O povo de toda a Itália afluía, em número sempre crescente, a Florença. A famosa catedral Duomo não mais comportava enormes multidões. O pregador Jerônimo Savonarola, abrasado com o fogo do Espírito Santo e sentindo a iminência do julgamento de Deus, trovejava contra o vício, o crime e a corrupção desenfreada na própria igreja. Como resultado, o povo abandonou a leitura das publicações torpes e mudanças para ler os sermões do ardente pregador; deixou os cânticos das ruas para cantar hinos de Deus. Em Florença, as crianças fizeram procissões, coletando s máscaras carnavalescas, os livros obscenos e todos os objetos supérfluos que serviam á vaidade. Com isso formaram em praça pública uma pirâmide de vinte metros de altura e atearam lhe fogo. Enquanto o monte ardia, o povo cantava hinos e os sinos da cidade dobravam em sinal de vitória.
Se o ambiente político fosse o mesmo que depois veio a ser na Alemanha, o intrépido e devoto Jerônimo Savonarola teria sido o instrumento usado para iniciar a Grande Reforma, em vez de Martinho Lutero. Apesar de tudo, Savonarola tornou se um dos ousados fiéis arautos que conduziam o povo á fonte pura e ás veredas apostólicas registradas nas Sagradas Escrituras.
Jerônimo era o terceiro dos sete filhos da família. Nasceu de pais cultos e mundanos, mas de grande influência. Seu avô paterno era um grande médico na corte do Duque de Ferrara e os pais de Jerônimo planejavam que o filho ocupasse o lugar do avô. No colégio, era aluno esmerado. Mas os estudos da filosofia de Platão e de Aristóteles deixaram lhe a alma sequiosa. Foram, sem dúvida, os escritos de Tomás de Aquino que mais o influenciaram (a não ser as próprias Escrituras) a entregar inteiramente o coração e a via a Deus. Quando ainda menino tinha o costume de orar e, ao crescer o seu ardor em orar e jejuar aumentou.
Passava horas seguidas em oração. A decadência da igreja, cheia de toda a qualidade de vício e pecado, e pobreza dos pobres magoavam lhe o coração. Passava muito tempo sozinho, nos campos e à beira do rio Pó, em contemplação perante é Deus, ora cantando, ora chorando, conforme os sentimentos que lhe ardiam no peito. Quando ainda era jovem, Deus começou a falar lhe em visões. A oração era sua grande consolação; os degraus do altar, onde se prostrava horas fio, ficavam repetidamente molhados de suas lágrimas. Houve um tempo em que Jerônimo começou a namorar certa moça florentina. Mas quando ela mostrou o quanto era desprezível que um membro de sua orgulhosa família Strozzi pudesse se unir a um Savonarola, Jerônimo abandonou para sempre a idéia de se casar se. Voltou a orar com crescente ardor. Enjoado do mundo, desapontado acerca de seus próprios anelos, sem achar uma pessoa compassiva a quem pudesse pedir conselhos, e cansado de presenciar as injustiças e perversidades que o cercavam, coisas que não podia remediar, resolveu abraçar a vida monástica.
Ao apresentar se no convento, não pediu não pediu o privilégio de ser monge, mas rogou que o aceitassem para fazer os serviços mais vis da cozinha, da horta e do mosteiro.
Na vida do claustro, Savonarola passava ainda mais tempo em oração, jejum e contemplação perante Deus. Sobrepujava todos os outros monges em humildade, sinceridade e obediência, sendo apontado para lecionar filosofia, atividade que exerceu até sair do convento.
Depois de passar sete anos no mosteiro de Bolonha, Jerônimo foi para o convento de São Marcos, em Florença. Grande foi o seu desapontamento ao ver que o povo florentino era tão depravado como os demais lugares. (Até então ainda não reconhecia que somente a fé em Deus salva o pecador).
Ao completar um ano no convento de São Marcos, foi apontado instrutor dos noviciados e, por fim, designado pregador do mosteiro. Apesar de ter ao seu dispor uma excelente biblioteca, Savonarola utilizava se mais e mais a Bíblia como seu livro de instrução.
