Ilya Ehrenburg: viveu como pôde
Ilya Ehrenburg (Kiev, Ucrânia, 27 de janeiro de 1891 – Moscou, Rússia, 31 de agosto de 1967), escritor e jornalista ucraniano. Recebeu o Prêmio Lênin da Paz em 1952.
Depois de viver como bem entendia, sendo expulso do colégio e promovendo agitações quando era menino ou atravessando a Rússia a pé para chegar a Paris quando adolescente, Ilya Ehrenburg viveu como podia, ou como conseguiu, ora trabalhando na divulgação do comunismo internacional, ora ameaçando desistir dele, ora fazendo a apologia de um político ou intelectual, ora atacando-os ou mostrando-se terrivelmente cansado de tantas correrias, tantas idas e regressos, tanta instabilidade.
Depois contou, em seis volumes, sua história e seus encontros com homens diretamente envolvidos na composição do retrato do século XX. O último tomo de suas “Memórias” cobre os anos de 1945 a 1953, quando morreu Stálin. Mas nem de leve toca no que Ehrenburg havia prometido anteriormente: toda a verdade.
Deste livro os intelectuais esperavam explicações de Ilya para os serviços prestados ao ditador, o silêncio e a conivência com as autoridades nos processos a que foram submetidos muitos rebeldes amigos seus. Ilya não responde. Trata o estalinismo devagar, com alguma amergura e muita cautela. “Os antigos representavam a deusa da sabedoria como uma coruja,Marx dizia que a coruja esvoaça quando a obscuridade desce. Pena que seja no entardecer da vida que se comece a meditar em tantas coisas”, escreve ele nesse volume VI.
Noutro ponto, o meditabundo Ehrenburg afirma que “tudo se reduz aos homens”. Realmente, percorrem as páginas do livro lembranças e façanhas dos homens que se cruzaram com ele: Einstein, Sartre, Bertrand Russell, Picasso, Le Corbusier, Brecht, Jorge Amado e muitos outros. Um trabalho de que Ilya fala com grande orgulho é o Apelo de Estocolmo, de 1950, em parte redigido por ele e que teve 500 milhões de assinaturas. “Velhice não traz alegria”, diz o provérbio russo. E na verdade, concluído em 1964, o último capítulo das “Memórias” relata os episódios de Hiroxima, Nuremberg, Coreia, o Comitê de Defesa da Paz e, sobretudo, o cauteloso voo da coruja que o ensinou a viver 76 anos, alguns apreensivos, os últimos, amargos, mas todos básicamente confortáveis.
Ilya Ehrenburg faleceu em 31 de agosto de 1967, aos 76 anos, em Moscou.
(Fonte: Veja, 4 de março de 1970 – Edição 78 – Literatura – Pág; 80/81)