Harold Brodkey, romancista promissor que foi chamado de “Proust americano” e autor de “Quatro Histórias ao Modo Quase Clássico”

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Autor consagrado de dois romances e três volumes de contos

 

Harold Brodkey (Stauton, Illinois, 25 de outubro de 1930 – Manhattan, Nova York, 26 de janeiro de 1996), escritor americano, autor de “Quatro Histórias ao Modo Quase Clássico”. Romancista promissor que chegou a ser chamado de “Proust americano”, levou 27 anos para escrever o primeiro livro, “Primeiro Amor e Outra Mágoas”, e depois não correspondeu às expectativas.

Brodkey se tornou uma figura lendária do mundo intelectual nova-iorquino graças em grande parte a suas aparições na revista “The New Yorker”, em que a maioria de seus contos foi publicada originalmente e cuja equipe editorial ele chegou a integrar. Dedicou 30 anos a um ambicioso projeto de romance (“The Runaway Soul”) que se tornou um mito muito antes de ser publicado em 91.

Os textos de “Quatro Histórias ao Modo Quase Clássico”, livro lançado nos Estados Unidos em 88, 30 anos depois de sua primeira coletânea de contos (“Primeiro Amor e Outros Lamentos”), só fazem confirmar a originalidade desse contador de histórias. Todo o segredo está contido nesse irônico “quase” do título.

A maior invenção de Brodkey dentro da tradição confessional da literatura americana, que costuma dar prioridade aos “relatos de experiência”, está na intensidade de suas obsessões. Sua originalidade é reinventar radicalmente a experiência, tamanha é a intensidade com que a descreve.

Boa parte da ficção americana – e dos estudos literários nos Estados Unidos – quer fazer da literatura a expressão de uma experiência real (de vida, de uma minoria, de uma raça etc.). Brodkey leva essa lógica às raias da loucura, até tornar a própria experiência literatura; até mostrar que, em literatura de verdade, a experiência será sempre imaginação.

Nem por isso suas histórias são menos emocionantes. Sua escrita é tão obsessiva que ele é capaz de desdobrar um conto inteiro (“Inocência”), páginas e mais páginas, numa descrição barroca e infinita apenas para exprimir a teimosia de um homem tentando fazer uma mulher chegar ao orgasmo. E é quando a ideia da literatura como expressão de uma experiência real se dissolve no que ela realmente é: invenção.

A maneira de Brodkey escapar do lugar-comum da literatura como expressão foi buscando junto às pulsões sexuais mais radicalizadas uma forma literária que fosse ao mesmo tempo verdadeira e original. Na segunda história (“Brincadeira”), o autor lança mão mais uma vez dessa prosa líquida, que escorre para todos os lados, para descrever um único instante: a primeira manifestação mais direta e imediata do prazer sexual, a primeira ejaculação, durante uma inocente brincadeira de crianças.

No geral, essas brincadeiras descritas pelo autor são descaradamente sado-masoquistas (Brodkey chama as crianças de “pequenas putas”), confundindo prazer e dor, assim como raiva e culpa se misturam na descrição da mãe moribunda, no conto que inspira o título da coletânea. Nesse caso, a obsessão leva o narrador a se confundir com a própria mãe, a tomar o lugar da mãe e, por uma imaginação transgressora, tornar sua a experiência de uma mulher de meia-idade à beira da morte.

Os contos de “Quatro Histórias ao Modo Quase Clássico” são pequenos “tour de force” em torno de instantes de uma intensidade muito forte. O texto gira, escorre, desdobra-se e dobra sobre si mesmo, mas não avança. São contos inteiros para descrever uma mesma sensação, uma experiência levada a um estado tão mínimo, tão essencial, pela obsessão descritiva, que ela deixa de ser expressão para se tornar criação. A originalidade da prosa de Brodkey é que ele escreve como se o próprio texto fosse orgasmo, ejaculação, e não a sua mera expressão ou lembrança.

 

Prosa de Harold Brodkey é puro orgasmo

 

O que Harold Brodkey dizia não se escreve. Em 88, numa entrevista ao jornal “Libération”, o autor declarou na caradura: “O romance “Pnin” (de Nabokov) é a imitação de meus contos. E Nabokov também chamou de Harold o herói de “Lolita”, o que foi muito gentil da parte dele”. Na realidade, o herói de “Lolita” se chama Humbert Humbert.

Depois de uma declaração dessas, o mais hilariante é pensar que boa parte da obra de Brodkey seja aparentemente “autobiográfica”. Desde o conto central (“Uma História ao Modo Quase Clássico”) dessa coletânea até o célebre diário do final da vida do escritor, em que ele revela que tinha Aids e provavelmente havia sido contaminado mais de 20 anos antes de a doença se manifestar.

 

 

Harold Brodkey, autor consagrado (Foto: Paris Review  / Reprodução)

 

 

Autor de dois romances e três volumes de contos (o último saiu em outubro nos EUA), Brodkey esperou quase 30 anos para se tornar um autor consagrado em seu país, mas apenas três para ser publicamente conhecido.

O motivo: ter anunciado que estava morrendo em um artigo que escreveu para a revista “The New Yorker”, em junho de 1993; um fato que seria apenas uma questão de tempo: “Eu tenho Aids e isso me surpreende”.

