governo mexicano. Mesmo o motivo de sua morte é obscuro. O laudo médico fala de “embolia pulmonar”. Mas muita gente pensou em suicídio, já que a última frase do seu diário foi: “Espero que a saída seja feliz e que eu não volte nunca mais”. Apesar do tom pessimista, em seu último quadro, uma natureza-morta com belas melancias abertas, ela pintou o título Viva a Vida.
(Fonte: Veja, 6 de janeiro de 1988 – ANO 20 – N° 1 – Edição 1009 – ARTE – Pág: 84/85)