João do Rio, o cronista do início do século XX que foi cicerone de Isadora Duncan
João do Rio (Rio de Janeiro, 5 de agosto de 1881 – Rio de Janeiro, 23 de junho de 1921), prolífico escritor carioca, publicou textos sob diversos pseudônimos em várias publicações cariocas.
João do Rio era um dos pseudônimos, nascido na Gazeta de Notícias, que engoliu o seu verdadeiro nome, João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, ou Paulo Barreto.
Jornalista, contista, tradutor e dramaturgo, Paulo Barreto, escreveu verdadeiros estudos antropológicos sobre os cariocas e a cidade.
Nascido em 5 de agosto de 1881, na antiga Rua do Hospício (atual Buenos Aires) no Centro do Rio de Janeiro, João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto foi um dos jornalistas mais notáveis de seu tempo. Filho do matemático positivista Alfredo Coelho Barreto e da dona de casa Florência Cristóvão dos Santos Barreto, escreveu numa época de transformações que afetaram a arquitetura, o urbanismo, a organização social do espaço urbano, reforçando a ideia de uma identidade em movimento, como a da cidade. Imprimiu cunho literário à crônica social, criando a imagem do Rio da belle époque.
Flâneur, amante da Avenida Central (hoje Rio Branco), da boemia dos cafés, João do Rio gostava dos salões dourados, costumava ir à Confeitaria Colombo, à Prainha (Praça Mauá), subia os morros do Castelo e Santo Antônio, o Largo do Rocio (Praça Tiradentes) e escrevia muito. Elaborou crônicas e reportagens para vários veículos. Algumas eram verdadeiros estudos antropológicos, como “As religiões do Rio”, de 1904, que virou livro. Teve vários pseudônimos. Foi Joe, X, Claude, José Antônio José, Máscara Negra – e, antes de todos esses, apenas Paulo Barreto. Em muitas de suas polêmicas, quando não recebia resposta, ele mesmo tratava de continuar a briga, usando um novo pseudônimo. Considerado o primeiro grande repórter moderno, jornalista investigativo, quando não existia ainda esse termo, João do Rio estava à frente de seu tempo.
Escreveu também para o teatro, uma descoberta ainda adolescente. Era o que havia de arte cênica na época, além do circo e dos cafés-concerto. Envolveu-se totalmente com a vida teatral, como crítico, repórter, tradutor, autor, ativista (fundou a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais) e até cicerone de estrelas internacionais, como Isadora Duncan, pioneira da dança moderna. No ano de 1916, a bailarina americana esteve no Rio e se apresentou, aos 38 anos de idade, no Teatro Municipal.
Para exibir a vida carioca na virada para o século XX, João do Rio fez uso do personagem do dândi, que busca viver o presente fugaz sem esquecer do passado próspero e estável. O dândi do Rio tem a duplicidade de quem perdeu privilégios e reage à decadência através do apego ao carpe diem e ao jogo teatral em que, sem papel definido por sangue e dinheiro, se constrói diariamente. Deixou a rotina cotidiana das redações ao buscar a inspiração para seu trabalho nas ruas. Como ele mesmo dizia, “flanar é perambular com inteligência”.
Sua obra mais conhecida, “A alma encantadora das ruas”, publicada pela primeira vez em 1910 na forma de folhetim, resulta de uma reunião de suas crônicas sobre as transformações sofridas pela cidade do Rio de Janeiro na Reforma Pereira Passos. É um verdadeiro documento sociológico ao retratar o universo de profissões e figuras urbanas que não existem mais – pintores, anônimos de ruas, trapeiros, seleiros e apanha-rótulos. Seus temas se mantêm atuais: a questão das drogas representada pelos fumadores e ópio, o lesbianismo, as fronteiras urbanas entre abastados e miseráveis. Cheio de contradições e tratando de temas ora aristocráticos, ora populares, João do Rio expressava os medos, modos e modas de uma época que não prometia estabilidade para o artista, cujo papel na sociedade passava por uma crise e cuja sobrevivência, agora sem o mecenas, dependia de emprego regular na imprensa e de um público leitor sobretudo burguês.
