Gamel Abdel Nasser, presidente egípcio, líder e chefe de Estado do mundo árabe.

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Os arábes perdem seu principal mediador e também o único líder capaz de responder eficazmente por eles na cena mundial

Gamel Abdel Nasser (Alexandria, 15 de janeiro de 1918 – Cairo, 28 de setembro de 1970), presidente egípcio, líder e chefe de Estado do mundo árabe.
Filho do Mediterrâneo e do deserto, Nasser nasceu, em 15 de janeiro de 1918, na Alexandria de Lawrence Durrell, que vivia a plenitude da dissipação e do cosmopolitismo. Como tantos outros garotos egípcios, ficaria confinado na aldeia de seus ancestrais (Beni Mor, no alto Nilo), se a profissão de seu pai, o carteiro Abdel Nasser Hussein, não o tivesse arrastado de uma província a outra. Foi ao longo dessa peregrinação por um país à procura de sua identidade que ele começou a descobrir até que ponto o Egito havia se desfeito, sob o peso de um domínio britânico que já durava desde 1882.

Na Faculdade de Direito e na Academia Militar Real do Egito, onde entrou aos dezenove anos, Nasser apenas aumentou a lista de seus inimigos, incluindo nela a pobreza extrema do país e a monarquia corrupta do rei Faruk.

Passe de mágica – Em 1948 começou para Nasser o ciclo de derrotas militares, que ele saberia mais tarde, com inigualável perícia, transformar em ganhos políticos.

Nessa primeira guerra contra o recém-criado Estado de Israel, os jovens oficiais egípcios retornaram a seus quartéis no Cairo humilhados pela supremacia absoluta das forças israelenses, mas especialmente revoltados com a indiferença do rei ante o despreparo suicida das tropas árabes. O comandante Nasser, um dos poucos miliatres que se destacaram no lado árabe, assumiu então a tarefa de alfabetizar politicamente o grupo dos oficiais livres, o “Dohbat-el-Ahrar”, cérebro e instrumento da revolta armada que derrubaria o regime monárquico em 1952. Junto com a sua primeira derrota, Nasser dava o primeiro passo rumo ao poder.

Exatamente quinze anos mais tarde, como por um passe de mágica, a história se invertia em seu favor. Em junho de 1967, depois de seis dias de derrotas ainda mais humilhantes que em 1948, os restos da oficialidade e das tropas egípcias dizimadas por Israel tiveram de fazer a pé a sua peregrinação de vencidos até o Cairo. Para aumentar as fileiras do ressentimento, a população da capital também saiu, às ruas: poucos egípcios não sentiam, então, a necessidade de mostrar publicamente sua vergonha por viver num país mutilado. Na verdade, nem precisariam invertir contra o palácio Kubbeh para derrubar o responsável, como havia sido nos tempos de Faruk. O próprio Nasser reconheceu que havia cometido o erro de cálculo mais grave de sua carreira, e anunciou a sua renúncia.

Imediatamente, a “Mukhabarat”, a polícia secreta do Exército, e o “Mabahit”, o serviço civil de informações, esquadrilharam quartéis e bairros populosos à procura de eventuais conspiradores. Se os houve, foram silenciados por um referendo de clamores que pediu, por unanimidade, o retorno do “Rais”. Nessa noite de 9 d ejunho, Gamal Abdel Nasser levou até o paraxismo a sua arte de transformar os fracassos em vitórias. No fundo de sua derrota, o Egito decidiu que o seu melhor piloto ainda era aquele que havia levado o país até lá.

Sem humor – Nada, em 1952, indicava que a ascendência de Nasser sobre seu povo assumiria esse aspecto de identificação quase mística. Durante os dois anos em que, por motivos de hierarquia militar, deixou o posto de presidente do Egito ao general Mohammed Naguib (primeiro dos conspiradores quanto à patente, mas um dos últimos quanto à antiguidade e importância na conspiração), Nasser só era reconhecido pelos estudantes de esquerda – e mesmo assim pelo apelido de “coronel Jimmy”, alusão a suas amizades americanas da época. O resto do país olhava com incompreensão para aquele homem tímido, notoriamente desprovido de qualquer senso de humor – pecado capital num país onde as piadas curtas, as “nokta”, definem a qualidade de um homem – e que, com seus insistentes apelos ao trabalho e à economia, à justiça e ao rigor, mais parecia um professor do que um líder árabe do novo Egito.

