Jânio Quadros, provocou o maior estrago que um político civil já causou à democracia no Brasil.

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Desastre histórico

A marca da biografia de Jânio é a renúncia, numa época em que a inflação era baixa e a economia crescia

Jânio da Silva Quadros (Campo Grande, 25 de janeiro de 1917 – São Paulo, 16 de fevereiro de 1992), ex-presidente, provocou o maior estrago que um político civil já causou à democracia no Brasil. A carreira de Jânio se iniciou em 1947 e se encerrou em 1989, quando ele deixou a prefeitura de São Paulo, mas o ex-presidente entrou para a História por esse ato único, a renúncia, que dividiu sua biografia em duas etapas. Jânio passeou quase meio século pelos acontecimentos políticos nacionais, mas não marcou a memória dos brasileiros com uma obra grandiosa e nem mesmo um parque arborizado onde as crianças possam brincar nos fins de semana. Deixou um estilo mas não uma ideia, e sempre será lembrado como uma decepção.

Sabe-se como foi a renúncia. Como um assalariado que resolveu deixar o emprego de uma hora para a outra no dia 25 de agosto de 1961, Jânio enviou uma carta de 29 linhas ao Congresso, tomou o rumo de São Paulo num Viscount da FAB, dormiu uma noite na Base Aérea de Cumbica e saiu dali ao volante de uma perua DKW para o Guarujá, e depois embarcou para a Inglaterra a bordo do cargueiro Uruguay Star. Também se sabe qual era a intenção da renúncia. Criando um impasse em torno da posse de seu vice, João Goulart, encarado como um bicho-de-sete-cabeças pelos ministros militares. Jânio pretendia retornar ao palácio com apoio quarteleiro e o Congresso de joelhos. O presidente largou o emprego, mas o desastre que levaria ao golpe de 1964 estava feito.

Só não se sabe o que teria acontecido ao país se, naquela manhã, Jânio não tivesse deixado o governo. “Não teria acontecido nada”, afirma a historiadora Maria Victória Benevides, autora de O Governo Jânio Quadros. “Jânio tinha o apoio dos empresários, dos militares e de grande parte do eleitorado. Não havia crise nem impasse.” A renúncia de Jânio é um caso único na política brasileira. Não havia crise – nem econômica, nem política, nem militar – antes dela. A crise explodiu por causa da saída do presidente. Deodoro da Fonseca renunciou, em 1891, depois de enfrentar uma disputa com seus ministros em torno de uma obra pública que queria entregar a um amigo empreiteiro. Getúlio Vargas deu um tiro no peito em meio a denúncias de corrupção e anarquia nos quartéis. Jânio abandonou a cadeira de presidente da República numa situação de conforto. Os livros de História estão recheados de relatos sobre generais que gostavam de espetar mandatos de presidentes com suas baionetas. Testemunhas da renúncia informam que o ministro do Exército, Odilio Denys, chegou a chorar como criança no momento em que Jânio anunciou a decisão.

MANOBRA DESASTRADA – Jânio recebeu uma economia que crescia 7% ao ano e com uma inflação de 1% ao mês, nunca sofreu uma derrota parlamentar como a de João Figueiredo na regulamentação dos salários em 1983 nem encarou uma diretas já. Também não quiseram encurtar seu mandato como aconteceu com José Sarney e tinha uma UDN mais gorda e mais ilustre que o PRN de Fernando Collor. “Em sete meses de governo nenhum projeto relevante foi rejeitado no Congresso”, recorda o então deputado federal Franco Montoro. “O país tinha todas as condições para seguir na normalidade.” Só não tinha presidente.

A renúncia foi uma das mais desastradas manobras políticas já registradas pelos arquivos acadêmicos mundiais. Dias antes, passando um fim de semana em Bertioga, onde um amigo, o empresário José Ermírio de Moraes, tinha uma casa, Jânio foi bastante claro a respeito de seus planos. “Do jeito que está não dá para governar”, disse Jânio. “A solução é fechar o Congresso.” No esforço para ganhar o indispensável apoio quarteleiro, Jânio buscou ajuda de um conspirador certo na hora errada – o governador do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda, que bateu às portas dos quartéis para derrubar Getúlio em 1954, para impedir a posse de Juscelino Kubitschek em 1956 e derrubar João Goulart em 1964 mas, em 1961, de olho na sucessão presidencial, assumiu a defesa da legalidade. Lacerda denunciou a conspiração pela TV e menos de 24 horas depois Jânio foi embora.