Reportagem do GLOBO publicada na edição de 26 de junho de 1976 lembra que João do Rio foi o “cronista inexcedível da belle époque carioca”. Dele diz-se também ter revolucionado os processos de se fazer imprensa no Brasil, ao introduzir entre nós a reportagem moderna, interessada nos aspectos sociais e humanos da vida urbana e ao criar um novo gênero da crônica.
Mulato e homossexual assumido, tinha tudo para ser um dos marginalizados que ele retratava em seus contos e crônicas. Graças ao jornalismo, ganhou passe livre nos salões da alta sociedade. Ao longo de sua vida, equilibrou-se entre esses dois mundos e retratou ambos com seu olhar ferino. Tradutor de Oscar Wilde, superou preconceitos e entrou para a Academia Brasileira de Letras (ABL) em 1910, aos 29 anos, depois de duas tentativas. Era capaz de gerar amor e ódio na população carioca por suas críticas e opiniões. Sua figura era conhecida – e reconhecida – entre a população, isso numa época em que não havia ainda rádio e televisão.
João do Rio morreu em 23 de junho de 1921, aos 39 anos, de ataque cardíaco, dentro de um táxi no Catete, dias depois de ter sido surrado por marinheiros, a mando de algum desafeto, e não deixou herdeiros. Escreveu 17 peças, oito livros de crônicas e inúmeros contos. Era saudado por populares e foram eles que lotaram as ruas da cidade ao se despedir do jornalista. Segundo relatos da época, cerca de cem mil pessoas acompanharam o cortejo no seu funeral, um recorde, sendo que a população do Rio de Janeiro não passava de 800 mil pessoas no início da década de 20. Atualmente Paulo Barreto, além de João do Rio, é o nome de escolas e bibliotecas na cidade e em outros estados e de uma das principais ruas do bairro de Botafogo, na Zona Sul carioca.
(Fonte: http://igay.ig.com.br/2013-07-25 – 25 de julho é o Dia do Escritor – Ana Ribeiro, iG São Paulo – 25/07/2013)
(Fonte: http://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque – EM DESTAQUE – CULTURA / Por Luciana Barbio* – 22/06/16)
*com edição de Gustavo Villela, editor do Acervo O GLOBO
João do Rio: Cronista da alma carioca
No início do século XX, o jornalista e escritor Paulo Barreto, mais conhecido pelo pseudônimo João do Rio, podia ser encontrado nos cafés da Rua do Ouvidor e nos terreiros da Cidade Nova, à mesa com políticos influentes ou com cartomantes no subúrbio. Essas diferentes faces do principal cronista da vida carioca na época, autor do clássico “A Alma Encantadora das Ruas” (1910), estão representadas em três livros: “Psicologia Urbana” (1911), “Os Dias Passam…” (1912) e “No Tempo de Wenceslau” (1917). As obras, fazem parte da série Cadernos da Biblioteca Nacional, lançadas em março de 2016.
Nas obras, autor transita entre as cidades modernizada e marginalizada pelas reformas de Pereira Passos
Num Rio de Janeiro que se transformava rapidamente, o jornalista transitava entre a cidade moderna que nascia a partir das reformas iniciadas em 1903 pelo prefeito Pereira Passos, e a cidade marginalizada, social e geograficamente, pelas mesmas reformas, que queriam acabar com a imagem insalubre e insegura da então capital federal. João do Rio soube captar a tensão do processo de modernização.