Mas, quatro anos mais tarde, num discurso bem-humorado e sonoro, ele desnorteou grandes e pequenas potências anunciando sua decisão de nacionalizar a centenária companhia do canal de Suez. A partir de então, o austero mestre do Egito se transfromou num professor de esperança para todo o mundo árabe. E a derrota militar da campanha do Sinai, que israelenses, franceses e ingleses lhe infligiram em represália pela nacionalização, ficou mais uma vez diluída por uma sensação de triunfo: sob pressão dos americanos, que se puseram ao lado do Egito, as tropas britânicas, que desde a deposição de Faruk haviam sido trasladadas de seus quartéis urbanos para a zona do canal, foram obrigadas a abandonar o país definitivamente. Pela primeira vez, a população egípcia compreendeu que a política de Nasser era algo mais do que a simples concentração de todos os poderes, de todos os meios de informação e de pressão, de todo o aparelho do Estado e de toda a economia.

Ao mesmo tempo, de líder egípcio ele passou a ser um estadista de nível internacional, e transformou o Cairo no centro de um novo arabismo em movimento, na “capital do Terceiro Mundo”. Desde que assumiu o poder, as avenidas centrais do Cairo foram decoradas 442 vezes para receber visitas oficiais, e o próprio Nasser prestava contas diárias aos egípcios da distribuição de seu tempo: até pouco tempo, ele havia recebido quase 40 000 personalidades do mundo inteiro.

Só que, desde 1967, a maioria delas tinha essencialmente duas procedências: dos países comunistas e das nações árabes diretamente envolvidas na guerra contra Israel. O tema das discussões também se tornou monótono e insolúvel: como fazer a paz sem provocar a guerra, como fazer uma política pelo Egito sem subordinar a independência do país aos soviéticos, como conciliar os irmãos tragicamente divididos.

Mais talvez do que qualquer outro chefe de Estado, o presidente Gamal Abdel Nasser, pessoalmente, era uma dessas peças fundamentais, sem as quais o mecanismo da política internacional tantas vezes emperra. Principal ponto de apoio dos soviéticos na região potencialmente mais explosiva do mundo, interlocutor válido e acessível para os americanos, ele vinha sendo, desde a guerra de 1967, um dos poucos homens pelos quais deveria passar, obrigatoriamente, qualquer tentativa séria de paz mundial.

Às 18h15 do dia 28 de setembro, quando um colapso cardíaco tirou-o bruscamente do comando do Egito, ficou claro que a sua ausência será sentida intensamente tanto por árabes como israelenses, tanto por russos como americanos – e que, no fim das contas, o Oriente Médio sem Nasser poderá ser ainda mais complicado do que com ele.

A morte de Nasser veio pouco depois de um estafante, dramático trabalho do presidente egípcio para interromper a guerra entre irmãos árabes que devastou a Jordânia. Após discussões intermináveis, nas quais fumou mais que seus quatro maços diários de cigarros e dormiu menos que suas cinco horas habituais por noite, Nasser conseguiu afinal, no Cairo, que jordanianos e palestinos concordassem com uma trégua. O valor real dessa trégua é incerto; em compensação, é absolutamente certo que somente Nasser poderia patrocinar uma cena até então considerada impossível – o sorridente aperto de mão entre o rei Hussein e o líder palestino Yasser Arafat, depois de uma guerra que havia feito 20 000 mortos em nove dias. Melhor talvez do que qualquer outra coisa, esta última tarefa do “Rais”, o chefe, ilustra o fato político que representa sua morte: com Nasser, os arábes perdem seu principal mediador e também o único líder capaz de responder eficazmente por eles na cena mundial.

