Jacques Maritain, educador francês, o maior filósofo católico do século 20, que com seu “Humanismo Integral” e “O Homem e o Estado” passou a ser um perigoso subversivo, recebido com apavorados sinais da Cruz dos católicos que queriam a Igreja acima de qualquer alteração do status quo social

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Jacques Maritain e a Declaração Universal dos Direitos Humanos

 

 

Jacques Maritain (Paris, 18 de novembro de 1882 – Tolosa, 28 de abril de 1973), filósofo e educador francês, embaixador no Vaticano (1945-1948). O maior filósofo católico do século 20, o francês Jacques Maritain, era um conformado quando insistia nos valores tradicionais do catolicismo aliado às estruturas dominantes. Como o elefante examinado por cegos no apólogo hindu, o filósofo com seu “Humanismo Integral” e “O Homem e o Estado” passou a ser um perigoso subversivo, recebido com apavorados sinais da Cruz dos católicos que queriam a Igreja acima de qualquer alteração do status quo social. Abraçando a pobreza, denunciando o vácuo da tecnologia e “a ficção teológico-científica” de Teilhard de Chardin (1881-1955), ele passou a ser, para a Esquerda, um reacionário que fugia dos problemas imediatos da revolução política em prol do Terceiro Mundo.

Longe dessas aparentes contradições, porém, Maritain traçou uma das linhas de evolução filosófica e religiosa mais coerentes de toda a sua época. Criado por pais protestantes e liberais, o cientificismo do início do século 20, que indignava o novelista inglês D. H. Lawrence (1885-1930), como o advento do “homem robô”, levou-o a procurar no líder católico Léon Bloy (1846-1917), um apoio espiritual “fora da guerra e da transformação dos homens em números manipulados pela burocracia do Estado.”

O legado do Absoluto – O resultado foi sua conversão ao catolicismo e sua aproximação do grupo da Sorbonne que gravitava em torno do filósofo Henri Bergson (1859-1941). Frequentando suas aulas na Sorbonne, ao lado de princesas e ricaças ornadas de pérolas “que exprimiam o desespero de suas vidas ricas e vazias”, estava uma judia russa, tímida e de inquieta vida interior, Raissa Oumansoff. A Raissa e a Maritain, Bergson legou “a noção do Absoluto” liberado da ilusão do Tempo e do Espaço. Logo, a união espiritual levou à união que duraria toda a vida, com a conversão da companheira ao catolicismo e a uma vida de monástica austeridade.

Quando veio a Segunda Guerra Mundial, o casal fugiu da França, para os Estados Unidos, apenas uma semana antes que as tropas alemãs desfilassem sob o Arco do Triunfo de Paris. Na América, Maritain, transformou-se em uma das mais encorajantes vozes da Resistência para uma França ultrajada pelo colaboracionismo e pela derrota diante dos tanques nazistas. E acabou enviado pelo general De Gaulle como embaixador da França junto à Santa Sé, onde seria um dos fermentos decisivos da reforma profunda imprimida à Igreja por João XXIII, mais tarde, durante o Concílio Vaticano II.

De volta à nau Terra – Em todo caso, suas exortações para que a Igreja se aproximasse mais do mundo e das tribulações dos pobres sacudiram o pensamento católico com reações opostas. Na parte germânica da Europa, com os holandeses à frente, era um sopro de liberação que trazia a Igreja de volta à nau Terra, longe das elucubrações teologais. Era a Igreja da “metafísica da riqueza que há na pobreza” e que traria frutos importantes na formação de ativos partidos políticos cristãos-democratas no Chile, na Venezuela e na Alemanha.

Entretanto, o engajamento cristão com a realidade social não deveria ser liminativo. Se a frugalidade reaproximava o cristão do Cristo nascido numa Manjedoura, ao mesmo tempo o édipo papal não deveria limitar a apreensão da realidade humana. Pra um ser tão complexo quanto o homem, era necessária uma análise complexa e globalizante. A ciência, despoja de seu absolutismo como fonte de pesquisa, poderia, ao contrário, colaborar no diagnóstico dos problemas de relacionamento dos seres humanos que desembocavam em Hiroshima e Dachau. A sociologia, a antropologia, a psicologia eram armas úteis para iluminar a condição humana.

Aos “homens ocos” de T. S. Eliot, ao desespero de Kafka contra o totalitarismo burocratizado e arbitrário, à angústia de George Orwell prevendo em “1984” a tecnologia como aliada da ditadura que extingue qualquer debate. Maritain opunha uma ciência aliada da fé. Nada ortodoxas, suas afirmações buscavam a cooperação de “vários enfoques” da realidade, incluindo-se as contribuições do “inconsciente” freudiano, dos “arquétipos coletivos da humanidade” de Jung, dos rituais de magia dos povos tecnologicamente atrasados – conforme os antropólogos Franz Boas (1858-1942), Margaret Mead (1901-1978) e Claude Lévi-Strauss (1908-2009) os revelavam.

Renúncia a tudo – Dilacerado na arena de participação imediata a que o arrastara a experiência da Segunda Guerra Mundial, Jacques Maritain, após a morte de sua esposa, em 1960, afastou-se cada vez mais das discussões acirradas que suas teses acarretavam. Ao proclamar que o cristão tem um compromisso moral de solidariedade para instituir a justiça social, ele não abdicava, porém, da transcendência intrínseca do homem de suas coordenadas meramente materiais. Ao solicitar a cooperação tolerante e dinâmica entre crentes e ateus na solução de problemas comuns., ou de crenças diferentes, ao elogiar a criação de Israel como um ato sobrenatural de confirmação do Cristianismo “nascido entre os judeus”, ele atirava contra si chusmas de fanáticos de ideologias extremas ou de alienados da realidade que o condenavam como herético, inocente, esclerosado ou feudal.

Assim, Maritain decidiu retirar-se para um convento dos Pequenos Irmãos de Jesus no sul da França. Era a renúncia a tudo que é supérfluo e efêmero, para a contemplação e a meditação fecunda dos Mistérios da Graça e da Revelação do Senhor. A Igreja modernizada em excesso lhe parecia renegar suas doutrinas básicas em missas hippies ou nos padres estendidos em divãs de psicanálise. Maritain desgostou-se com o que chamava de “o desvirtuamento de pregações em prol de uma maior radicação do cristão nos problemas do seu mundo ambiental”. Sartre denunciava a náusea, os teólogos protestantes celebravam a morte de Deus, Kierkegaard (1813-1855) pregava uma teologia do desespero que desembocaria em Heidegger (1889-1976), e a tragédia do homem só no universo, sem o infinito de Deus e do amor de Jesus crucificado pela salvação do homem.

A essa sinfonia do niilismo, Matitain contrapunha a fé singela dos cristãos primitivos. Pouco antes de morrer ele esboçava seu Credo simples na Graça, na Misericórdia divina, no Amor infinito. Para um jornalista brasileiro que o entrevistou, em 1972, exprimiu sua crença final: “O homem deve conquistar, na ordem ética, a sua liberdade e a sua personalidade. É um lugar-comum muito profundo e muito verdadeiro. O homem deve tornar-se o que é, embora isto envolva um preço doloroso e riscos inacreditáveis”.

(Fonte: Veja, 9 de maio de 1973 – Edição244 – LITERATURA/ Por Leo Gilson Ribeiro – Pág; 89/90)

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