Jacques Lacan (1901-1981), psicanalista, intelectual francês, um personagem controvertido

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Jacques Lacan (Paris, 13 de abril de 1901 – 1981), psicanalista, intelectual francês, um personagem controvertido. Formou-se em medicina, atuando como neurologista e psiquiatra e se considerava um Psicanalista Freudiano. Passou da neurologia à psiquiatria, tendo sido aluno de Gatian de Clérambault. Lacan nasceu dia 13 de abril de 1901, em Paris, numa família na qual a religião católica não era apenas uma conveniência social, mas tinha um grande valor íntimo. Lacan perdeu a fé no final dos anos 20, esse foi o clímax de uma verdadeira interrogação. Sobretudo um fenômeno sociológico.

 

Porque Lacan, além de teórico, terapeuta e professor, foi uma das maiores coqueluches do mundo acadêmico – desde a fundação, em 1964, da Escola Freudiana, e da publicação de seus “Escritos”, dois anos mais tarde. Primeiro, foram-se Sartre e Barthes. Depois, a morte simbólica do filósofo Louis Althusser, ao confessar o homicídio da mulher. Mas nenhuma dessas recentes baixas no cenário intelectual francês envolveu um personagem tão controvertido quanto a do psicanalista Jacques Lacan, morto aos 80 anos, dia 9 de setembro, em Paris. Com Sartre, fechou-se a era dos intelectuais heroicos – homens de saber fundo e versátil, militantes das ideias. Com Barthes e Althusser, veio o adeus à brilhante temporada do estruturalismo.

 

 

A estrepitosa celebridade nascia menos de suas teses, nas quais a tentativa de recuperar a ortodoxia do pensamento de Freud encontrava adversários mesmo entre os interessados, ou do insólito de seus aportes. Afinal, a antipsiquiatria foi sua contemporânea e andou bem mais longe. A aura de Lacan vinha, sobretudo, do estilo. Afetação, preciosismo e um gosto de segredo, aliados a uma retórica magnífica mas indecifrável, era isso que lotava seus seminários na Escola Normal de Paris, concorridos como um show na Broadway, onde elegantes senhoras disputavam cadeiras com jovens e menos jovens. O estilo, porém, não se resumia às frases em hieróglifos, ou à elegância displicente regada a um indefectível colarinho Mao Tsé-tung. Lacan era um visceral ator, num universo em que a maioria de seus pares é cinza e circunspecta. Foi como ator, frequentando a sociedade parisiense que ironizava, deitando axiomas para um público que o venerava e cultivando um disciplinado exército de discípulos, que Lacan conquistou fama e glória.

 

 

Não que seu trabalho como teórico fosse menor – sua tese sobre a psicose paranoica, de 1932, fez época, e toda uma geração de intelectuais franceses, entre eles Gilles Deleuze e Felix Guatari, tomou-o como interlocutor privilegiado. Mais que isso, sua contribuição à teoria da linguagem, analisando textos de Mallarmé ou Joyce, é brilhante. Poeta involuntário da sintaxe inconsciente, Lacan teve menos sorte – ou desfrutou de menor consenso – como terapeuta. A arbitrariedade da relação entre paciente e analista lacaniano – que permite encerrar uma sessão em 3 minutos, sob a justificativa de que é o tempo lógico para o inconsciente pronunciar-se – criou suspeita de que seu método busca menos a cura e mais a servidão voluntária do paciente.

 

 

O profundo espírito de seita que ele cultivava e exigia de seus discípulos, traduzível em expressões como “a palavra de Lacan” ou “O Mestre”, faz pensar que a psicanálise, nascida com a vocação de libertar o homem de seu próprio jugo, tinha-se transformado, com ele, em um hermético manual de caserna. O próprio Althusser, quando da dissolução da Escola Freudiana, em 1980, por uma decisão insondável de Lacan, acusou-o publicamente de negligenciar os pacientes. A maioria dos seguidores, porém, aceitou a decisão com aquela reverência docemente fanática, tão comum em jovens noviços e praças. O que, a partir de agora, transforma-se em um brutal problema: não há seita que sobreviva à morte de seu líder carismático. A herança de Lacan, então, pode ser lamentavelmente inversa a sua candente popularidade.

(Fonte: Veja, 16 de setembro de 1981 – Edição 680 – Datas – Pág; 101)

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