CONSPIRAÇÃO E UÍSQUE -– O ex-presidente passou os últimos trinta anos tentando armar um clima de mistério em torno da renúncia, mas a maioria dos relatos a respeito indica que ao assinar a carta em que se despedia do Planalto ele calculava que depois de chegar ao Congresso o assunto seria debatido em clima de grande tensão e, temerosos de empossar Goulart, os parlamentares fariam um humilhante pedido de retorno. A crise poderia levar semanas, quem sabe meses, mas o ex-presidente mostrava-se convencido de que seria chamado de volta. “Dentro de três meses, se tanto, estará na rua, espontaneamente, o clamor pela reimplantação do nosso governo”, disse ao assessor de imprensa Carlos Castello Branco, que foi encontrá-lo em Cumbica. “O Brasil, no momento, precisa de autoridade, capacidade de trabalho, coragem e rapidez nas decisões. Atrás de mim não fica ninguém, mas ninguém, que reúna esses requisitos.” De Porto Alegre, o presidente em Cumbica recebeu um apelo exótico. O governador Leonel Brizola o convidou para ir à capital gaúcha, organizar não se sabe bem o quê para retornar ao Planalto.

Coube ao advogado Saulo Ramos, oficial de gabinete, informar a Jânio que ele já era ex e que havia entrado num beco sem saída jurídico. “Vocês estão confundindo renúncia com demissão de servidor público, quando a verdade é que esse é um ato unilateral que não está sujeito à aprovação do Congresso.” Ou seja: ao contrário de um impeachment, por exemplo, que precisa ser aprovado para entrar em vigor, a renúncia só depende da vontade do presidente, que, ao assiná-la nada mais tem a fazer a não ser as malas.

A renúncia encerrou-se como um ato patético para Jânio e ruinoso para o país, mas seus movimentos iniciais ocorreram numa conversa que durou até 4 horas da manhã. Numa sexta-feira, 18 de agosto, Carlos Lacerda foi ao Alvorada para conversar com o presidente. O governador queria dinheiro barato para socorrer seu jornal, A Tribuna da Imprensa, afundado em prejuízos, e Jânio queria o conspirador Lacerda a seu lado. A conversa sobre o dinheiro foi rápida e acabou interrompida por um convite do presidente, que, a propósito de quarteladas, chamou o governador para assistir a um filme de Jerry Lewis no cinema do palácio. Mais tarde, Jânio o dispensou, pedindo que fosse encontrar o ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta. O governador e o ministro tiveram dois encontros naquela noite. O primeiro, sóbrio, na casa de Pedroso Horta, iniciou às 23 horas. O segundo, com uísque, foi na suíte de Lacerda no Hotel Nacional e teve início à 1 da madrugada.

Em sua casa o ministro explicou, sem muitos rodeios, que Jânio pretendia esterilizar os poderes do Congresso, e para isso já conseguira o apoio dos ministros da Marinha, Sílvio Heck, e do Exército, Odilio Denys, mas faltava o da Aeronáutica, brigadeiro Grun Moss. Pedroso Horta disse que Lacerda tinha o perfil ideal para a missão. No Hotel Nacional, quando ambos consumiam a primeira garrafa de uísque, o ministro lembrou que, ao conspirar contra Juscelino, Lacerda chegara a defender a instalação de um “regime de exceção”, Horta dizia que Jânio queria fazer “umas reformas” e Lacerda retrucava que aquilo era uma “conspiração”. Quando avançavam pela segunda garrafa, a conversa se transformou numa gritaria infernal. Em seu livro de memórias, Lacerda conta que ambos “discutiam, como se fosse dois estudantes completamente irresponsáveis, a política da UNE”. Os dois se despediram às 4h30 da manhã – o governador despachou o ministro sem acompanhá-lo até o elevador. Na noite de 24 de agosto Lacerda denunciou, em cadeia de rádio e TV para o Rio de Janeiro, que Pedroso Horta o convidara para participar de um golpe de Estado. “Chamem o governador de São Paulo, que é insuspeito, e ele contará que também foi chamado para o golpe”, disse Lacerda.

MOTORISTA DE TÁXI – A TV de três décadas atrás era uma geringonça rara, mas, com o pronunciamento, os acontecimentos se precipitaram. À 1 da madrugada, em Brasília, o assessor Carlos Castello Branco redigiu uma nota desmentindo o governador. Às 2 da madrugada, um grupo de deputados se reuniu, em Brasília, para fazer um requerimento convocando o ministro a prestar esclarecimentos. Às 4, o governo foi informado que o requerimento fora aceito pelo presidente do Congresso. Jânio acordou às 5 da manhã. Às 6h30, avisou seus principais auxiliares que ia assinar a renúncia. Às 6h50, ligou para a sua mulher, Eloá, pedindo que arrumasse as malas da família, pois deixariam Brasília naquela manhã. Uma hora depois, foi ao Ministério do Exército, onde participou das comemorações do Dia do Soldado. Às 10h30, o presidente deixou o palácio determinando a Pedroso Horta que levasse a carta ao Congresso.

