“Coco” Chanel (1883-1971), a mais famosa criadora de moda do século XX. (Gabrielle Bonheur Chanel). “Podem copiar os meus modelos. É um prazer.” Quando Gabrielle Coco Chanel disse essa frase com ar de desafio e ironia, em 1964, ao lançar a vitoriosa moda das pantalonas, não conseguia esconder o seu orgulho: ela sabia que jamais alguém seria capaz de enganar-se no confronto entre uma imitação e um verdadeiro modelo Chanel. Conhecida respeitosamente no meio da moda parisiense por “Mademoiselle” (ela nunca se casou), “Coco” Chanel baseava seu sucesso não apenas na originalidade das criações, mas na busca quase obsessiva da perfeição nos detalhes: “A costura”, costumava dizer, “não é uma arte abstrata, mas um artesanato, e – no mais profundo sentido da palavra – formal. É a forma da roupa o que interessa”.
Filosoficamente “Coco” Chanel explicava suas exigências com uma frase de efeito: “A mulher costuma andar cheia de roupa, mas nunca cheia de elegância”. E, antes que alguém a criticasse por seu gosto da contradição (sua frase característica era “Meu Deus! Essa não!…”), “Coco” Chanel passava ao ataque escolhendo vítimas para seu espírito ferino. Não gostava de De Gaulle, a quem chamava de “gagá iê-iê-iê”, por sua preocupação em manter-se na crista dos acontecimentos, e quando ninguém se atrevia a criticar a então senhora Jacqueline Kennedy, “Coco” Chanel antecipou de certa maneira a verdadeira personalidade mais tarde revelada pela senhora Onassis: “Jackie Kennedy tem um mau gosto tremendo”, disse. “E o pior é que ela está espalhando isso pela América toda…” A decidida mulher, amiga de grandes personalidades como Jean Cocteau e Pablo Picasso, que fazia essas declarações aos oitenta anos, chegara a Paris no último ano do século XIX cumprindo uma trajetória obscura. Gabrielle Bonheur, filha de um comerciante de vinhos de Auvergnat, no interior da França, nascera a 19 de agosto de 1883 num trem em movimento, quando sua mãe Eugenie viajava para a cidadezinha de Saumur, onde o marido estava a negócios.
Ao completar seis anos, sua mãe morreu, e o pai, o viúvo Chanel, entregou as quatro filhas a duas irmãs beatas e solteironas, e nunca mais apareceu. A convivência com as duas tias severas e sempre vestidas de preto criaria nela o desejo de liberdade. Depois de fugir de casa com uma companhia de teatro ambulante, Gabrielle, então com dezesseis anos, conheceu um nobre oficial de cavalaria, Etienne Balsan, que lhe ensinou boas maneiras e a levou para Paris. Com a ajuda de Etienne, abriu uma butique de chapeus na rua Cambon, ponto de partida para seu ingresso no campo da moda: uma freguesa pediu um modelo de vestido para sua filha e, diante do sucesso do desenho, Gabrielle passou a criar vestidos para acompanhar seus chapeus. Em 1916, já fazia inovações introduzindo na alta costura o jérsei de malha estreita, os tecidos xadrez e a moda escocesa, com blusas de malha fina, calças boca de sino, jaquetas curtas e os seus célebres casacos cruzados na frente, com grossos cintos, no estilo dos uniformes militares. Daí em diante, numa carreira muito coerente com o clima vertiginoso da “belle époque”, Gabrielle “Coco” Chanel lançou com seu nome, em 1922, a linha de perfumes Chanel (dos quais o mais famoso ficaria sendo o Chanel n.° 5, cuja fabricação passou aos sócios, em 1954, recebendo média de 3 milhões de cruzeiros de “royalties” por ano), montou uma fábrica de tecidos em 1930 e estendeu seus interesses a vários países, envolvendo um capital de mais de 15 milhões de dólares. Absorvida pela sua atividade no setor dos perfumes no fim da década de 1930, “Coco” Chanel passou quinze anos sem realizar desfiles de modas.
Quando voltou, em 1954, a moda em Paris dominava o mundo com quatro grandes nomes – Jacques Fath, Christian Dior, Balenciaga e Balmain. O fato de ter saído vencedora foi de certa maneira simbólico: os quatro grandes da alta costura eram todos homens, e “Coco” Chanel nada mais fizera, afinal, durante sua vida, do que triunfar sobre homens. Depois de Etienne Balsan ela soubera resistir às propostas de casamento do grão-duque Dmitri Troubetskoi, da Rússia, e de dois ingleses, o milionário Arthur “Boby” Capel (morto num desastre de automóvel em 1924) e o duque de Westminster, que ela recusou apesar do presente de um colar de 69 000 dólares dizendo: “Duques há muitos na Europa. “Coco” Chanel só há uma”. Na verdade, além do perfume Chanel, dos sapatos e da linha Chanel, em matéria de moda, só ela conseguia criar um corte de cabelo em que milhões de mulheres de todo o mundo se encontravam psicologicamente reveladas numa espécie de malícia e ingenuidade. Ao morrer com 87 anos – solitária, como no fundo sempre viveu -, “Coco” Chanel estava no auge de todas as conquistas: sua biografia musical teve 333 representações na Broadway em 1969/70 (com Katherine Hepburn no papel de Mademoiselle Chanel), e ela acabara de aprovar a coleção de 85 modelos para a primavera de 1971. Quando esse desfile for realizado, no próximo dia 26 de janeiro de 1971, a alta costura de Paris ainda uma vez deverá curvar-se diante do seu gênio. Os modelos para a primavera estarão confirmando a vitória dos vestidos abaixo dos joelhos contra a mínisaia, que ela foi a primeira a combater em 1967: “As mulheres”, escreveu então a velha dama em artigo para a revista francesa “Marie Claire”, “só tem uma pergunta a fazer a si mesmas: É ser jovem mostrar um joelho velho? E as moças: É bonito mostrar um joelho feio?”. Perguntas que ela mesma respondia: “O universo da costura tornou-se um carnaval; a rua, uma praia. É tempo de as mulheres, ainda uma vez, dizerem NÃO! É para essas mulheres que eu faço os meus vestidos”. “Coco” Chanel morreu no dia 10 de janeiro de 1971, aos 87 anos, em seu apartamento no hotel Ritz, em Paris, de uma síncope cardíaca.
(Fonte: Veja, 20 de janeiro, 1971 Edição n.° 124 DATAS – Pág; 68/69)