João Capistrano Honório de Abreu (1852-1927), escritor cearense.

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João Capistrano Honório de Abreu (1852-1927), escritor cearense, a figura mais importante da historiografia brasileira da passagem do século XX – mas esquecido há várias décadas. Tais trabalhos foram reeditados pela Civilização Brasileira, com o apoio do Instituto Nacional do Livro. Em 1875 viajou com destino ao Rio de Janeiro, então a capital do país, trabalhando inicialmente como caixeiro na famosa Livraria Garnier, passando depois a colaborar como redator no periódico Gazeta de Notícias.

Interiorização – Os volumes são “Caminhos Antigos e Povoamentos do Brasil”, obra póstuma de 1930, “Descobrimento do Brasil” (também póstuma, 1929), “Capítulos de História Colonial” (1907), e quatro compêndios de “Ensaios e Estudos” (1875), prefaciados pelo historiador José Honório Rodrigues. Em todos os livros, Capistrano mostra-se um pesquisador temperamental e incansável, considerado tão importante quanto o próprio Francisco Adolfo de Varnhagen, o visconde de Porto Seguro (1816-1878), pioneiro da História no Brasil. Capistrano seguiu o mestre, mas não o imitou. “Varnhagen fazia a história apologética da monarquia e pregava a superioridade da raça branca”. Capistrano via os mestiços como os principais formadores de nossa nacionalidade.

Mestiço ele próprio, aliás, Capistrano inaugurou o processo de interiorização da História do Brasil, votando-se para os sertões e, pela primeira vez, analisando com profundidade a importância histórica das bandeiras. A seus discípulos, costumava aconselhar: “Dêem menos importância a vice-reis, governadores e capitães-gerais que aos fundamentos sociais e econômicos da História”.

Sua rebeldia intelectual levou-o, por exemplo, a jamais fazer qualquer referência à Inconfidência Mineira. Em carta a amigos, Capistrano candidamente se justificaria através do esquecimento. “Na verdade”, ele considerava a Inconfidência um mero golpe publicitário, onde só Tiradentes teria realmente seus méritos.” Outros mitos que ainda vigoram ele igualmente tentou derrubar. “Como o da cordialidade do homem brasileiro”. Segundo Capistrano, houve muito sangue nos alicerces de nossa História, desmentindo a passividade do negro e do índio diante dos colonizadores.”

Capistrano chegou inclusive a se interessar por lingüística, estudando durante anos o vocabulário das tribos Caxinauás e Bacaeris, hoje extintas. Levou dois índios ao Rio de Janeiro, dividindo com eles seu cômodo de viúvo e enfrentando os protestos dos próprios hóspedes, que se irritavam com o trabalho e bebiam muito. Como resultado dessas estripulias, nasceu a obra “Rã-Txa Hu-Ni-Ku-I”, cuja tradução do caxinauá significa “Língua de Gente Fina”, que os antropólogos julgam sem paralelo na etnografia sul-americana.

Anedotas – De hábitos estranhos, a casa sempre cheia de amigos, Capistrano comemorava o fim de seus trabalhos com grandes pileques. E embora tomasse vários banhos por dia, não costumava trocar de roupa, o que lhe valeu o apelido de “pato sujo”.

Depois de sua morte, quando a Sociedade Capistrano de Abreu recebeu os 5 000 volumes de sua biblioteca, o desaponto logo superou a emoção: a maioria dos livros estava imprestável, com muitas páginas arrancadas. Descobriu-se, então, que o escritor costumava rasgar e jogar fora os textos que não lhe agradavam. Entre as anedotas que circularam depois de sua morte, a mais famosa falava de sua sucinta “constituição”, que previa: “Artigo primeiro: A partir desta data todos os brasileiros passarão a ter caráter. Artigo segundo: Revoga-se as disposições em contrário”. Eleito em 1887 como membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Capistrano de Abreu tornou-se reconhecido como o patrono da historiografia brasileira, sendo responsável pela renovação dos métodos de investigação e interpretação historiográfica no Brasil. O historiador morreu no Rio de Janeiro em 13 de agosto de 1927.

(Fonte: Veja, 21 de janeiro, 1976 – Edição n.° 385 – DESARQUIVANDO – Pág; 96)

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