Hafez Assad (Qardaha, 6 de Outubro de 1930 Damasco, 10 de junho de 2000), presidente da Síria.
Morte de Assad reforça a ascensão de jovens
herdeiros no comando dos países árabes
O mundo árabe é um conjunto variado de países com uma característica comum: as mudanças são lentas. Muitas vezes, cataclismos que teriam virado outras nações pelo avesso produzem por lá avanços discretos. Na semana passada, a Síria viu-se diante de uma hecatombe tipicamente árabe — a morte do rais, o presidente todo-poderoso cuja vontade se confunde com o próprio Estado. Hafez Assad, dono dos destinos do país durante três décadas, sucumbiu a um ataque cardíaco no sábado 10. No dia seguinte, os pôsteres do líder morto estavam lado a lado aos de seu filho Bashar. Apesar do luto, a Assembléia do Povo reuniu-se imediatamente para diminuir a idade mínima para um presidente de 40 para 34 anos — a idade exata do filho do líder falecido. O jovem Assad foi também rapidamente nomeado presidente do Baath, o partido oficial, e comandante-em-chefe das Forças Armadas. As únicas formalidades que o separam da presidência são novas votações no partido e na assembléia, que depois precisam ser confirmadas por um plebiscito. Para todos os efeitos, a Síria tem um novo rais, por direito de herança. É outra curiosidade da região, a República Dinástica. O que significará essa mudança de gerações?
A sucessão em família está sendo preparada no Egito e na Líbia. Já são favas contadas no Iraque, onde o ditador Saddam Hussein escolheu o filho mais velho, o cruel Udai, como sucessor. Essa movimentação reflete o ritmo normal da vida. Como ocorre com qualquer pessoa, os ditadores estão envelhecendo e se preocupam com o futuro da família. Ocorre o mesmo nas monarquias da região, nas quais a coroa passa, naturalmente, de pai para filho. É uma mudança e tanto, pois a geração que está indo foi responsável pela consolidação dos respectivos Estados e com eles chegaram a se confundir. A nova geração não é apenas mais jovem, mas criou-se num mundo mais arejado e quase todos estudaram em países do Primeiro Mundo. O médico Bashar Assad, o quase-novo presidente da Síria, estudou na Inglaterra. O desafio no Oriente Médio é claríssimo: estabelecer a paz com os vizinhos (a Síria com Israel, o Iraque e a Líbia com todo o mundo) e modernizar não apenas a economia, mas os usos e costumes de seus países.
Hafez Assad foi, a seu modo, um leão indomável. Aos 69 anos, sofria de leucemia e diabetes. Dois terços dos sírios têm menos de 30 anos, o que significa que a maioria das pessoas que acompanharam seu funeral não conheceu outro líder no país. Os preparativos para a sucessão tinham começado em 1994, depois que o filho mais velho, o escolhido para herdeiro, morreu num acidente de carro. É curioso como a vontade de Hafez prevalece sobre qualquer outra consideração de ordem prática. Bashar carece de experiência administrativa ou política e precisará de muita habilidade para tirar a Síria do atraso. O país é um dos mais pobres do Oriente Médio, extremamente dependente do óleo cru, que responde por 30% do produto interno bruto e por 55% de suas exportações. Estima-se que as reservas petrolíferas estarão esgotadas em poucas décadas, o que joga nas costas do novo líder a tarefa de preparar o país para sobreviver sem petrodólares.
O fato de ser alauíta, minoria religiosa considerada herege pela maioria muçulmana sunita da população, deixa a família Assad em situação defensiva. O que levou Hafez ao poder foi a forte presença alauíta no comando das Forças Armadas, uma herança dos tempos coloniais. Até seu golpe de Estado, em 1970, a Síria era uma bagunça. No governo, ele impôs o culto à personalidade por meio da propaganda oficial na TV e de suas imensas fotos espalhadas pela nação. Melhorou a infra-estrutura do país, construiu estradas e desenvolveu o setor energético, principalmente o elétrico — e, sobretudo, mostrou um Exército formidável para enfrentar Israel e impor sua vontade ao próprio povo. Na Síria de Assad, mais voltada para o Mediterrâneo que para Meca, pequenos prazeres mundanos, como a cerveja, são liberados. A economia é praticamente estatizada, mas se respira uma tolerância de costumes rara na região. Nas áreas urbanas, as mulheres nem são obrigadas a se cobrir com o hijab, o tradicional véu das devotas muçulmanas. Assad foi um governante de mão pesada. Reprimiu uma sublevação fundamentalista islâmica arrasando a cidade de Hamah, com 10.000 mortos. Intransigente na questão das colinas de Golã, o território sírio que Israel ocupa desde 1967, fustigava os israelenses por intermédio dos guerrilheiros do Hezbollah — mas, os israelenses tiram o chapéu, respeitou com rigor o cessar-fogo estabelecido entre os dois países depois da guerra de 1973.
Entre as encrencas que deixa para Bashar, estão as negociações com Israel e a presença de 35 000 soldados sírios no Líbano. Depois que os israelenses se retiraram do sul do país, ficou complicado justificar aos libaneses a presença militar síria por lá. Uma vantagem da nova geração de dirigentes árabes talvez seja não carregar o ranço da guerra cruenta com os israelenses. A renovação de lideranças na região começou no ano passado, com a morte dos reis Hussein, da Jordânia, e de Hassan II, do Marrocos. Em seus lugares assumiram Abdullah, na Jordânia, e Mohamed VI, no Marrocos. Este se pôs logo a abrir as prisões e a liberar os costumes no país, com resultados desastrosos. Um pacote de medidas liberalizantes para melhorar a condição da mulher na sociedade marroquina foi rejeitado em passeatas que mobilizaram milhões de mulheres nas grandes cidades do país, no ano passado.
Além dos atrativos políticos naturais, a ânsia de passar o poder de pai para filho repousa na economia doméstica. Como não se separa o público do privado, os chefes de Estado árabes embolsam parte da receita do país, geralmente farta em petrodólares. Uma recente pesquisa da revista americana Forbes mostrou que oito entre os dez chefes de Estado mais ricos do mundo pertencem a dinastias islâmicas. Encabeçando a lista está o sultão de Brunei com uma fortuna de 30 bilhões de dólares. Na segunda posição, contabilizando 28 bilhões de dólares, está o rei da Arábia Saudita. Saddam Hussein aparece em sexto lugar, com 6 bilhões, e, até sua morte, Hafez Assad ocupava a décima posição, com 2 bilhões de dólares.
(Fonte: www.correiodopovo.com.br – ANO 116 – Nº 253 Cronologia – 10 de Junho de 2011)
(Fonte: www.veja.abril.com.br Síria – A nova geração/ Por Cristiano Dias – Edição 1 654 – 21/6/2000)