Fritz Utzeri, jornalista e escritor. Formado em medicina, fez carreira em grandes jornais do país.

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Fritz Utzeri, o jornalista que desmontava versões oficiais

Um jornalismo de qualidade que desmontava versões oficiais

Ele foi o primeiro a denunciar a morte de Rubens Paiva e a desmentir o IPM do Riocentro

 

 

Fritz Utzeri (Norte da Alemanha, 1945 – Rio de Janeiro, 4 de fevereiro de 2013), jornalista e escritor. Formado em medicina, fez carreira em grandes jornais do país.

 

O alemão de berço e brasileiro por opção Fritz Utzeri, foi daqueles profissionais que os próprios colegas se orgulhavam de com ele trabalhar. Forjado na reportagem numa época em que não existia meios digitais — a comunicação à distância era feita por telex e linhas telefônicas que nem sempre funcionavam — e quando a Ditadura impedia, mediante todos os artifícios do poder, a renovação dos quadros políticos e o instituto da reeleição para os cargos executivos, Fritz acabou dando aulas de apuração de reportagens, que hoje seriam chamada de jornalismo investigativo. Mais do que isso, ajudou a escrever parte da história contemporânea do país ao desmontar versões falaciosas.

 

Médico, formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) com especialização em Psiquiatria, profissão que não chegou a exercer e que abandonou para ser jornalista. Ele nasceu Fritz Carl, nome herdado do pai alemão que não chegou a conhecer porque morreu em sua motocicleta na explosão de uma bomba, durante a guerra na Polônia. Sua mãe Elza, italiana, já tinha fugido para o Norte da Alemanha, como fizeram todas as mulheres grávidas naquela época de guerra.

 

Com dois anos de idade veio para a América Latina com a mãe, direto para Assunção, no Paraguai. Ao Brasil, chegou com sete anos (1952) indo morar no bairro paulista de Higienópolis. Mas não parou ali: veio para o Rio de Janeiro, foi para Lima (Peru), La Paz (Bolívia), Santiago (Chile) e Buenos Aires (Argentina), acompanhando a mãe e o padrasto italiano Otello, que o criou. De volta ao Rio, foi morar na Tijuca, entre as décadas de 1960/1970. Casou-se com Liège, com quem viveu mais de 50 anos e teve dois filhos.

 

Como jornalista, começou como repórter estagiário do Correio da Manhã, época em que viveu uma de suas ótimas histórias. Um dia entrou no elevador da Revista Manchete, na Glória, junto com o dono Adolpho Bloch que, pensando falar com um dos seus jornalistas gritou: “- o senhor está demitido por não usar gravata”. Fritz, com seu ar debochado, retrucou: “- ora, isso é impossível, eu não sou seu funcionário!” E saiu gargalhando.

 

Foi batizado com o nome do pai alemão, Fritz Carl, morto na Segunda Guerra Mundial, quatro meses antes do nascimento do filho. Com a mãe italiana, Elza, chegou aos 7 anos no Brasil, onde, após rodar por países da América Latina, se fixou para fazer carreira no jornalismo.

 

 

Ao naturalizar-se brasileiro, em 1970, Fritz Carl, registrado na rebuscada certidão de nascimento alemã, passou a chamar-se Federico Carlo Utzeri. Mas ele já era mesmo o Fritz Utzeri, nome com o qual se firmou nas funções de repórter especial do Jornal do Brasil e de seu correspondente nas cidades de Nova Iorque e Paris.

 

Formado em medicina na Uerj, com especialização em psiquiatria, trocou o jaleco pela máquina de escrever antes. Foi editor de Ciência e Tecnologia da TV Globo e participou de uma edição especial sobre o caso Riocentro, que discutia a explosão de uma bomba no centro de convenções em plena ditadura militar.

 

Firmou-se na carreira no Jornal do Brasil, onde ingressou em 1968. Pelo periódico, foi correspondente nas cidades de Nova York (1982/85) e Paris (85/89).

