…Cheguei à Casa Branca por volta de 5h25 e fui imediatamente levado à sala de estar da sra. Roosevelt, no segundo andar… A sra. Roosevelt parecia calma e mantinha sua dignidade característica. Avançou em minha direção e gentilmente colocou o braço em meu ombro. Harry, disse em voz baixa, o presidente está morto. Por um momento, não encontrei palavras. Existe algo que possa fazer pela senhora?, perguntei finalmente. Existe algo que possamos fazer por você?, perguntou ela. É você que está em dificuldade agora. (Harry S. Truman, Memórias, v. 1)
Harry S. Truman (1884-1972), ex-presidente democrata dos Estados Unidos (1945-1952). Sua experiência administrativa limitava-se a um ou dois cargos obscuros em seu condado natal. Havia apenas 82 dias que ocupava a vice-presidência, cargo ao qual chegara em circunstâncias quase fortuitas (fora indicado para a chapa democrata como candidato de compromisso, para deter a ascensão de Henry Wallace, considerado radical e simpático aos comunistas), e não mantinha com o presidente o tipo de relação estreita capaz de mantê-lo informado sobre os negócios da Casa Branca.
No dia 13 de abril de abril de 1945, à medida que o mundo tomava conhecimento da morte de Franklin Delano Roosevelt, as preocupações de sua viúva Eleanor eram compartilhadas por muitos americanos. Como poderia um modesto senador do Missouri, no momento crítico em que os Estados Unidos emergiam vitoriosos e cheios de responsabilidade da guerra na Europa e ainda enfrentavam o conflito no Pacífico, substituir o gigante político que fora Roosevelt?
Já em agosto, quando ainda nem completara quatro meses no cargo Harry S. Truman viu-se diante da opção que mais tarde qualificaria de a mais crucial de sua vida: aplicar ou não contra o inimigo japonês aquela terrível arma que os relatórios oficiais chamavam de bomba especial?
Só ao assumir a presidência foi informado das experiências que, havia meses, se desenvolviam nos laboratórios americanos. No dia 16 de julho, quando se encontrava em Potsdam com Churchill e Stálin, para decidir o espólio da Alemanha vencida, foi informado do sucesso do primeiro teste atômico, realizado em Alamogordo, Novo México. Diante dos argumentos apresentados pelos militares uma invasão (a outra opção para liquidar o Japão) produziria talvez milhões de vítimas e retardaria o fim da guerra até pelo menos meados de 1946 – não hesitou. E no dia 5 de agosto, enquanto voltava da Europa a bordo do cruzador “Augusta”, aviões americanos despejavam sobre Hiroxima a carga que ele próprio chamou de “a maior conquista científica da história”.
Depois da crise A decisão de empregar armas nucleares pela primeira e única vez na história (da qual ele nunca se arrependeu) foi talvez o episódio mais marcante da presidência de Harry S. Truman. Mas seu governo esteve repleto de outros acontecimentos igualmente decisivos para os destinos dos Estados Unidos e do mundo. Em 1947, diante da incapacidade da Inglaterra de continuar fornecendo ajuda à Grécia e à Turquia para conter o avanço comunista, assumiu essa responsabilidade e deu início ao que ficou conhecido como Doutrina Truman o crescente envolvimento dos Estados Unidos nas ações destinadas a conter a expansão da influência soviética. Em 1948, sob a coordenação do secretário de Estado, George Marshall, seu governo iniciou o grande programa de reconstrução da Europa Ocidental que, até 1952, iria movimentar 12 bilhões de dólares. Quase todas as crises parecem ser as piores, mas depois que passam dão a impressão de que não foram tão más, escreveria, certa vez, à irmã Mary, num dos freqüentes bilhetes a ela e à mãe, no papel timbrado da Casa Branca.
