O VELHO LEÃO DE JUDÁ
Hailé Selassié (Edjerso, província de Harar, 23 de julho de 1892 - Adis Abeba, 27 de agosto de 1975), monarca progressista, (Imperador da Etiópia). Ninguém em todo o mundo está no poder há tanto tempo quanto ele. Coroado imperador em 1930, na verdade reina sobre a Etiópia desde 1916. (Imperador da Etiópia de 1930 a 1974). De monarca progressista, tranformou-se num ancião apegado a ideias que morreram antes dele.
Quando ele foi designado príncipe-regente da Etiópia, em 1916, o czar Nicolau II governava a Rússia e a I Guerra Mundial ia a meio.
O presidente Gerald Ford era um robusto garoto de 2 anos em Grand Rapids, Michigan. E ainda faltavam seis anos para Rui Barbosa iniciar, como candidato à Presidência da República no Brasil, sua campanha civilista. Nele, tudo era extraordinariamente velho e sua silhueta enigmática flutuava, nos últimos tempos, como uma incompreensível relíquia de outro mundo.
De 1930, quando foi proclamado o 225.° imperador da Etiópia, até sua deposição final, a 12 de setembro de 1974, Hailé Selassié I, Rei dos Reis, Leão de Judá, Príncipe da Luz do Oriente alguns entre suas dezenas de títulos -, sobreviveu a tentativas de golpe, rebeliões armadas, atentados pessoais e a uma invasão estrangeira. Sucumbiu, entretanto, às contradições e tensões sociais de um dos últimos regimes abertamente feudais do planeta.
Balbúrdia – Não foi, certamente, por acaso. Depois de quase meio século de poder, o iluminado de Deus não podia apresentar resultados mais ambiciosos do que, por exemplo, 5 % de alfabetizados e 10% de população urbana entre os 26 milhões de habitantes da Etiópia. Ou indicadores ainda mais espantosos de incompetência.
A renda per capita anual, por exemplo, é de 60 dólares – dez vezes inferior à do Brasil. A participação da indústria no Produto Nacional Bruto mal chega a 3%. A ausência de um sistema viável de rodovias e ferrovias se soma à inexistência de serviços de saúde ou sociais. E cerca de 1 000 famílias possuíam, até 1974, 73% da área do país. Não é de se espantar, pois, que em 1961, após mais de três décadas de governo da Força da Santíssima Trindade, houvesse na Etiópia um único médico etíope.
Até a década de 60, nobres mantinham feudos e exércitos particulares, enquanto ainda hoje parcelas substanciais da população sacrificam animais aos deuses. Menos da metade de todos os etíopes fala o idioma oficial, o amárico, enredando-se numa balbúrdia de mais de 2 000 línguas e dialetos. E durante o regime de Selassié o país viveu em desemfreada corrupção – que incluía maciças transferências de ouro e dinheiro feitas pelo próprio Defensor da Fé Cristã a bancos suíços e até negociatas, como a venda ao exterior de cabos submarinos, feita pelo genro do imperador, o rás Andergatchew Mesai.
Queda gradual Com todos esses ingredientes provocando uma lenta erosão do poder real, a guerra civil na Eritréia foi mais um elemento decisivo para a derrocada do imperador. Esta província é uma ex-colônia italiana integrada ao território etíope em 1962, por meio de um plebiscito de duvidosa autenticidade. Um movimento armado separatista de orientação muçulmana atua há treze anos na região, com o apoio de diversos países árabes – e as tropas enviadas para lá pelo governo central tem funcionado, sobretudo, como um sorvedouro de recursos.
Diante de tudo isso, nem mesmo Selassié pode evitar sua deposição – num movimento gradual e que, na primeira fase, incluiu poucas violências. Os jovens oficiais que mais tarde se agrupariam no Comitê das Forças Armadas começaram por esvaziar a imagem do imperador, divulgando a corrupção e a ineficiência administrativa do regime. Com a trágica seca que assolou a região norte em 1973, provocando a morte de 200 000 camponeses e a ruína econômica de 1 milhão de outros, a impaciência nas Forças Armadas transbordou de vez.
Os militares promoveram, entre outras coisas, a exibição de filmes na televisão que intercalavam cenas de desolação e morte no interior com pantagruélicos banquetes no palácio imperial ou tocantes passagens de Selassié alimentando seus cães e leões com carne importada, servida em bandejas de prata. Em fevereiro de 1974, o imperador perdeu todos os seus poderes – seguindo-se uma sucessão de prisões e fuzilamentos entre a nobreza e a oligarquia. A 12 de setembro, finalmente, foi deposto, deixando melancolicamente a sede do governo num Volkswagen da polícia.
