Gleb Wataghin (Birsula, Ucrânia, 3 de novembro de 1899 – Turim, 10 de outubro de 1986), físico e cientista ítalo-ucraniano que deu grande impulso às pesquisas em física no Brasil e na Itália.
Um dos primeiros centros de pesquisa em Física no Brasil foi a Universidade de São Paulo, criada em torno da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL-USP, já extinta) em 1934. O matemático brasileiro Teodoro Ramos (1895-1937) foi ao exterior buscar auxílio para consolidação e início de atividades de pesquisa na nova universidade. Para o Departamento de Física, Ramos buscou o apoio de Enrico Fermi, que indicou um de seus ex-estudantes, o físico ítalo-ucraniano Gleb Vassielievich Wataghin, então professor na Universidade de Turim, Itália. Wataghin aceitou o convite e então fundou o atual Instituto de Física da USP. No Brasil, Wataghin conseguiu criar imediatamente um ambiente acadêmico de pesquisa.
Nascido em Birsula, Ucrânia, em 3 de novembro de 1899, completou seus estudos pré-universitários em Kiev e antes da revolução russa refugiou-se em Turim. Formou-se em física e matemática com louvor na Universidade de Turim, onde tornou-se professor catedrático de física superior a partir de 1929 e naquele ano naturalizou-se italiano. Nestes primeiros anos em Turim, Wataghin concentrou-se em trabalhos a respeito da natureza dos raios cósmicos.
Chegado ao Brasil, Wataghin lutou pelo cumprimento de sua missão: começou a construção de um laboratório de raios cósmicos, continuando em parte a pesquisa que vinha desenvolvendo na Itália, e recrutava alunos da escola de engenharia para o seu laboratório e suas aulas de física. Formou nos primeiros anos Marcelo Damy, Mário Schenberg, Paulus Aulus Pompeia, Cesar Lattes, Walter Schützer, Sonja Ashauer (posteriormente aluna de Dirac em Cambridge) e Abrahão de Morais, para citar apenas alguns. Das gerações futuras, Oscar Sala e Roberto Salmeron. Juntou-se em 1938 a ele o físico italiano Giuseppe Occhialini, vindo do Laboratório Cavendish em Cambridge, que havia recentemente descoberto o pósitron com Patrick Blackett independentemente de Carl Anderson, e elucidado o processo de produção de pares elétron-pósitron[1].
Uma história curiosa é a seguinte: por volta de 1937 o laboratório de raios cósmicos em construção de Wataghin foi expulso da Escola Politécnica, por ordem do diretor da escola Henrique Guedes. O laboratório fora desmanchado, livros e equipamentos ficaram pelo corredor. O ex-reitor Reinaldo Porchat interviu e conseguiu uma pequena sala no sótão do prédio principal da Politécnica. Foi nesta nova sala que Damy começou seus trabalhos com Wataghin e onde um dos experimentos mais importantes dos primeiros anos da física brasileira teve início.
Wataghin, Pompeia e Damy publicaram em 1940 a observação da produção simultânea de partículas penetrantes na radiação cósmica[2]: era a descoberta dos chamados chuveiros penetrantes, o mecanismo de interação dos raios cósmicos com a atmosfera terrestre. Os chuveiros penetrantes foram anteriormente previstos teoricamente pelo próprio Wataghin.
Os trabalhos de Wataghin e seus alunos atraiam para a USP bolsas das fundações Rockefeller e Guggenheim e do British Council, o que tornou possível que estudantes prosseguissem suas formações em ambientes acadêmicos tradicionais, incluindo as universidades de Cambridge, Chicago, Princeton, Bristol, Roma, Bruxelas e o Instituto de Estudos Avançados de Princeton. O amparo nacional as pesquisas só se consolidaria em 1951 com a criação do CNPq, a qual esteve à frente um de seus alunos, César Lattes.
Em 1948, Wataghin propôs que os elementos químicos pesados eram produzidos em processos dentro das estrelas, o mecanismo que hoje se considera a correta explicação para a origem dos elementos pós-lítio (pesados) no universo[3].
No ano seguinte, com sua missão concluída no Brasil, Wataghin voltou para Turim para ajudar na reconstrução da Itália no pós-guerra. Instalou lá dois aceleradores de partículas: um betatron de 30 MeV (1954) e um síncroton de 100 MeV. Foi nomeado membro da Academia de Ciências de Turim e da Academia dei Licei e recebeu o prêmio Feltrinelli em 1951 pela descoberta dos chuveiros penetrantes. Desta época seus trabalhos foram principalmente em colaboração com Romolo Deaglio e Mario Verde e ainda manteve colaboração com seus estudantes brasileiros.
Wataghin morreu em Turim em 1986. Seus alunos consolidaram a Física no Brasil com a criação do CBPF, o Instituto de Física Gleb Wataghin da Unicamp, o Dep. de Física da PUC e a ampliação do Instituto de Física da USP, como teremos a chance de relembrar em posts futuros. Graças a seus esforços de quinze anos de dedicação ao início da produção científica no Brasil, hoje o país dispõe de estruturas para participar da produção de conhecimento humano em física.
Bibliografia
Outras fontes, além das citadas no post anterior incluem:
E. Predazzi, Gleb Wataghin, XX Encontro Nacional de Partículas e Campos, SBF (1999).
R. Salmeron, Gleb Wataghin, Estud. av. 16, 44, São Paulo (2002).
H. Fleming, Honrar pais e mães
Notas
P. M. S. Blackett, G. P. S. Occhialini. Proc. Roy. Soc., A 139, 699 (1933).
G. Wataghin, P. A. Pompeia, M. D. S. Santos. Phys. Rev. 57 (1940).
G. Wataghin. Phys. Rev. 73 (1948). Curioso que no mesmo ano o modelo do Big Bang quente foi proposto por Gamow e este tentou, inicialmente, produzir os elementos pesados já no universo primordial. No entanto, ficou claro com os estudos de Gamow e Alpher que a nucleossíntese do Big Bang não era capaz de gerar os elementos depois do Li, que só poderiam ter sido criados, como bem descobriu Wataghin, nas estrelas.
(Fonte: http://leo-motta.blogspot.com.br/2008/01/gleb-wataghin-1988-1986 – Postado por Leonardo Motta – 11 de janeiro de 2008)