 

No período 1991/95 trabalhou, como Diretor de Comunicação na multinacional de telecomunicações Alcatel, mas a vida na Ponte-Aérea o deixava longe da família e dos seus brinquedinhos: as coleções de trens elétricos, de livros – era um leitor voraz – de antigos LPs e CDs, de carros em miniatura e os de verdade, como um MG 1966, original, que conservou por anos na garagem junto a um Karmhan-Ghia e a um Alfa Romeo “Spider”.

 

De Paris voltou para o JB, mas foi logo convocado para ser o editor de Ciência e Tecnologia da TV Globo, onde mesmo depois de sair participou da edição especial do programa Globo Repórter sobre o Caso Riocentro. Com Heraldo Dias, com quem cobriu o caso Riocentro, ainda ajudou a desvendar o desaparecimento e assassinato do deputado Rubens Paiva.

 

Trabalhou também como diretor de comunicação da Fundação Roberto Marinho e voltou ao Jornal do Brasil como diretor de redação do Jornal do Brasil, no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000. Escreveu os livros “Aurora” e “Dancing Brasil” e editou o seu blog “Montbläat”.

 

Trabalhou, também, como diretor de Comunicação da Fundação Roberto Marinho e foi editor de artigos do GLOBO. Fritz Utzeri também foi diretor de redação do Jornal do Brasil na fase semifinal da edição impressa. Escreveu os livros “Aurora” (ficção) e “Dancing Brasil” (crônicas) e editou o seu blog “Montbläat”.

 

Em 1978 o país ainda estava debaixo da ditadura militar. Muito embora o presidente Geisel promovesse uma abertura “lenta, gradual e segura” através da qual, aos poucos, a censura à imprensa foi sendo suspensa, ainda se vivia o bipartidarismo da Arena e do MDB, as greves estavam apenas recomeçando através de Luiz Inácio da Silva, o Lula — então um novato líder sindical — o debate sobre a Anistia política só existia entre grupos de esquerda, e assim como a discussão em torno dos desparecidos/assassinados nos porões dos quartéis e órgãos de repressão ocorria à boca pequena.

 

Foi neste cenário político ainda cinzento que, no domingo 22 de outubro de 1978, uma reportagem assinada por Fritz Utzeri e Heraldo Dias (também já falecido) contestava pela primeira vez de forma clara com minúcias de detalhes a versão oficial dos militares sobre a morte do ex-deputado Rubens Paiva.

 

Não foi apenas uma de jornalismo investigativo, mas um verdadeiro desmonte da versão oficial sobre o “desaparecimento” do ex-deputado Paiva. Até então, a única versão: Fritz e Heraldo se superaram nas três páginas em que o Caderno Especial do Jornal do Brasil daquele final de semana questionava: “Quem matou Rubens Paiva?”

 

 

Anos mais tarde, em 1981, quando do episódio da bomba destinada a estourar no Riocentro, a dupla de repórteres e amigos voltou a dar um show de apuração jornalística, que resultou em uma série de matérias que também mostraram ser insustentável a versão oficial que tentava esconder um atentado que os militares da linha dura intentaram perpetrar.

 

 

Revelando um tabu

 

 

Na reportagem sobre a morte do deputado Rubens Paiva — até hoje dado como “desaparecido” pelos militares — o trabalho dos dois jornalistas teve como primeiro mérito trazer à tona um assunto que muitos conheciam mas que a imprensa não divulgava, até por causa da censura que existiu nos anos de chumbo para alguns jornais.

 

 

 

Mas o trabalho não apenas revelou um casos sobre o qual não se falava como desceu às minúcias para provar que era impossível o tão falado “sequestro” de Paiva, versão oficial do seu desaparecimento. Por ela, o ex-deputado que fora preso pela Aeronáutica e depois levado ao Quartel da PE na Rua Barão de Mesquita, teria sido resgatado, na madrugada do dia 22 de janeiro de 1971,  por oito “subversivos” ao ser conduzido em um Volkswagen pela Avenida Edson Passos por três militares. O relato dava conta de uma troca de tiros, durante a qual o capitão e dois sargentos se refugiaram atrás de um muro. Teria ocorrido saraivada de tiros.