Trata-se de uma cidade agitada, que tenta mudar a sua forma para atender proposições internacionais da arquitetura e da própria ideia de civilização. João do Rio percebe isso como uma tensão. Ele sugere que há um lado positivo, de embelezamento, de mudança de hábitos. Mas há também o lado da sombra produzido por essas transformações, as exclusões – em pauta na sua obra são essas mudanças
Apesar de também ter escrito romances, o jornalista ficou famoso por suas reportagens e crônicas na “Gazeta de Notícias”, publicadas entre 1901 e 1915. Esses textos eram, posteriormente, reunidos em livros, como “Os dias passam…”. A obra, dividida em quatro partes, traz crônicas de situações fantasiosas que incorporam o ambiente e o cotidiano carioca, como as impressões de um viajante ao desembarcar na capital federal em “Chegada de um estrangeiro ao Rio”, além de duas séries de reportagens de repercussão: em “Dias de milagre”, João do Rio acompanhou uma excursão de romeiros a Congonhas do Campo, em Minas Gerais, onde estão as esculturas dos profetas feitas por Aleijadinho. Já em “Dias de burla”, o jornalista desmascarou aproveitadores da fé alheia, um apêndice de outra obra consagrada sua, “As religiões no Rio” (1904).
Na última parte do livro, “Dias de observação”, João do Rio enfoca a elite e as classes médias urbanas. Rodrigues destaca a fina ironia, presença constante em todos os textos.
Ele vai tentar observar o comportamento das camadas médias e das elites, buscando entender a falta de lógica do que é dito, a superficialidade geral. Há mil brincadeiras irônicas que, no fundo, marcam uma denúncia da ligeireza da modernidade.
No início do século XX, junto com a cidade, a imprensa também se modernizava. É nesse momento que surgem as figuras do repórter e do editor, com a divisão do trabalho dentro das redações, e aumenta o espaço para textos com grande apelo popular.
O João do Rio era um desses repórteres que transcreviam o cotidiano da cidade. É o primeiro momento de popularização dos jornais, resultado de um processo que começa com o fim da censura, em 1820, e aproveita todo o desenvolvimento tecnológico ocorrido ao longo do século XIX, que permite a explosão das tiragens. Isso começa no Rio e depois será exportado para o resto do país.
UM DÂNDI POLÊMICO
Pessoalmente, o jornalista era um personagem provocativo. Ele gostava de usar cores extravagantes e chegou a ser vaiado no Teatro Lírico, uma das principais casas antes da inauguração do Theatro Municipal, ao aparecer com um colete cor de cereja. Admirador e defensor do escritor inglês Oscar Wilde, João do Rio foi alvo de campanhas negativas por ser homossexual. Ao mesmo tempo, ele também gerava curiosidade. Suas conferências, reunidas em “Psicologia urbana”, eram bastante concorridas e têm títulos sugestivos como “Amável leitor”, “O amor carioca”, “Flirt” e “A delícia de mentir”.
— Essas conferências foram um grande sucesso na cidade. Ele as apresentava mais de uma vez e até em São Paulo. Esses textos são como crônicas prolongadas, sem o limite de espaço do jornal, mantêm o mesmo estilo dele.
— Quem introduziu esse formato no Brasil, uma moda em Paris, foram os escritores Coelho Neto e Medeiros de Albuquerque. Virou uma febre. O cinema mudo estava começando, não existia o rádio e as pessoas não queriam apenas ler, mas ver e ouvir escritores, cientistas, acadêmicos.
O ano de 1915 marca uma virada na carreira de João do Rio. Em junho, o seu amigo Gilberto Amado — advogado, diplomata e político —, matou o poeta Aníbal Teófilo no salão nobre do “Jornal do Commercio” após um desentendimento. Apesar da absolvição pelo júri, o crime comoveu a opinião pública e a “Gazeta de Notícias” atacava o político ferozmente. Para não criticá-lo, o jornalista trocou de casa e foi para “O Paiz”, jornal ligado a Pinheiro Machado, protetor de Amado.
A partir daí, João do Rio passa a se dedicar a temas mais sérios, como a política e os problemas nacionais. “No tempo de Wenceslau” reúne textos desse tipo. A obra traz perfis de políticos, críticas ácidas ao então presidente Wenceslau Brás e uma das primeiras reportagens sobre o jogo do bicho na cidade, intitulada “O jogo do Camboja”.
As crônicas são uma ótima porta de entrada para o universo da Primeira República, ainda pouco estudada.
A principal sensibilidade dele, com relação à vida política, diz respeito ao tema da dissimulação, algo inscrito no DNA do homo oligarchicus, que usa o termo para definir os políticos e os seus hábitos na Primeira República. — O homo oligarchicus é, por natureza, um dissimulador, um especialista na arte de representar a si mesmo e proceder às adaptações necessárias para tal.
