Georges Canguilhem (Castelnaudary, 4 de junho de 1904 – Marly-le-Roi, 11 de setembro de 1995), filósofo e médico, sua obra, original, esbarrou em uma época que não tinha idade para admitir essencialmente as suas propostas.
O filósofo francês Georges Canguilhem, companheiro de estudos de Jean-Paul Sartre e Raymond Aron, foi teórico e incentivador da epistemologia histórica (estudo dos princípios e resultados das ciências que pretende determinar seus valores e objetivos).
Canguilhem foi orientador de Michel Foucault em sua tese “História da Loucura”, em 1961.
Georges Canguilhem, nasceu em 4 de junho de 1904–seu pai foi alfaiate–,em Caustelnaudary, sudoeste da França. Com 20 anos é admitido na prestigiosa instituição francesa da rue d’Ulm, École Normale Supérieure, tendo como companheiros Sartre, Nizan, Lagache e Aron. Após obter o diploma de professor concursado de Filosofia — l’agregation -, começa a cursar a Medicina em 1936, Toulose, pois “esperava dela, justamente uma introdução a problemas concretos.”
Em 1985, ele profere num colóquio internacional uma conferência em Perúgia, Itália: “O estatuto epistemológico da Medicina”; e, dirá após um rigoroso jogo argumentativo, que esta racional “máquina de curar” pode ser pensada e traduzida como sendo “une somme évolutive de sciences appliquées—uma soma evolutiva de ciências aplicadas”.
Durante a guerra trabalha na Universidade de Estraburgo, onde ministra um curso sobre Normas e o Normal, que se tornaria à base de sua tese de doutorado em Medicina, Ensaios sobre alguns problemas referentes ao normal e o patológico, em 1943. Doze anos depois Gaston Bachelard se aposenta na Sorbonne, na então prestigiada cadeira de História e Filosofia das Ciências e de Diretor do Instituto de História das Ciências e Técnicas.
Foi professor de Foucault e na década de 60 orientou este na tese “História da loucura na idade clássica”. Canguilhem tinha esperança em seu aluno e Foucault levou o pensamento de Canguilhem muito longe.
No livro O normal e o patológico (1943), o filósofo mostra a complexidade de se adotar a norma como critério de normal, evidencia os problemas de entendimento do que seria um organismo normal ou patológico. Ele não dissolve e afasta a diferenciação e os conceitos, como é feito na Filosofia Clínica.
Ele afirma que “o homem dito são não é, portanto, são. Sua saúde é um equilíbrio conquistado à custa de rupturas incoativas. A ameaça da doença é um dos elementos constitutivos da saúde”. A saúde da pessoa foi embora? Pois a patologia que habita nela é sua condição natural agora, tão razoável quanto razoável uma outra coisa foi. A insistência da medicina em fazer com que o homem seja normal ataca um outro elemento importante, a patologia como normalidade.
Ainda que muito distante da Filosofia Clínica, mas muito próximo se considerarmos outras disposições oriundas da psiquiatria clássica de sua época, o filósofo abre caminho para que possamos dialogar com os trabalhos que temos em andamento.
Homens como Foucault e Canguilhem prefaciam a Filosofia Clínica, como quando este último escreve em seus apontamentos iniciais de sua tese: “O problema das estruturas e dos comportamentos patológicos no homem é imenso. O portador de um defeito físico congênito, um invertido sexual, um diabético, um esquizofrênico levantam inumeráveis problemas que remetem, em última análise, ao conjunto das pesquisas anatômicas, embriológicas, fisiológicas, psicológicas. Nossa opinião, no entanto, é que esse problema não deve ser dividido, e que as chances de esclarecê- lo são maiores se o consideramos em blocos do que se o dividirmos em questões de detalhes”.
Mas o prefácio prossegue e ganha novos conteúdos na Filosofia Clínica. Desde o banco escolar, os filósofos estudam nas academias o modo geral de desenvolvimento no qual a ordem é um dos dispositivos máximos. Pois bem, mas em meu trabalho em hospitais e clínicas, como filósofo, penso que algumas estruturações mentais caminham naturalmente de uma tentativa de ordem e métrica preconizada por nossos padrões de época para uma desordem, um caos muito além dos ditames que a medicina entende por psicose, esquizofrenia, e o fazem como parte de um desenvolvimento que lhes é próprio. A própria aproximação de elementos da afetividade, da razão, dos juízos, entre outros, levaria como consequência à desagregação, ao caos, como modo de sequência. Não se trata aqui de normalidade, de anomalia, de patologia, termos que Canguilhem utilizava. Estamos diante de outra coisa, inteiramente outra.
Mas se em minha tentativa filosófica clínica de entendimento eu parto de um princípio no qual existe uma lógica neste desagregar, neste esfacelamento da alma, ainda que eu não compreenda qual lógica é, ou lógicas, então já presumo a priori a existência de uma lógica. Não tenho como fazer isso. Atendi algumas pessoas que evidenciaram modos de ser em áreas existenciais que me fizeram compreender a possibilidade de não existir qualquer lógica em determinados aspectos da alma humana; a possibilidade.
Aqui encontro alguns paradoxos em minha atividade e um deles menciono. Meu trabalho encontra paralelo de parentesco em obras como a de Canguilhem, Laing, Franco Basaglia, Gilles Deleuze, Félix Guattari e outros que propuseram nova compreensão e atendimento aos que apresentam o que a medicina compreende por problemas mentais. Chega rapidamente o momento no qual nossos trabalhos, e os trabalhos de muitos outros, ganham a dimensão e o aceite dos dias atuais. Trabalhos em outras áreas nos apoiam cada vez mais, de Morin a Feldenkrais.
Com o estabelecimento dos múltiplos modelos mentais, de tecnologias de comunicação, em breve filósofos nos perguntarão o que teremos ainda a fazer ou dizer sobre as questões mentais, existenciais, que não serão mais conhecidas por normalidades ou patologia, mas por encaminhamentos peculiares de funcionamento e estruturação.
E, então, correremos o risco de sermos os estudiosos conservadores da mente, retrógrados e dogmáticos, tais quais gente como Canguilhem denunciou um dia. Estaremos assim tão amarrados a esquemas sociais de cuidados aos outros, como empregados em universidades e hospitais, além de teorias encorpadas que endossarão nosso discurso.
Georges Canguilhe morreu no dia 11 de setembro de 1995, com 91 anos. Em 1966 é editado pela P.U.F, a tese de 1943 de Medicina defendida em Clemond-Ferrand, acrescida de um novo texto reflexivo comemorando os 20 anos de sua tese, Novas reflexões referentes ao normal e ao patológico (1963-1966). É o conhecido livro O Normal e o Patológico, “a mais significativa obra de Georges Canguilhem”, nas palavras de seu famoso discípulo Michel Foucault.
(Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/9/20/ilustrada – FOLHA DE S.PAULO – ILUSTRADA – São Paulo, 20 de setembro de 1995)
(Fonte: http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/67/artigo249969-1 – Filosofia Clínica – CIÊNCIA & VIDA – Por Lúcio Packter)
(Fonte: http://www.paradigmas.com.br/index.php/revista/edicoes-21-a-30/edicao-28/353- Edições 21 a 30 Edição 28)
Prof. Doutor Wlater Jayme Zingerevitz *Artigo publicado originalmente na Revista Cult, edição 81, ano VI