Isaac Bashevis Singer (1904-1991) escritor polonês naturalizado americano prêmio Nobel de Literatura

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Conservador de vanguarda, encantou o mundo escrevendo sobre judeus e em iídiche

Singer: “Todas as pessoas são sensíveis às mesmas coisas”

Isaac Bashevis Singer (Kadzymin, 21 de novembro de 1904 – Miami, 24 de julho de 1991), escritor polonês naturalizado americano, prêmio Nobel de Literatura de 1978. Em certa medida era um conservador. E isso não só porque desconfiasse, com razão, dos vanguardeiros que fez por outra aparecem nas livrarias com ares de James Joyce. Autor de mais de duas dúzias de livros, entre volumes de contos, romances e histórias infantis, Singer jamais escreveu em outro idioma a não ser o iídiche, sua língua materna, embora vivesse nos Estados Unidos desde 1935. Do mesmo modo, permaneceu fiel a um único grande tema – as agruras do povo judeu. Para ele, no entanto, isso não ocorria por uma questão de obsessão. “Quando me sento para escrever, não estou me sentando para escrever sobre judeus”, dizia ele. “Simplesmente, esse é o povo que conheço melhor.”

Povoar livro se mais livros com personagens hebreus, falando em iídiche, poderia ter confinado Singer a um gueto intransponível. Não foi o que aconteceu. Traduzido pelos quatro cantos do mundo, Singer já era, antes de ganhar o Nobel, um escritor universal. E isso por uma razão muito simples, que ele mesmo apontava. “Em qualquer parte da Terra, as pessoas são sensíveis às mesmas coisas – o amor, a trapaça, a esperança e a desilusão”, acreditava. Ao lhe conceder o Prêmio Nobel, a academia sueca afirmou que a obra de Singer “trazia o gueto de volta à vida”.

HUMOR E IRONIA – Nascido em Kadzymin, uma pequena cidade nos arredores de Varsóvia, no dia 14 de julho de 1904, Singer era filho, neto e bisneto de rabinos. Cresceu bombardeado por duas poderosas influências. De um lado, o misticismo judaico, que o encaminhava para o rabinato e o contagiava com elementos fantásticos do folclore judeu, presente em toda a sua obra. Na mão inversa, pesava o racionalismo de seu irmão e também escritor Israel Joshua Singer, facilmente detectável nos seus livros. Essa dualidade produziu uma literatura que, se admite a existência de uma “entidade superior”, responsável pela criação do universo – “De todas as teorias sobre a origem da vida, a exposta no Gênesis é a mais inteligente”, arriscou Singer no ótimo O Penitente, lançado no Brasil em 1979 -, também mostra uma certa decepção em relação ao homem. Sua obra, no entanto, nunca dispensou o humor, sempre pautada por uma ironia que, muitas vezes, faz lembrar um outro judeu genial: Woody Allen.

Singer sempre foi um sujeito simples, mesmo depois de ter se tornado uma celebridade mundial. De uns tempos para cá, o autor de A Família Moskat; Inimigos, Uma História de Amor; e Do Diário de Alguém que Não Nasceu andava adoentado. Segundo o relato de Alma, sua mulher, com quem o escritor se casou em 1940, Singer passou internado num asilo em Miami. Foi ali que ele se despediu da literatura e da vida – uma confusão que sua obra nunca foi capaz de desfazer. Singer morreu no dia 24 de julho de 1991, de ataque cardíaco, aos 87 anos de idade, em Miami, Estados Unidos.
(Fonte: Veja, 31 de julho de 1991 – ANO 24 – Nº 31 – Edição n.° 1193 – DATAS – Pág; 80)

PREMIADO: com o Nobel de Literatura de 1978, pela Real Academia da Suécia, o escritor polonês naturalizado americano, Isaac Bashevis Singer, de 74 anos; dia 5 de outubro de 1978, em Estocolmo. Quando acordou, e desceu para tomar café numa lanchonete perto de seu apartamento de verão, em Miami Beach, Isaac Bashevis Singer – ainda não sabia que acabara de ganhar o mais prestigioso prêmio literário do mundo. A mulher, Alma trouxe-lhe a notícia – e, de volta ao apartamento, cercado de amigos e repórteres, ele mergulhou num turbilhão de homenagens, entrevistas e certamente chateações, que vão durar até o dia 10 de dezembro, quando receberá das mãos do rei Carlos XVI Gustavo, em Estocolmo, seu cheque de 725 000 coroas.