O padrinho político As crises talvez adquirissem um peso especial sobre os ombros de um homem sem nenhum título universitário, filho de um modesto fazendeiro do Missouri. Harry S. Truman (o S de seu nome não significava nada; era apenas uma homenagem aos avós, paterno e materno, cujos sobrenomes se iniciavam com essa letra) nasceu a 8 de maio de 1884, em Lamar. Durante a Primeira Guerra Mundial lutou na França, como tenente, e ao voltar tentou, sem êxito, diversas ocupações: por um tempo trabalhou na fazenda do pai, foi bancário e em seguida tentou o comércio, abrindo uma casa de roupas em Kansas City. Em 1921 pediu falência e levou dez anos para pagar as dívidas.
Em 1922, aos 38 anos, casado com sua namorada de infância, Elizabeth (Bess) Wallace, ingressou na política pelas mãos do todo-poderoso chefe da máquina democrata no Missouri, Thomas Pendergast. Pendergast era um cacique político de métodos corruptos, mas Truman não teve escrúpulos em associar-se a ele (“Era a única maneira de um jovem democrata do Missouri entrar na política”) nem teve por isso sua reputação manchada – sua fama era de indiscutível integridade pessoal.
Mas o provinciano tímido levou algum tempo para se fazer notar em Washington. Teve atuação obscura durante todo o seu primeiro mandato de senador. Só a partir de 1940, quando foi reeleito, conseguiu prestígio nacional como presidente de uma comissão senatorial encarregada de supervisionar os gastos militares.
Homem comum Era um homem de linguagem franca, às vezes grosseira. Sua vista fraca obrigava-o a usar óculos de grossas lentes, e suas gravatas de gosto discutível espantavam as colunistas sociais de Washington. Harry Truman talvez não tenha sido um excepcional presidente, mas não se pode negar-lhe o mérito de ter cumprido seu dever. Cumpriu-o, é certo, à sua maneira, no estilo direto e na linguagem desabusada de um político de interior. Mas os que temiam que ele se intimidasse no confronto com os monstros sagrados da diplomacia mundial estavam certamente enganados. No seu primeiro contato com o hábil e temível ministro do exterior da URSS (quando discutiram as fronteiras da Polônia no pós-guerra) ouviu-se um surpreendido Molotov deixar a Casa Branca murmurando: Nunca me falaram assim na vida…
A dura franqueza de Truman e s sua noção exata dos poderes e das atribuições do presidente dos Estados Unidos marcaram tanto o primeiro como o segundo mandato. Assim como não hesitou em mandar tropas para a Coreia em 1950, também não titubeou em destituir o general MacArthur do comando das tropas em luta na Ásia, pouco tempo depois, sem dar a menor importância ao fato de que MacArthur era um herói nacional de prestígio popular muito superior ao seu.
Em 1952, desistiu de candidatar-se à reeleição. No ano seguinte, entregou o cargo ao general Dwight Eisenhower. E passou os últimos vinte anos de sua vida da mesma forma que a iniciara: como homem comum. Vivendo em Independence com Bess, e frequentemente visitado pela única filha do casal, Margaret (casada com Clifton Daniel, diretor de redação do New York Times), gozou de boa saúde até completar os oitenta anos, alternando o seu tempo entre a vida familiar e as leituras em seu gabinete na Biblioteca Harry S. Truman (por ele doada à cidade). A partir de 1964, a saúde começou a declinar. Por quatro vezes foi internado em hospitais, e já não era visto com tanta freqüência nas ruas de Independence, caminhando para a biblioteca, ou para o supermercado. No dia 5 de dezembro de 1972, foi levado ao Research Hospital de Kansas City, com uma congestão pulmonar.
A cerimônia de seu sepultamento, simples como ele a desejava, ilustrou na medida exata a vida de um homem cujo maior legado possivelmente terá sido provar que homens comuns podem realizar tarefas incomuns quando cai sobre seus ombros o peso das responsabilidades históricas. Truman morreu no dia 26 de dezembro de 1972, aos 88 anos, em Kansas City, e sepultado nos jardins da Biblioteca que leva seu nome, em Independence, Missouri.
(Fonte: Veja, 3 de janeiro, 1973 Edição n.° 226 DATAS – Pág; 36/37)