Giovanni Bellini (1430-1516), maior artista de Veneza no século XV.

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Giovanni Bellini (Veneza, 1430 – Veneza, 29 de novembro de 1516), mestre da pintura, o maior artista de Veneza no século XV.

Bellini fez parte de um dos grandes tramas e escândalo, e num dos enigmas da história da arte da Renascença que mais resistiram ao tempo.

É autor da tela O Festim dos Deuses, obra encomendada por Alfonso, duque de Ferrara, marido de Lucrécia Bórgia, para ocupar uma das paredes do quarto do casal.

Acredita-se que o duque, depois de entregar a tarefa ao maior artista de Veneza, o já idoso Bellini, que morreu pouco depois de terminar a encomenda, teria recorrido a um futuro mestre dos pincéis, Ticiano (1488-1576), para retocar o trabalho.

Na verdade, O Festim dos Deuses são três telas numa só – ela foi pintada por Bellini, sofreu uma desastrosa intervenção de um pintor medíocre e, finalmente, foi reformulada por Ticiano.

Alfonso era um dos chefes de Estado mais poderosos da Renascença italiana, e sua corte reluzia como um centro de arte e cultura graças a seu mecenato. Embora seu ofício fosse a guerra e seu interesse maior, o aperfeiçoamento de armas, ele era também um amante da pintura, especialmente porque ela já era um sinal de status. Isso não o impediu de destruir uma escultura de bronze de Michelângelo para aproveitar o metal na fundição de canhões. Da mesma forma, para manter a decoração de seu quarto na última moda, teria sacrificado uma obra-prima da pintura determinando que um artista menor da corte, o obscuro Dosso Dossi, fosse lambuzar suas tintas sobre as pinceladas do mestre Bellini.

SOMA DE TALENTOS – A confusão começou quando Alfonso resolveu construir o chamado Camerino d”Alabastro, uma ala particular no castelo de Ferrara para uso exclusivo do casal. O duque pretendia obter uma decoração ousada e sensual, à altura da reputação venenosa de sua sedutora esposa. Lucrécia Bórgia, filha bastarda do papa Alexandre VI, vinha de vários casamentos turbulentos e de uma suculenta série de escândalos, inclusive o de relações incestuosas com seu irmão César Bórgia. Foi César, afinal, quem arranjou o casamento da irmã com Alfonso por conveniências políticas. Mas tudo leva a crer que o duque também não conseguiu escapar ileso à sua fama de mulher irresistível. O quarto decorado para ela é uma dessas evidências, construído com o talento dos melhores pintores da época. A primeira aquisição foi justamente O Festim dos Deuses, encomendado a Bellini em 1513, três anos antes da morte do mestre.

A cena retratada na tela é baseada na obra Metamorfose, do poeta romano Ovídio, e conta o momento em que o deus da fertilidade, Príapo, retira a túnica da ninfa Lotis, adormecida sob uma árvore. Bellini era um pintor metódico, que planejava cuidadosamente suas obras. Apesar disso, era visível que a tela tinha sofrido alterações drásticas.

FAISÃO – Bellini terminou depintar a tela em 1514, mas nessa época as obras de decoração do quarto do duque apenas começavam. Nos anos seguintes, o canhestro pintor de plantão da corte de Ferrara, Dosso Dossi, realizaria diversos painéis e frisos para o Camerino. Nessa taref, também ousou adaptar a tela de Bellini à concepção geral da decoração de sua lavra, substituindo largas áreas da paisagem de fundo da tela por um morro e algumas construções em seu topo. Dossi não tocou nas magníficas figuras em primeiro plano, somando a elas apenas o detalhe postiço de um faisão num galho. O pincel de Ticiano, convocado para reparar os estragos cometidos por Dossi, mexeu apenas na paisagem e popupou – o enfeite do faisão.

Ticiano preencheu o espaço da paisagem com massas de árvores delineadas com pinceladas revoltas e vibrantes, bem diversas das de Bellini, sóbrias e exatas. Nesse contraste de toques de pincel está resumida a guinada sofrida pela pintura no final do século XV e início do século XVI: terminava o Renascimento e se iniciava o Barroco, abandonava-se a serenidade dos temas mitológicos e modelos clássicos e se mergulhava na volúpia das formas arredondadas.

Os dois mestres italianos criaram a maioria de suas obras em Veneza. A igreja de Santa Maria Gloriosa dei Frari foi um exemplo. Lá se abrigam obras tanto de Bellini como de Ticiano.

No mesmo ano em que o cinquentão Bellini pintava o tríptico do altar, Ticiano estava nascendo. Em 1516, ano da morte de Bellini, Ticiano foi contratado para pintar uma Assunção da Virgem, na mesma igreja.

Lado a lado, as pinturas dos dois mestres puderam ser analisadas em detalhes em decifrar o enigma de O Festim dos Deuses. O estudo prosseguiu no castelo de Ferrara, residência do duque Alfonso, para analisar o trabalho de Dossi, o pintor de segunda linha que acabou ganhando uma carona na história da arte por causa dos caprichos de um duque.

(Fonte: Veja, 31 de janeiro de 1990 – ANO 23 – N° 4 – Edição n° 1 115 – ARTE – Pág; 100/101)

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