Apenas um símbolo – curiosamente, à incapacidade de transformações no plano interno Selassié aliou um forte carisma e uma poderosa imagem no exterior. Sua popularidade começou cedo – quando, logo no início de seu reinado, aboliu a escravidão na Etiópia. E atingiu o auge quando o imperador, obrigado em1936 a asilar-se em Londres depois de resistir quase um ano ao invasor italiano, regressou trinfalmente em 1941 ao país, junto com as forças libertadoras britânicas.
Já em 1936 ele dirigira proféticas – e inúteis – palavras à Liga das Nações a quem pediu auxílio para a luta contra Mussolini. A ajuda foi negada, e Selassié advertiu contra operigo próximo: “Hoje foi a nossa vez. Amanhã será a vossa”. Em 1963, exerceu papel decisivo na fundação da Organização da Unidade Africana e sua ascendência sobre os governos africanos pode ser atestada por sua eficiente mediação na guerra de Biafra e na guerra civil do Sudão.
A morte, finalmente, veio encontrá-lo só e esquecido no dia 27 de agosto de 1975, aos 83 anos, num quarto do antigo palácio imperial de Adis Abeba. Ao morrer, entretanto, Selassié não era mais do que o símbolo de uma época que os militares do Comitê das Forças Armadas, liderados pelo major Mengisto Hailé Mariam, pretendem eliminar “definitivamente”, segundo dizem. Desde dezembro de 1974, eles declararam a Etiópia um país socialista o que até agora não resolveu os problemas do país, mas será capaz de sepultar o regime que Selassié, do alto de seus títulos, conduzia.
(Fonte: Veja, 23 de agosto de 1972 - Edição 207 - Pág; 100)
(Fonte: Veja, 3 de setembro de 1975 - Edição 365 - Etiópia – Pág; 30)
Em 2 de abril de 1930 – Com a morte da imperatriz Zewditu I, Hailé Selassié assume o trono da Etiópia. O Ras Tafari, como foi também chamado, foi coroado imperador da Etiópia em 2 de novembro de 1930.
(Fonte: Correio do Povo – ANO 118 – N° 184 – CRONOLOGIA/ Por Dirceu Chirivino – 2 de abril de 2013 – Pág; 24)
Em 27 de setembro de 1974 – Imperador Hailé Selassié, da Etiópia, é deposto por golpe militar.
(Fonte: Correio do Povo – ANO 119 – Nº 362 – CRONOLOGIA/ Por Dirceu Chirivino – 27 de setembro de 2014 – Pág: 19)
O imperador eterno
Hailé Selassié: Rei dos Reis há 40 anos
Sob a capa dos títulos que Hailé Selassié recebeu ao ser coroado, em 1930, como o 225.º imperador da Etiópia – Rei dos Reis, Eleito de Deus, Vitorioso Leão de Judá -, completou quarenta anos de poder absoluto em outubro de 1970.
Em seu país, mais que um mito, é quase um deus. No mundo, é uma figura histórica e solitária que sobreviveu ao seu próprio tempo. Nas memórias de Selassié, estão enterradas duas guerras e a explosão da independência africana da década de 60. Sobreviveu à mulher, a princesa Itighié Asfau, morta de câncer em 1962, e a quatro dos seus seis filhos.
Cercado de cortejadores palacianos, habituou-se a desconfiar de todos, desde que seu próprio filho, o príncipe herdeiro Asfa Wossen, participou de uma cosnpiração para derrubá-lo, em 1960.
Na realidade, são poucos os que no palácio de Adis Abeba ainda reconhecem no imperador o jovem Tafari Makonnem, que, catorze anos antes de ascender ao poder, fora designado oficialmente pelo seu avô Menelik II para a sucessão no trono da Etiópia. Na ocasião, foi rebatizado Hailé Selassié – o “poder da Trindade”.
E, enquanto Nicolau II ainda reinava como czar da Rússia e na América o futuro presidente Richard Nixon completava o seu terceiro anode vida, iniciou seu aprendizado político de futuro chefe de Estado. Ao ascender ao poder, em 1930, apresentou-se inicialmente como reformador: aboliu a escravatura, comprou o primeiro avião da Etiópia, construiu a primeira universidade para o seu país.
Cinco anos mais tarde, ganhou a admiração do mundo, quando recusou se curvar diante do exército invasor de Benito Mussolini, resistindo à frente de suas tropas descalças até que as bombas e os gases tóxicos italianos obrigaram uma Etiópia arrasada a entrar temporariamente em seu império colonial.
Serenidade – No entanto, em matéria de política externa, Selassié é considerado “progressista”. Promotor incansável da unidade africana e dirigente das nações não alinhadas, há muito escolheu o presidente Josef Tito, da Iugoslávia, para melhor amigo.
Embora frequentemente desunidos, os dirigentes afiracnos – inclusive os socialistas, como Sekou Touré da Guiné e o deposto Kwame Nkrumah de Gana o respeitam unanimemente como uma figura patriarcal.
(Fonte: Veja, 11 de novembro de 1970 – Edição 114 – ETIÓPIA – Pág: 46/47/48)