Com atraso – A morte de Nasser apanhou o mundo inteiro de surpresa – a começar por Moscou, que, sem saber inicialmente o que fazer, preferiu ocultar o fato da população russa, somente permitindo a divulgação da notícia com horas de atraso. Para os chefes de Estado ou governo que se encontravam no Cairo participando da reunião de cúpula da Liga Árabe, as dissensões e intrigas foram automaticamente substituídas por um atônito coro de lamentações.

Como triunfar através dos fracassos
Ele contrariou frontalmente as leis básicas da gravidade política e desafiou o exemplo de qualquer outro estadista dos tempos modernos. Gamal Abdel Nasser, entretanto, só venceu fracassando. A glória militar, objetivo de sua iniciação na guerra de 1948, ficou enterrada nas derrotas de 1956 e 1967 frente a Israel. Da República Árabe Unida – a efêmera aliança do Egito com a Síria e o Iêmen, que deveria servir de alicerce para seu pan-arabismo idealista – resta exclusivamente o nome, hoje sem qualquer sentido. E seu socialismo neutralista, panacéia que chegou a entusiasmar parte do Terceiro Mundo na década de 1950, precisou ir procurar fôlego nos cofres e arsenais de Moscou, para sobreviver precariamente. Nem mesmo o seu mandamento mais íntimo – o de banir a pobreza de todo o território egípcio – pode ser realizado. Mas, ao longo de seus fracassos, Nasser soube como ninguém identificar-se com o Egito e com o Egito e com o mundo árabe – e também ninguém, como ele, soube capitalizar em seu próprio favor o peso das derrotas. Por isso, a despeito de sua política – e acima dela – um povo de quase 100 milhões de habitantes lamenta, do Marrocos ao golfo Pérsico, a morte do “Rais”.

A herança de Nasser: um novo país

O Egito, subitamente órfão de seu chefe supremo, está desnorteado. Durante dezesseis anos, o país se habituou a ver na figura protetora de Gamel Abdel Nasser o canalizador das atenções mundiais e o responsável pela sua sobrevivência. De fato, com o desaparecimento do “Rais”, os conceitos de pan-arabismo, nacionalismo, socialismo ou cooperativismo, tantas vezes empregados para definir às pressas uma realidade nacional extremamente contraditória, são submetidos a um exame mais cauteloso.

Talvez o único passo irrevogável dado pelo Egito desde a queda do rei Faruk tenha sido o seu ingresso definitivo no mundo moderno. Quando os treze oficiais chefiados pelo jovial Mohammed Neguib assumiram o poder, em 1952, as mulheres egípcias ainda carregavam na cabeça o símbolo secular de sua submissão sexual e social – o “melaya”, invariavelmente preto. Dos 21 milhões de habitantes que viviam no país nessa época, só tinham direito à dignidade humana os paxás, os parentes de Faruk e outros poucos afortunados – ao todo, menos de 1% da população. O resto do país, extremamente miserável, continuava adormecido por 25 séculos de dominação estrangeira, desde os persas até os britânicos – que fizeram do Egito um imenso campo de algodão para as indústrias têxteis de Manchester.

Pirâmides – No entanto, em 1962, a adesão oficial de Nasser ao socialismo parecia condenar à extinção gradativa o que restava do setor privado – principalmente levando em conta o entusiasmo absoluto com que o governo passou a eliminar os últimos traços da presença estrangeira no país. Sem descanso, e queimando algumas etapas da prudência, a palavra de ordem “tudo é egípcio” foi seguida ao pé da letra: em pouco tempo, muitos produtos passaram a ter nomes egípcios.

