Giorgio de Chirico, pintor italiano, monstro sagrado da arte moderna italiana, que ele alias renegou

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Giorgio de Chirico (Vólos, Grécia, 10 de julho de 1888 – Roma, 20 de novembro de 1978), pintor italiano, célebre por sua chamada pintura metafísica, que propiciava composições com elementos díspares, derradeiro monstro sagrado da arte moderna italiana, que ele alias renegou.

 

Seguramente, a modéstia não era, nem de longe, uma de suas qualidades. Quando uma revista italiana lhe prometeu, há alguns anos, a fita gravada de uma entrevista, ele agradeceu: “Obrigado. Gosto de ouvir minha voz”. Mais ousadamente, proclamava-se aos quatro ventos como o último pintor do século XX que ainda conhecia o ofício. E beirava a insensatez ao investir contra mestres de valor no mínimo equivalente ao seu, como Braque e Matisse, ou maiores, como Cézanne e Picasso.

 

Filho de italianos, De Chirico nasceu em Volos, na Grécia, a 10 de julho de 1888. Na adolescência já era um excelente desenhista (formado em Atenas) e dominava brilhantemente várias técnicas. Em 1906, sua família se mudou para Munique – na época, a mais efervescente das cidades europeias em matéria de arte de vanguarda. E, na Alemanha, entre outras influências intelectuais (em geral renegadas), destacou-se a de Nietzsche. De Chirico acabaria ilustrando a ideia do filósofo alemão de que compete à arte “refutar a realidade”. E se impressionou pela descrição nietzscheana das praças de Turim, espectrais, cercadas por arcadas simétricas, povoadas por estátuas envoltas em um inquietante silêncio.

 

Exatamente assim seriam os primeiros quadros pintados por De Chirico a partir de 1910, quando, pela primeira vez, se fixou na terra de seus pais. Expostas em Paris, logo depois, essas obras despertaram furor, e o guru intelectual Guillaume Appollinaire as considerou nada menos que o produto do “mais espantoso pintor da nova geração”. Eram paisagens urbanas, com uma arquitetura angulosa e despojada, de estilo neoclássico, sombras incisivas (projetadas por personagens às vezes ausentes dos quadros), e as álgidas estátuas, cuja imobilidade expectante sugeria a iminência de um brusco – e muito violento – acidente.

 

NEOCLÁSSICO – Depois de três anos em Paris, De Chirico voltou à Itália em 1915. Do encontro com o pintor Carlo Carrà nasceu uma tendência, a pintura metafísica, que, junto com o fauvismo, o cubismo, o expressionismo, o futurismo e a abstração, daria provas da inquietação estética da época. O rótulo “metafísico” não tem nada a ver com os aspectos religiosos que comumente se associam à palavra. Explicaria De Chirico: “São a imobilidade da matéria e sua beleza não-sensorial que me parecem metafísicas. E também são matafisicos os objetos que, por sua clareza ou colorido, e pela exatidão de suas dimensões, negam toda confusão e nebulosidade”.

 

Na prática, essa conceituação pouco acrescentaria ao universo anteriormente registrado. As arquiteturas claras e desertas continuaram frequentes, e a elas se incorporaram certos interiores e sobretudo manequins, repetidos quase obsessivamente. Mais uma vez, a visão mágica apreendia o insólito por trás do banal. Ou – como queria Nietzsche – refutava a realidade por suas próprias aparências.

 

Quase inexplicavelmente, o surto criativo de De Chirico foi de curta duração. No máximo quinze anos. Já por volta de 1920 ele se inclinava para uma espécie de neoclassicismo (ou pseudoclassicismo) cada vez mais convencional. Começou os ataques à arte moderna, que ajudara a instaurar. Os trabalhos de Braque e Matisse lhe pareciam “malcheirosos”, e Cézanne, mero fabricante de telas “que um verdadeiro artista-pintor se envergonharia de fazer aos 6 anos de idade”. De certa forma, tentou se impor pelo escândalo: “Modigliani nunca deveria ter pegado num pincel.”

 

O homem De Chirico, certamente, é um prato feito para os psicanalistas ou os especialistas em moral. Do pintor ficou quase uma centena de telas válidas. E elas é que, à crítica e a história da arte, interessam. Disse um dia Ezra Pound que o artista possui “as antenas da espécie”. Até a década de 30, De Chirico previu no ar, e aprisionou em seus quadros, a atmosfera absurda de um século onde Dachau e Hiroxima conviveriam com os maiores progressos da técnica – e no qual o medo se tornou companheiro inevitável.

 

Mas, já que a empáfia não assegura a eterna juventude, Giorgio de Chirico – o derradeiro monstro sagrado da arte moderna italiana, que ele aliás renegou – morreu em Roma, dia 21 de novembro de 1978, aos 90 anos de idade. Para os historiadores e críticos, porém, sua morte como artista já ocorrera há bem mais tempo. Os intelectuais surrealistas, por exemplo, a denunciaram com todas as letras ainda em 1928. Mas venerando pincel continuava em atividade, as telas se vendiam a bom preço e do alto de seu dúplex de cobertura na Piazza di Spagna, em Roma, o irascível maestro ainda fazia ruído suficiente para impedir qualquer tipo de ostracismo.

 

INQUIETANTE SILÊNCIO – Aliás, como banir de cena a personagem central de agitados episódios, em que quadros falsos e quadros provavelmente verdadeiros eram igualmente renegados pelo autor, por motivos obscuros, numa sequencia ininterrupta de demandas e tribunais?
Como igonorar o discutível reeditor de De Chiricos, que numa certa época passou a pintar variações de obras anteriores, datando-as como se fossem antigas para subir seu valor no mercado?
E, sobretudo, como esquecer um artista que – talvez até sem o querer – foi responsável por um raro e poderoso momento de criatividade e invenção?

(Fonte: veja, 17 de agosto de 1994 – ANO 27 – N.° 33 – Edição 1353 – DATAS – Pág; 99)
(Fonte: veja, 29 de novembro de 1978 – Edição 534 – ARTE/ Por Olívio Tavares de Araújo – Pág; 149/150)

(Fonte: Revista Veja, 21 de abril de 1999 – ANO 32 – Nº 16 – Edição 1594 – Arte / Por Angela Pimenta – Pág: 152/153)

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