 

 

A reportagem da dupla Fritz e Heraldo, feita sete anos após o assassinato de Paiva, mostrava, entre outros detalhes, a inexistência de muro onde os militares pudessem se abrigar durante a troca de tiros e a impossibilidade de os militares terem se escondido atrás da mureta que havia no local. Mais ainda, apontava o absurdo que seria Rubens Paiva, um homem grande e gordo, sair do banco detrás de um Volkswagen, que também transportava outros três militares. Sem falar que, na véspera, ele fora visto dentro do Quartel da PE “bastante machucado e com dificuldade para respirar”, ter feito o percurso descrito pelos militares. Diz o trecho da matéria:

Isto significa que Rubens, aos 41 anos, gordo, hipertenso, cardíaco e diabético  e além disso fora visto algumas horas antes bastante machucado e com dificuldades para respirar  correu um mínimo de 25 metros, em meio a fogo cruzado, após sair do banco traseiro esquerdo de um Volkswagen alvejado por 24 tiros, cinco dos quais alojados justamente no local em que deveria estar. E o carro estava em chamas”.

 

A reportagem, cuja repercussão na época foi intensa, recebeu o Prêmio Esso e provocou um debate sobre o que acontecera a Rubens Paiva.

 

 

Riocentro, desmonte da versão oficial

 

 

A dupla de jornalistas voltou a preparar um impecável trabalho quando da explosão da bomba no colo do sargento do Exército Guilherme Pereira do Rosário, matando-o e ferindo o capitão  Wilson Luiz Chaves Machado, na noite de 30 de abril de 1981, no Riocentro, durante um show em comemoração ao 1º de Maio. Foi mais um Prêmio Esso dado ao jornal.

 

 

Fritz e Heraldo também desmontaram a versão do Exército, de que a bomba teria sido deixada por militantes da esquerda no Puma usado pelos seus dois militares.

 

 

A apuração de Fritz começou no dia seguinte à explosão, em pleno feriado de 1º de Maio, em que ele estava de plantão no jornal. Alertado pelo amigo Sérgio Fleury de que o Puma do atentado estava abandonado em um terreno baldio defronte à 16ª Delegacia, Fritz correu para a Barra da Tijuca com o fotógrafo Rogério Reis, que fotografou o carro de todos os ângulos possíveis e com riqueza de detalhes, como demonstra a reportagem publicada no dia 2 de maio.

 

 

Fritz, a partir destas fotos, e com a ajuda do seu grande amigo o capitão paraquedista da Aeronáutica, Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, o Sérgio Macaco, reformado pelo Ato Institucional nº 5 (AI-5) após se recusar a explodir o Gasômetro em outro atentado que os militares pretendiam fazer e creditar à esquerda, começou a mostrar como teria sido a explosão da bomba. A reportagem do dia 2, que não foi assinada, talvez até por questão de segurança, dizia no primeiro parágrafo:

 

O capitão Wilson Luís Chaves Machado dirigia o Puma. À sua direita, no banco do carona, estava o sargento Guilherme Pereira do Rosário. A explosão ocorreu entre eles, e a bomba, provavelmente, era segurada, naquele momento, pelo sargento, o mais atingido”.

 

Da visita que fez ao terreno baldio onde estava o Puma, Fritz registrou no jornal do dia seguinte: “O conta-giros do Puma parou em mil rotações por minuto (esta é a regulagem da marcha lenta deste tipo de automóvel). O velocímetro parou em zero, o que, em princípio, não tem nenhum significado especial. A chave estava no contato, em posição de ligado. Assim, é bastante provável que, na hora da explosão, o carro estivesse chegando ou preparando-se para sair daquele local”.

 

Em outro trecho, observava, demonstrando a maneira superficial como as investigações corriam: “A perícia não recolheu, por exemplo, o talão de estacionamento no Riocentro, de número 64 270 – seguramente uma pista valiosa para determinar a hora em que o Puma entrou no local. (…) Há também um rolo de fita adesiva (tipo crepom), quase totalmente usado; isto não é comum em carros, mas é com este tipo de fita que se prende qualquer coisa até em superfícies lisas (o rolo serviria para eventuais comparações)”.

