Igor Gouzenko (1919-1982), espião soviético, criptógrafo da embaixada soviética em Ottawa, no Canadá

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Igor Gouzenko (1919-1982), espião soviético, criptógrafo da embaixada soviética em Ottawa, no Canadá, saiu do emprego para entrar na história. No dia 5 de setembro de 1945, ao saber que seria substituído no posto que assumira dois anos antes, e receoso do que o aguardava no retorno a URSS, Gouzenko, que na verdade pertencia aos quadros da GRU, o setor de Inteligência do Exército Vermelho, decidiu desertar.
Iniciou ali uma via-crúcis – primeiro solitária e depois feita na companhia da mulher, Anna, em final de gravidez, e do filho de 1 ano e 3 meses – em busca de asilo e proteção.
Mais do que isso, tinha início, para Gouzenko e sua família, uma vida marcada pela insegurança: física, financeira e, sobretudo, emocional.
A história dessa extraordinária deserção, e de suas consequências, para além do protagonista, que não há dúvida de que o Igor Gouzenko tenha relevância na história da Guerra Fria – pela onda de perseguições que contribuiu para incrementar, pelo frenesi que causou nas altas esferas dos governos envolvidos e em órgãos como o FBI, comandado pelo todo-poderoso J. Edgar Hoover. No entanto, trata-se de um exagero situá-lo como marco zero do embate.
Muito antes do fim da II Guerra, EUA e a Inglaterra já sabiam que a União Soviética deixaria de ser uma aliada quando o conflito se encerrasse; claro: os ideais de democracia do Ocidente não combinavam com a ditadura comunista. Em maio de 1945, o então primeiro-ministro britânico Winston Churchill escreveu um telegrama ao presidente americano Harry Truman dizendo-se preocupado com os planos de Stalin e cunhando a expressão cortina de ferro: “Não sabemos o que está por trás dela”, observou.
O perfil do desertor o apresenta como um homem inteligente, porém descontrolado: tinha, ou adquiriu, traços paranóides; batia na mulher; não soube fazer bom uso do dinheiro que ganhou com a publicação de suas memórias – levadas ao cinema em 1948 – e de um elogiado romance, A Queda de um Titã (1954).
Nas primeiras audiências oficiais e contatos com a imprensa, Gouzenko costumava dizer que desertara, aos 26 anos, arriscando a pele, para revelar ao mundo as “intenções malévolas” da URSS. Seria, um autêntico herói. Entretanto, o ex-criptógrafo, depondo a um comitê de senadores dos Estados Unidos, declarou que a deserção nas hostes soviéticas poderia ser estimulada mediante ofertas financeiras, o que levantou a hipótese de que havia deixado escapar assim suas próprias motivações. “Você tem de lembrar que alguém que cresceu naquela cultura e vem para a nossa… sai de tanques para a máquina de lavar – queria ter tudo do bom e do melhor”, comenta, um ex-gerente da conta bancária de Gouzenko. E, se foi isso, como culpá-lo por querer trocar a penúria cinzenta da vida soviética pelo conforto da americana?

(Fonte: Veja, 25 de junho, 2008 – Edição 2066 – ano 41 – n° 25 – Livros/Por Rinaldo Gama – Pág; 198)

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