A primeira reação de Singer foi de resistência. É um escritor de hábitos modestos. Na verdade, trata-se do maior escritor vivo dessa língua, à qual se mantém fiel depois de mais de quarenta anos nos Estados Unidos. “Durante toda a minha vida”, “ouvi dizer que o iídiche estava morrendo, e quando cheguei a Nova York me senti um escritor fantasma Levei anos para saber que o iídiche estava muito vivo e tinha vitaminas que outros idioma não têm. É pobre para a tecnologia – se você quiser descrever um homem pobre, ou um sovina, ou um idiota, vai achar mais sinônimos nessa que em qualquer outra.” Sua obra – cerca de quinze romances, novelas, coletâneas de contos e relatos autobiográficos, além de livros infantis e peças de teatro – está hoje traduzida para dezesseis idiomas, inclusive o português (“O Mágico de Lublin”, romance, “Satã em Gorai”, novela,e “Breve Sexta-Feira”, contos).

Filho, neto e bisneto de rabinos, nasceu em Kadzymin, uma pequena cidade nos arredores de Varsóvia, no dia 14 de julho de 1904. Sua formação foi marcada por duas poderosas influências: de um lado, o misticismo dos pais, que o encaminharam para o rabinato e o carregaram de relatos fantásticos, macabros e encantados do folclore judaico: de outro, o racionalismo de seu irmão Israel Joseph Singer, também escritor, que ousou contestar os dogmas da religião. Esse dualismo vincou toda a sua obra, do primeiro livro, “Satã em Gorai”, de 1932, ao mais recente, “Shosha”, lançado em 1978, e modelou um homem que, tendo abandonado a ortodoxia judaica, segue sustentando que “a crença em Deus é tão necessária quanto o sexo”.

Singer mudou-se para Nova York em 1935, com a ascensão do nazismo (sua mulher Rachel e o filho foram viver em Moscou; ele se casou novamente em 1940). Empregado num jornal da comunidade judaica, The Jewish Daily Forward, começou a publicar ali, aos capítulos, seus romances e novelas – hábito que ainda mantém. Tendo o público do jornal, não se sente “falando para as paredes”. Ele não acredita que a literatura possa mudar alguma coisa, e critica o que chama de “batalhão de Kafkas” – os seguidores de Kafka e Joyce, os vanguardeiros que “estão matando a literatura”. A verdadeira arte, para Singer , só pode nascer quando estão reunidas três condições essenciais: “Ter um tema, pois não se pode escrever uma história se não há história; estar tomado pelo desejo ou pela paixão de escrever; e a ilusão de que só eu poderia criar aquela história”.

Sua literatura – onde o melhor, segundo a crítica, seriam os contos, como o antológico “Gimpel, the Fool”, ou as memórias, como “In My Father Court” – mobiliza invariavelmente temas da religião e do folclore judaico, para reconstruir mundos extintos. Povoada de sobrenatural, violência, erotismo, demônios, anjos, fanáticos, prostitutas, charlatões e falsos messias, ela “traz o gueto de volta à vida”, como lembrou a Real Academia da Suécia; “o mundo e a vida da coletividade judia do leste da Europa, a vida em cidades e aldeias, a pobreza de que padeceram e as perseguições a que foram submetidas”. Assim por exemplo, “The Family Moskat” (1950) mostra a desintegração de uma família de judeus de Varsóvia, ao longo do meio século que precedeu a II Guerra Mundial. “The Manor” (1967) e “The Estate” (1969) retomam o tema no século XIX. “Enemies” (1972), um de seus poucos escritos ambientados fora da Polônia, transcorre em Nova York – mas a personagem é um judeu evadido de um campo de concentração. Um obsessivo? “Quando me sento para escrever, não me sentando para escrever sobre judeus. Simplesmente é esse o povo que conheço melhor.”

Como explicar que seus pequenos universos despertem o interesse de milhões de leitores voltados para outros mundos? O próprio Singer responde: “Em qualquer parte da Terra, e por mais diferentes que sejam, as pessoas são sensíveis às mesmas coisas – o amor, a trapaça, a esperança, a desilusão”.

(Fonte: Veja, 11 de Outubro, 1978 – Edição n.° 527 – DATAS – Pág; 129)

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