Sentia cada vez mais o terror e a vingança do Dia do Senhor que se aproxima e, às vezes, entregava se a trovejar do púlpito contra a impiedade do povo. Eram tão poucos os que assistiam às suas pregações que Savonarola resolveu dedicar se inteiramente à instrução dos noviciados. Contudo, como Moisés, não podia escapar a chamada de Deus!
Certo dia, ao dirigir se a uma feira, teve, repentinamente, uma visão dos céus abertos por onde passavam, perante seus olhos, todas as calamidades que virão à igreja. Então lhe pareceu ouvir uma voz do céu ordenando lhe anunciar aquelas coisas ao povo.
Convicto de que a visão era do Senhor, começou novamente a pregar com voz de trovão. Sob a nova unção do Espírito Santo, a sua condenação ao pecado era feita com tanto ímpeto que muitos dos ouvintes, ao fim da prédica, saiam andando atordoados, sem falar, nas ruas. Era coisa comum, durante seus sermões, homens e mulheres de todas as idades e de todas as classes romperam e veemente choro.
O ardor de Savonarola, na oração aumentava dia após dia e sua fé crescia na mesma proporção. Frequentemente, ao orar, caía em êxtase. Certo dia em quanto sentado no púlpito, sobreveio lhe uma visão durante a qual ficou imóvel por cinco horas. Nesse período, todos os presentes è igreja contemplavam o rosto do pregador brilhando.
Em toda a parte Savonarola ministrava, seus sermões contra o pecado produziam profundo terror. Os homens mais cultos começaram então a assistir às pregações em Florença; foi necessário realizar as reuniões no Duomo, onde continuou a pregar durante oito anos. O povo se levantava à meia noite e esperava na rua até a hora de abrir a catedral.
O corrupto regente de Florença, Lorenzo Médici, experimentou todas as formas de abordagem a bajulação, as peitas, as ameaças, e os rogos para induzir Savonarola a desistir de pregar contra o pecado, e especialmente contra a perversidade do regente. Por fim, vendo que tudo era debalde, contratou o famoso pregador Frei Mariano para falar contra Savonarola. Frei Mariano pregou um sermão, mas, pelo fato do povo não ter prestado atenção á sua eloqüência e astúcia, ele não ousou continuar.
A essa altura, Savonarola profetizou que Lorenzo, o papa e o rei de Nápoles morreriam dentro de um ano, e assim sucedeu.
Depois da morte de Lorenzo, Carlos VII, da França, invadiu a Itália, e a influência de Savonarola aumentou ainda mais. O povo abandonou a literatura torpe e mundana para ler os sermões do famoso pregador. Os ricos socorriam os pobres em vez de oprimi los. Foi nesse tempo que o povo fez a grande fogueira, na piazza de Florença, e queimou grande quantidade de artigos usados para alimentar vícios e vaidade. Não cabia mais, na grande Duomo, o seu imenso auditório.
Contudo, o sucesso de Savonarola foi muito curto. O pregador foi ameaçado, excomungado, e por fim, no ano de 1498, por ordem do papa, foi queimado em praça pública. Com palavras O Senhor sofreu tanto por mim!, terminou a vida terrestre um dos maiores e mais dedicados mártires de todos os tempos. Apesar de continuar, até a morte, sustentando muitos dos erros da igreja romana, ensinava que todos os que são realmente crentes estão na verdadeira Igreja. Alimentava continuamente a alma coma a palavra de Deus. As margens das páginas da sua Bíblia estão cheias de notas escritas enquanto meditava nas escrituras. Conhecia uma grande parte da Bíblia de cor e podia abrir o livro instantaneamente e achar qualquer texto. Passava noites inteiras em oração e recebia revelações quando em êxtase ou por meio de visões. Seus livros sobre a humildade, a oração, o amor e outros temas continuam a exercer grande influência sobre os homens. Destruíram a voz desse precursor da Grande Reforma, mas não puderam apagaras verdades que Deus, por seu intermédio, gravou no coração do povo.
(Fonte: Boyer, Orlando. HERÓIS DA FÉ Rio de Janeiro 2005 Editora: CPAD. Pág. 7ao 11)