Em 1993, provocou furor ao anunciar que tinha Aids, num artigo na revista New Yorker, e tinha publicado na revista um diário sobre a evolução de sua doença.

Em seu texto, narrava uma aventura homossexual -passageira, inconsequente- de um momento extremamente liberal na Nova York dos anos 70.

Contava histórias sobre seus filhos, netos e também literatura. E falava também do amor por sua mulher, a romancista Ellen Schwamm Brodkey.

Mais textos testemunhais, memorialísticos, foram então editados -o caderno Mais! publicou “Morte: Um Rascunho” em 1994.

Assim, o escritor que havia iniciado a carreira em 1957, com os contos de “The First Love and Other Sorrows”, e se retirado por mais de 20 anos para escrever “o romance definitivo da América” – “The Runaway Soul”, demolido pela crítica-, se tornou, finalmente, conhecido.

“Sua ficção sempre dependeu do modo que ele via o futuro”, disse Ellen, de seu apartamento em Manhattan.

“Quando ele soube que tinha Aids e que morreria em poucos anos, o seu ‘senso’ de futuro sofreu um choque, porque ele não tinha mais nenhum, e tudo se tornou mais ‘concentrado’.”

 

‘Minha luz’ 

 

Ellen Brodkey fala ainda com dificuldade de seu marido. Inicia um raciocínio e depois retoma o silêncio por temer não ser compreendida. A cada instante deseja que todos saibam que “Harold era uma pessoa muito particular”.

 

Brodkey e sua mulher Ellen, em foto realizada em 1994, ano em que o autor publicou o segundo artigo sobre sua doença na revista `The New Yorker’ (Foto: Divulgação)

 

Sua carreira foi interrompida em nome da genialidade autoproclamada de Brodkey, considerado logo no início como uma espécie de “Marcel Proust da América”, assim que seus primeiros textos chegaram à crítica.

“O que mais o interessava era a consciência humana e a maneira que ela se forma e se desenvolve desde a infância. Como nós crescemos para o mundo em nossas consciências”, fala Ellen, explicando as motivações de Brodkey.

“Ele estava interessado no tempo e suas diferentes noções. A ideia de que o mundo repousa na consciência emocional, e tudo que está além disso -a realidade- é imperfeito e instável. Mas isso não é também relativismo, mas uma região que existe apenas no espaço entre o escritor e seu leitor.”

No final do último ano, ela recolheu os diários de seu marido, verdadeiros ensaios sobre a ideia do desaparecimento, e os publicou em “This Wild Darkness” (Esta Treva Selvagem).

Brodkey, nos textos, vai denunciando sua fúria não apenas com a situação, mas contra o tempo em que viveu, a infância e as convenções de sua terra.

Ellen, que é quase um personagem -a figura que surge para levá-lo ao jardim em uma manhã, ou ao hospital, com urgência, na madrugada, diz que Brodkey viveu sempre em uma guerra.

“Ele pensava sobre si mesmo como alguém elegante, e o orgulho era uma maneira de expressar isso.” Ela explica assim a posição de seu marido, acusado de ter sido um vaidoso e imoral.

“Harold acreditava em seu trabalho e no que ele pretendia fazer. Acreditava que os livros podiam mudar a vida das pessoas e por isso havia se tornado um escritor. Mas tinha também uma extrema responsabilidade sobre o que dizia e escrevia.”

Ela prossegue, quase chorando, e ataca o que entende por mundanismo dos homens, editores, escritores e livros.

“Ele preferia não mentir, não jogar os velhos jogos políticos, falar bem de um livro em troca de favores ou fazer um favor em troca de uma boa resenha… Você sabe do que eu estou falando, porque é assim em qualquer parte.”

Agora, seu trabalho é recolher o que restou da ficção de seu Harold, que, segundo Ellen, enquanto se confessava em jornais e revistas, continuava obstinadamente a produzir contos.

Ela se surpreende em saber de uma edição brasileira da obra de seu marido. E deseja conhecer quais as histórias que o leitor daqui lerá. Tenta ainda cuidar de Harold Brodkey, o homem que, na dedicatória de “This Wild” escreveu apenas “Para Ellen, minha luz”.

Morreu no dia 26 de janeiro de 1996, aos 65 anos, em decorrência de Aids, em Nova York.

(Fonte: Veja, 7 de fevereiro de 1996 – Edição 1430 – Datas – Pág; 92)

(Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada – Folha de S.Paulo – MUNDO – 27 de janeiro de 1996)

(Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada – Folha de S.Paulo – ILUSTRADA – LIVRO CRÍTICA / Por BERNARDO CARVALHO especial para a Folha – São Paulo, 6 de Fevereiro de 1999)

(Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada – Folha de S.Paulo – ILUSTRADA / Por MARCELO REZENDE da Reportagem Local – São Paulo, 8 de março de 1997)

Copyright 1997 Empresa Folha da Manhã

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Um autor que os Estados Unidos cultuam e às vezes odeiam

(Fonte: Revista Veja, 20 de janeiro de 1999 – ANO 32 – Nº 3 – Edição 1581 – Livros – “Quatro Histórias ao Modo Quase Clássico” – Gênio excêntrico / Por Carlos Graieb  – Pág: 120)

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