(Fonte: https://oglobo.globo.com/cultura/livros – CULTURA – LIVROS – “Os dias passam…”/ POR LEONARDO CAZES –
* Antônio Edmílson Rodrigues, historiador e professor da PUC-Rio
* Marialva Barbosa, professora titular da Escola de Comunicação da UFRJ
* João Carlos Rodrigues, autor da biografia “João do Rio: vida, paixão e obra” (Civilização Brasileira)
* Iuri Lapa, pesquisador da Biblioteca Nacional
* Lia Jordão, assina a apresentação da obra com Iuri Lapa
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Paulo Barreto – pseudônimo: João do Rio
Biografia
Segundo ocupante da Cadeira 26, eleito em 7 de maio de 1910, na sucessão de Guimarães Passos e recebido pelo Acadêmico Coelho Neto em 12 de agosto de 1910. Recebeu o Acadêmico Luís Guimarães Filho.
Paulo Barreto (João P. Emílio Cristóvão dos Santos Coelho B.; pseudônimo literário: João do Rio), jornalista, cronista, contista e teatrólogo, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 5 de agosto de 1881, e faleceu na mesma cidade em 23 de junho de 1921.
Era filho de educador Alfredo Coelho Barreto e de Florência Cristóvão dos Santos Barreto. Adepto do Positivismo, o pai fez batizar o filho na igreja positivista, esperando que o pequeno Paulo viesse a seguir os passos de Teixeira Mendes. Mas Paulo Barreto jamais levaria a sério a igreja comtista, nem qualquer outra, a não ser como tema de reportagem. Fez os estudos elementares e de humanidades com o pai. Aos 16 anos, ingressou na imprensa. Em 1918, estava no jornal Cidade do Rio, ao lado de José do Patrocínio e o seu grupo de colaboradores. Surgiu então o pseudônimo de João do Rio, com o qual se consagraria literariamente. Seguiram-se outras redações de jornais, e João do Rio se notabilizou como o primeiro homem da imprensa brasileira a ter o senso da reportagem moderna. Começou a publicar suas grandes reportagens, que tanto sucesso obtiveram no Rio e em todo o Brasil, entre as quais “As religiões no Rio” e inquérito “Momento literário”, ambos reunidos depois em livros ainda hoje de leitura proveitosa, sobretudo o segundo, pois constitui excelente fonte de informações acerca do movimento literário do final do século XIX no Brasil.
Nos diversos jornais em que trabalhou, granjeou enorme popularidade, sagrando-se como o maior jornalista de seu tempo. Usou vários pseudônimos, além de João do Rio, destacando-se: Claude, Caran dache, Joe, José Antônio José. Como homem de letras, deixou obras de valor, sobretudo como cronista. Foi o criador da crônica social moderna. Como teatrólogo, teve grande êxito a sua peça A bela madame Vargas, representada pela primeira vez em 22 de outubro de 1912, no Teatro Municipal. Deixou obra vasta, mas efêmera, que de modo algum corresponde à imensa popularidade que desfrutou em vida. Ao falecer, era diretor do diário A Pátria, que fundara em 1920. No seu último “Bilhete” (seção diária que mantinha naquele jornal), escreveu: “Eu apostaria a minha vida (dois anos ainda, se houver muito cuidado, segundo o Rocha Vaz, o Austregésilo, o Guilherme Moura Costa e outras sumidades)…” Seu prognóstico ainda era otimista, pois não lhe restavam mais que alguns minutos quando escreveu aquelas palavras. Seu corpo ficou na redação de A Pátria, exposto à visitação pública. o enterro realizou-se com cortejo de cerca de cem mil pessoas. Na Academia, que então ficava no Silogeu Brasileiro, na praia da Lapa, disse-lhe o discurso de adeus Carlos de Laet.
(Fonte: http://www.academia.org.br/abl – Biografia – Paulo Barreto – pseudônimo: João do Rio)