 

No dia 17 de maio, Fritz e Heraldo, em matéria assinada, já anunciavam que o resultado da investigação caminhava para não dar em nada. Não usaram o termo terminar em pizza porque àquela época a expressão não existia. Mas, sob o título “Demora na apuração do atentado pode confundir opinião pública”, os dois anunciavam: “Passados 16 dias da explosão no interior de um Puma, dentro do pátio de estacionamento do Riocentro – com a morte do sargento Guilherme Rosário e ferimentos graves no capitão Wilson Luís Chaves, ambos do Exército – está caracterizado um processo desinformação, aparentemente destinado a confundir a opinião pública”.

 

 

Poucos dias depois, o coronel Luis Antônio Prado Ribeiro, que presidia o IPM e era considerado um militar sério, interessado de fato na apuração, foi destituído do caso e trocado pelo coronel Job Lorena de Sant’Anna. O relatório deste, devidamente assumido pelo Comando do I Exército (hoje, Comando Militar do Leste), foi divulgado em 30 de junho, concluindo que os dois militares atingidos pela bomba tinham sido “vítimas de uma armadilha ardilosamente colocada no carro do capitão”.

 

Na mesma edição de 1º de julho em que noticiava o resultado do IPM, o Jornal do Brasil em uma segunda matéria apresentava as “Dúvidas ainda não esclarecidas”, com sete perguntas para as quais não encontrara respostas na versão oficial.

 

 

Mas a grande reportagem foi publicada um dia depois – 2 de julho – de autoria da dupla Fritz/Heraldo, embora sem assinaturas. O título dela na página 4 garantia: “Teste mostra que seria difícil não ver bomba no Puma”.

 

 

Em uma perfeita aula de jornalismo investigativo — termo que na época não era usado —  a reportagem descreve como chegou à conclusão anunciada na manchete: “As conclusões do IPM chegaram à minúcia de reconstituir um simulacro de bomba e, num desenho, projetado em slide, foi mostrada a posição do artefato. Tomando como base a lata usada para preparar o petardo, o Jornal do Brasil reconstituiu o simulacro e viu-se diante de duas alternativas. Reconstituindo as medidas do simulacro, não caberia no carro. Reduzindo-se a lata a um quinto de sua altura, caberia. Em ambos os casos, o volume é visível e é difícil que alguém pudesse entrar no carro sem vê-lo”.

 

A reportagem apresentava ainda uma série de fotos feitas por Luiz Carlos David, na qual se mostrava como a lata de óleo na qual teria sido feita a bomba não cabia ao lado do banco do Puma, tal como afirmava a versão oficial do Exército. Com esta série de reportagens, o Jornal do Brasil naquele ano conquistou não apenas o Prêmio Esso de Jornalismo como o Prêmio Vladimir Herzog.

 

O jornalismo que Fritz fazia, muitas vezes tendo ao lado Heraldo ou outros colegas da redação do JB, demonstrava sua capacidade profissional de questionar e duvidar, bem como sua perspicácia em correr atrás das explicações, sempre dentro de uma ética em que não recorria a subterfúgio para apurar as informações que lhe interessavam. Destaque-se que, pelo menos nestes dois casos relatados, não houve ajuda nem da polícia nem mesmo do Ministério Público repassando informações que, naquela época, estavam em lados opostos.

 

Fritz morreu dia 4 de fevereiro de 2013, no Rio de Janeiro, aos 68 anos, após três anos de luta contra um linfoma (câncer nos gânglios).

(Fonte: https://jornalggn.com.br/blog/luisnassif – Nilva de Souza / Marcelo Auler Do Jornal do Brasil – 05/02/2013)

(Fonte: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/02 – NOTÍCIA / Do G1 Rio – 4 de fevereiro de 2013)

(Fonte: https://oglobo.globo.com/rio – CULTURA / Por O Globo – 04/02/2013)

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