Resolvida pela manhã, a renúncia foi um segredo que só seria anunciado publicamente às 3 da tarde no Congresso. Sem saber que a saída de Jânio já se consumara, um grupo de parlamentares passou o dia 25 reunido num apartamento no Rio de Janeiro preparando um documento para pedir uma CPI sobre o presidente. Juscelino estava presente ao encontro, bem como seu assessor, o poeta Augusto Frederico Schmidt, um veterano político baiano, Antonio Balbino, e um jovem político do mesmo Estado, o atual governador Antônio Carlos Magalhães. Preocupado em terminar logo seus trabalhos, o grupo resolveu não atender a nenhum telefonema depois do meio-dia. Às 17 horas, quando desceram para a rua, foram informados por um motorista de táxi que o governo terminara.

Jânio mostrou, como nenhum outro presidente, que, às vezes, o maior problema de um governo pode ser ele próprio. A política externa de Brasília tinha, na época, o mesmo impacto internacional que os discursos anuais dos presidentes brasileiros na ONU, mas, quem sabe por isso mesmo, foi nessa área que Jânio fez mais barulho. Em plena Guerra Fria, restabeleceu relações diplomáticas com os países socialistas e condecorou o líder guerrilheiro Che Guevara. A decisão de reatar relações com a União Soviética, por exemplo, era inócua mas justa, pois diz respeito à soberania de cada país definir com quais nações pretende conviver.

A medalha de Guevara foi uma farra inadequada num presidente que já vestia a faixa do anticomunismo profissional. Também se registra uma bela roubalheira em sete meses de governo. Ao decretar uma maxidesvalorização do cruzeiro equivalente a 55%, Jânio assistiu à produção de uma roubalheira das boas. Quem soube da notícia com antecedência, pôs a mão numa dinheirama. Quem só se informou pelo Diário Oficial, engoliu o prejuízo. O azar é que os bem informados foram muitos. Um parlamentar da época relata que assistiu ao momento em que um executivo da Pan Air do Brasil recebeu um telefonema do ministro da Fazenda Clemente Mariani comunicando a decisão 72 horas antes de ela ser anunciada.

FRACASSO DE PÚBLICO -– Jânio Quadros, o político que chegou a Presidência da República com a maior votação da história eleitoral do país, acabou na renúncia. O que se viu, pelos trinta anos seguintes, foi um zumbi que perdeu duas eleições para o governo de São Paulo e que, ao retornar à prefeitura, transformou sua administração numa casa de bons negócios. Jânio subiu na vida pública em companhia de intelectuais como Antonio Candido e a deixou cercado pela escória política brasileira. O Jânio que chegou ao palácio nos braços do povo passou dois anos de agonia nos cofres de uma empreiteira, a Andrade Gutierrez.

E se Jânio não tivesse renunciado? Foi essa a pergunta deixada pelo ex-presidente Jânio Quadros, morto no domingo 16 de fevereiro de 1992, com problemas nos pulmões, nos rins e sequelas de três derrames cerebrais, aos 75 anos. Três décadas depois de jogar o país no atoleiro Jânio da Silva Quadros foi enterrado sem direito a cenas de choro. Seu funeral, foi um previsível sucesso de crítica. Reuniu-se com empresários e ministros. Marcos Coimbra, secretário-geral da Presidência da República, definiu Jânio como um “grande estadista”. A novidade é que o funeral foi um fracasso de público.

Levou 1 500 pessoas ao cemitério, o equivalente a 0,15% da população que chorou a morte de Tancredo Neves, 1/20 dos brasileiros que prestaram a última homenagem a João Goulart e 1/56 dos que assistiram ao enterro de JK em Brasília. Ausente do funeral, a plateia da cerimônia, o público avisou aos políticos vivos que tem mais memória do que se costuma imaginar.

(Fonte: Veja, 26 de fevereiro de 1992 -– ANO 25 – N° 9 – Edição 1223 – HISTÓRIA – Pág; 74/76)

 

 

Morre em 16 de fevereiro de 1992, aos 75 anos, Jânio Quadros, presidente da República de janeiro a agosto de 1961.
(Fonte: Zero Hora –- ANO 49 -– N° 17.297 -– Almanaque Gaúcho/ Por Ricardo Chaves -– 16 de fevereiro de 2013 – Pág; 46)

 

 

A lei que autoriza a criação da Eletrobras é sancionada pelo presidente Jânio Quadros, em 25 de abril de 1961.
(Fonte: Zero Hora – ANO 49 – N° 17.365 – Almanaque Gaúcho/ Por Ricardo Chaves – 25 de abril de 2013 – Pág; 62)

 

 

O Congresso brasileiro aprova a lei, sancionada depois pelo presidente Jânio Quadros, que cria a Eletrobras, em 25 de abril de 1961.
(Fonte: Zero Hora – ANO 45 – N° 15.942 – Almanaque Gaúcho/ Por Olyr Zavaschi – 25 de abril de 2009 – Pág; 54)

 

 

Em 22 de julho de 1961 – O presidente Jânio Quadros assinou um decreto que proibia espetáculos de hipnotismo e letargia em locais públicos.
(Fonte: http://www.guiadoscuriosos.com.br/fatos_dia – 22 de julho)

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