O inventor da malícia
Giovanni Boccaccio, um cronista do mundo terrestre, das dores e, sobretudo, dos prazeres da carne.
Giovanni Boccaccio um florentino (nasceu em Certaldo, nas imediações de Florença, em 1313, e lá morreu em 1375) que viveu esses dias tétricos.
Precursor do Humanismo renascentista, o autor conta suas histórias de uma perspectiva nitidamente terrestre e material: era um cronista do mundo palpável, da sensualidade dos sentidos, dos prazeres e dores carnais.
Decameron, sua obra-prima, a insuperável vitalidade de suas histórias, palavra de origem grega, quer dizer “dez dias”, período no qual os jovens contam suas histórias.
Dez personagens, cada um deles responsável por uma narrativa diária, por dez dias – termos de Boccaccio, novelas.
A obra carrega a fama de ser uma coletânea de anedotas eróticas e licensiosas. De fato, há ali uma colorida galeria de clérigos dissolutos e mulheres adúlteras.
Mas essa não é a matéria única das novelas. Há exemplos de virtude insuperável como, na última novela do livro, a história de Griselda, modelo extremo de subserviência ao marido.
Há sátiras à corrupção (monetária, não apenas sexual) do clero, como a história do frade que, para arrancar donativos do povo parvo, forjava relíquias como a pena da asa do anjo Gabriel.
Há o amor desgraçado do cavaleiro condenado a perseguir, matar e eviscerar, pela eternidade afora, a mulher cruel que, em vida, desprezara suas investidas apaixonadas – história que, no século XV, serviria de tema ao pintor Sandro Botticelli.
Estão retratadas lá virtualmente todas as classes sociais, todos os ofícios, todas as experiências possíveis ao tempo de Boccaccio.
Dante Alighieri morreu quando Boccaccio era ainda criança. Coube ao autor de Decameron fazer em prosa o que o antecessor havia realizado em verso: transformar o italiano em um idioma literário.
Nas sua descrições vívidas de personagens e situações, Boccaccio tem lá sua dívida para com a Divina Comédia (aliás, esse título, com adjetivo, foi consagrado por Boccaccio: Dante chamara seu poema cósmico apenas de Comédia).
(Fonte: Veja, 25 de setembro de 2013 – ANO 46 – N° 39 – Edição 2340 LIVROS/ Por Jerônimo Teixeira – Pág: 118/119)