Um dos maiores cineastas do século 20, dirigiu mais de 40 filmes.
‘Morangos silvestres’, ‘Cenas de um casamento’ e ‘O sétimo selo’ estão entre seus longas.
Ingmar Begman (14 de julho de 1918 – Ilha báltica de Faro, 30 de julho de 2007), diretor que fez o cinema se impor como uma forma de pensamento e de poesia. Begman nasceu em 14 de julho de 1918, já tinha uma dúzia de filmes lançados na Suécia quando, em 1957, se projetou de forma meteórica no panorama mundial.
Nesse único ano, ele fez duas obras-primas do cinema. Em O Sétimo Selo, um cavaleiro interpretado por Max von Sydow volta das Cruzadas e encontra sua terra tomada pelo desespero e pela Peste Negra. Abordado pela Morte, ele tenta postergar o momento inevitável por meio de um jogo de xadrez com a figura encapuzada e ganhar tempo para encontrar, sem grande sucesso, provas de que os homens merecem viver. O Sétimo Selo mesmerizou plateias em todo o mundo e anunciou um novo cinema, ambientado nas paisagens mais desoladas da alma.
Poucos meses depois, Bergman lançou Morangos Silvestres, no qual um velho professor envereda pelas trilhas de sua memória que, novamente, o conduzem sempre para mais perto da morte. O diretor tinha então apenas 39 anos. Mas é seguro dizer que, até seu duplo feito, a angústia do fim nunca havia sido tratada pelo cinema de forma tão decisiva e incisiva. O cineasta, porém, ainda teria muito a dizer a esse respeito uma meia centena de filmes, mais inúmeras produções para a televisão e para o teatro. Nas duas últimas décadas, afastado da câmera, Bergman vira sua influência retroceder e, aos poucos, se dissipar.
Na manhã de 30 de julho, contudo, ela subitamente recuperou sua nitidez. Ingmar Begman, completara 89 anos em 14 de julho, morreu durante o sono, em seu refúgio na ilha báltica de Faro e levou consigo a hipótese de um cinema que escape às convenções de gênero e possa se impor como uma forma de pensamento e de poesia.
A ascenção de Ingmar Begman deu-se no fim dos naos 50, quando o cinema de autor, representado por nomes do porte de Federico Fellini e Michelangelo Antonioni, se revelara a grande força criativa da época. Sua obra, contudo, tinha um forte cunho religioso, além de uma severidade que constratava vivamente com boa parte da produção do período. Ingmar Begman tinha uma ligação profunda com a tradição cinematográfica escandinava, que fez dos encontros entre luz e escuro, e entre terra e mar, tão dominantes em sua paisagem, também o seu principal espaço psicológico. Auxiliado por seu diretor de fotografia, Sven Nykvist (morto em 2006), Ingmar Begman esquadrinhou esse espaço como ninguém antes ou depois dele.
Na sua primeira fase, da qual a figura alongada e os traços austeros de Max von Sydow foram o maior emblema, Begman tratou principalmente do vazio que interpõe entre o homem e Deus. A esse momento é que pertencem O Sétimo Selo e Morangos Silvestres. Sua segunda fase foi ainda mais brilhante.
Depois de uma cirurgia, o diretor descobriu que havia perdido o medo da morte. Seu vazio, então, se transferiu para outro domínio: o das relações humanas. Max von Sydow foi substituído por um ator de aparência mais terrena Erland Josephson -, e a distância de que Bergman passou a tratar é aquela que homens e mulheres, pais e filhos ou irmãs e irmãos tentam vencer.
O que só conseguem fazer, em geral, quando desejam se ferir.
Deixou muitos admiradores, mas nenhum pupilo de fato, a despeito dos esforços de John Cassavetes e Woody Allen: seus demônios simplesmente eram mais potentes que os da maioria dos mortais. Na visão de Bergman, até buscar o amor é uma forma de redenção que quase sempre termina em mais danação.
Em Gritos e Sussurros, três irmãs, uma delas à morte, tentam obter alguma conciliação, mas só fazem se dilacerar ainda mais. Em Sonata de Outono, o encontro entre uma mãe e uma filha é uma batalha de ressentimentos em que só vence quem perder mais. Em Cenas de um Casamento, de 1973, talvez sua obra máxima, o espectador acompanha a lenta e crudelíssima derrocada do casamento de Johan e Marianne, interpretados por Josephson e Liv Ullmann.
Em seu último filme, Saraband, feito para a televisão em 2003, foi a Johan e Marianne que o diretor decidiu voltar. Mas o amor dos dois foi reduzido a uma presença tênue. O que está vivo, no filme, é o rancor, em especial aquele que palpita entre Johan e seu filho sessentão. Liv Ullmann, uma das várias mulheres com quem o diretor foi casado e sua musa mais constante, teorizou que Bergman teria feito Saraband para exorcizar um pouco da dor de haver perdido um de seus nove filhos sem ter feito as pazes com ele. É típico do diretor, porém, que essa expiação tenha chegado à tela em forma de franqueza brutal, em que expor ódio é um tributo mais genuíno do que ceder aos lamentos da memória.
Filho de Erik, um pastor luterano, e de Karin, uma mulher que oscilava de forma atordoante entre o calor e a frieza, Ingmar aprendeu desde muito cedo a vasculhar a fisionomia dos dois em busca de sinais do que estaria por vir. Por exemplo, a rejeição por parte da mãe ou a ira do pais, que acarretava castigos terríveis como trancar o filho num armário escuro ou espancá-lo e então obrigá-lo a beijar sua mão -, relembrados em detalhes pungentes em seu último trabalho cinematográfico, Fanny e Alexander, de 1982, no qual rememorou sua infância traumática e, com ela, obteve seu maior sucesso comercial.
(Fonte: Veja, 8 de agosto, 2007 - Ano 40 - Nº 31 - Edição 2020 - Memória/Isabela Boscov - Pág; 126/127)