Com a derrota política, militar, econômica e moral que o país sofreu em junho de 1967, o futuro do Egito parecia seriamente hipotecado e as previsões oscilavam entre um pessimismo fatalista e um alarmismo explosivo. Levando-se em conta esse pano de fundo, a recuperação inesperada do país, já em fins de 1969, poderia ser qualificada como um verdadeiro “milagre econômico” do mundo árabe. Com efeito, as cifras animadoras se acumularam nos centros de estudos econômicos internacionais: o valor das exportações egípcias aumentou em 30%, o deficit de mais de 650 milhões de cruzeiros desapareceu do balanço de pagamentos e a produção industrial cresceu em 12%.

De tudo isso, a população egípcia compreende apenas o significado global: que o Egito moderno, com todas as suas hesitações e sobressaltos, é uma criação do presidente Gamal Abdel Nasser. Embora não tenha conseguido resolver os múltiplos problemas de seu país, o “Rais”, indiscutivelmente, se identificou com eles.

Por enquanto, o homem do momento e da transição é Anuar Sadat, que como vice-presidente do Egito, ocupa provisóriamente o posto de Nasser. Fanático por cinema, perdeu a oportunidade de intervir diretamente no golpe de Estado nasserista, pois na noite de 22 de julho de 1952, estava assistindo a um filme com seus filhos. Não obstante, no dia seguinte, foi nomeado porta-voz dos oficiais livres. Dezoito anos depois de ler o primeiro comunicado triunfal do comando revolucionário, foi a sua voz que anunciou ao povo egípcio a morte de Nasser. Arabista ilustre e orador eloquente, Sadat poderá efetivar-se no posto de presidente. Sua lealdade sem limites ao “Rais” não o impede de ter ideias maleáveis sobre a guerra e a paz no Oriente Médio – o que torna um candidato aceitável também para a ala pró-ocidental do Cairo. Símbolo do nasserismo e da conciliação política, Anuar Sadat poderá equilibrar-se tanto no poder como na sua periferia.

Eleições – Com o líder sepultado, entretanto, o mundo e os egípcios voltaram à nova realidade. Pela Constituição doEgito, o processo de sucessão prevê uma presidência provisória de dois meses, terminados os quais deverá ser designado o presidente definitivo. Essa designação se faz em duas etapas: primeiro a Assembleia Nacional escolhe um candidato e depois o nome é submetido à aprovação pelo voto popular, precisando obter maioria absoluta. Caso contrário, o processo se repete, com a indicação de novo candidato. Na corrida presidencial, possivelmente o homem que influenciará a opinião pública do Egito, o futuro incerto o aguarda, os riscos e vantagens que o novo ocupante do palácio presidencial de Kubbeh ocupará.
15 de outubro de 1970 – Anuar Sadat foi eleito presidente do Egito, sucedendo Gamel Abdel Nasser.

(Fonte: www.correiodopovo.com.br – ANO 117 – Nº 15 – www.guiadoscuriosos.com.br/fatos_dia – 15 de outubro)
(Fonte: Veja, 7 de outubro de 1970 – Edição n.° 109 – Internacional – Pág; 30 a 35)

No dia 19 de outubro de 1954, a Inglaterra e o Egito estabeleceram a retirada das tropas britânicas em 20 meses do Canal de Suez, passagem que liga o Mar Vermelho ao Mediterrâneo.
(Fonte: www.correiodopovo.com.br – ANO 117 – Nº 19 – www.guiadoscuriosos.com.br/fatos_dia – 19 de outubro)

“Construir fábricas é fácil, fazer hospitais e escolas é possível, mas formar uma nação de homens é tarefa longa e árdua.”

Gamal Abdel Nasser (1918-1970), ex-presidente do Egito.
(Fonte: http://www.caras.uol.com.br – 14 de junho de 2006 – Edição nº 658 – Citações)

Em 26 de julho de 1956 – O presidente do Egito Gamal Abdel Nasser nacionalizou o Canal de Suez.
(Fonte: www.guiadoscuriosos.com.br/fatos_dia – 26 de julho)

Em 15 de outubro de 1970 – Anuar Sadat foi eleito presidente do Egito, sucedendo Gamel Abdel Nasser.
(Fonte: www.guiadoscuriosos.com.br – Fatos do Dia – 15 de outubro)

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