Joaquim Cardozo, uma personalidade inconfundível da moderna literatura brasileira.

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Cardozo: rigor e sensibilidade

Joaquim Cardozo (Recife, 26 de agosto de 1897 – Olinda, 4 de novembro de 1978), poeta de muita poesia e poucos versos – toda sua obra poética ocupa um volume de apenas 209 páginas. Joaquim Cardozo é uma personalidade inconfundível da moderna literatura brasileira. No curso de sua longa vida, atravessou os sucessivos momentos e fases por que passou a poesia, dentro e fora do Brasil, nos últimos sessenta anos. Sua obra evolui com eles, entende-os, assimila-os, mas preserva sua própria integridade e coerência. Deve-se dizer, porém, que Joaquim Cardozo é um poeta do modernismo, pois é nesse movimento que se encontram as raízes de sua poesia.

Nos quatro livros do poeta: “Poemas” (1947), “Signo Estrelado” (1960), “Trivium” (1952-1970) e “Mundos Paralelos” (1970), que, postos em ordem cronológica, nos permitem acompanhar a evolução do poeta, dos poemas descritivos próprios da fase modernista ao que chamaríamos de trabalhos abrangentes que marcam sua última fase.

SENSO DE MEDIDA – À observação imediata, esse desenvolvimento da poesia de Cardozo não difere da dos demais poetas modernistas já que todos eles cumprem o mesmo ciclo. O que o dintingue é o modo próprio como ele conduz e expressa a experiência poética, modo que já se manifesta na fase descritiva. Nesses poemas, que pertencem a uma etapa de rebeldia e excessos, Cardozo é novo sem escândalo, é preciso e econômico. Essa discrição, esse senso de medida, governará toda sua obra de poeta e será, talvez, o elemento que ele procurará superar mais tarde ao escrever “Mundos Paralelos” (1970) ou “Poemas para uma Voz e Quatro Microfones”. Como toda qualidade profunda, esta qualidade termina por se transformar aos olhos do autor em seu limite (o que deve ser ultrapassado) já que do lado de lá rumorejam os mundos paralelos.

Nesse momento, Cardozo rompe o equilibrio clássico de sua linguagem no propósito de exprimir o que está além dela: ou abre as comportas e deixa as palavras jorrarem fora da construção lógica ou lança mão de estruturas simultâneas que possibilitem um discurso não-linear. Mas os poemas dessa fase constituem uma parte mínima de sua obra e, apesar da importância que têm, não a caracterizam.

UM MESTRE – A poesia de Joaquim Cardozo manifesta-se plena nos poemas evocativos de sua vida nordestina ou naqueles em que se revela a profunda identidade com os elementos naturais: a chuva, o vento, o rio, a terra, as árvores. Poemas como “Chuva Caju” ou “Recordações de Tramataia” seguem uma linha de alta poesia em que se inserem também “Aquarela”, “Cinematógrafo”, “Elegia para Maria”, “Congresso dos Ventos” e, da fase final, “Visão do Último Trem Subindo ao Céu”, “Filho Pródigo” e “Colóquio dos Violentos”. E outros, muitos outros.

Joaquim Cardozo firmou-se, desde a publicação tardia de seu primeiro livro, como um mestre da expressão poética. E não só pelo domínio da linguagem e das técnicas do verso, mas sobretudo por fazer desse domínio e dessas técnicas o instrumento justo de uma personalidade altamente sensível: sensível às coisas e aos homens, capaz de apreender, no vulgar, o poético e de revoltar-se contra a injustiça e a arbitrariedade.

(Fonte: Veja, 25 de abril de 1979 – Edição n° 555 – Literatura/ Por Ferreira Gular – Pág; 119/120)

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