Joaquim Nabuco, principal líder abolicionista que havia minado os alicerces da monarquia.

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“O Império do Brasil morreu, viva o Estado brasileiro” é o princípio do livro Um Estadista do Império, a mais ampla visão da política nacional no século XIX.

Um estadista do Brasil e de sempre

Joaquim Nabuco (Recife, 19 de agosto de 1849 — Washington, 17 de janeiro de 1910), jornalista, diplomata, político e pensador brasileiro.

Deputado do Partido Liberal, eleito e 1878 por Pernambuco, tornou-se “verdadeiro tormento na Câmara”. Em 1880, fundou a Sociedade Brasileira contra a Escravidão e se tornou o maior porta-voz voz do abolicionismo legalista e parlamentar.

De formação conservadora, filho de urna das mais tradicionais – famílias do país, ligada à economia açucareira nordestina e á política imperial, o monarquista Nabuco (nascido em Recife em agosto de 1849) apresentou, em agosto de 1880, minucioso projeto de lei propondo a abolição da escravatura em 1890 e a indenização de seus proprietários. O projeto se chocava com a proposta dos militantes radicais, em geral republicanos, que queriam abolição imediata e sem indenização. Pego entre dois fogos, Nabuco não conseguiu reeleger­-se em 1881.

Em 1884, Joaquim Nabuco re­tornou ao Brasil e à Câmara: foi reeleito com grande margem de votos. Como permaneceu monarquista e legalista, e achando que a abolição era “negócio de brancos», alguns historiadores o consideram “líder da ala direita do movimento” Nos anos seguintes, a abolição se concretizou, embora logo ficasse claro que seria apenas uma medida jurídica, e em seguida veio a República. Apesar de mais tarde ter sido ministro dos presidentes Prudente de Morais e Campos Sales, Joaquim Nabuco (que morreria como diplomata em Washington em janeiro de 1910) amargurou-se profundamente.

No livro “Um Estadista do Império”, de Joaquim Nabuco, oferece a visão mais completa do ambiente político do Segundo Império. Trata-se de um dos monumentos da historiografia imperial e de um clássico do pensamento brasileiro.

A obra leva de par a vida do pai do autor e seu tempo histórico, numa narrativa fluida no seu estilo, mas complexa no seu alcance, que nenhum outro de nossos escritores conseguiu desde então igualar.

Principal líder do movimento abolicionista que havia minado os alicerces da monarquia, Nabuco atrelou-se, por volta de 1895, à tarefa de redigir a biografia de seu pai, José Thomaz Nabuco de Araújo, um dos pilares do regime que desabara.

“O Império do Brasil morreu, viva o Estado brasileiro.” Tal é o princípio organizador deste livro. Já que a República veio para ficar, é preciso desenhar a continuidade do espírito público encarnado nas classes dirigentes do Segundo Reinado. Um memorialista menos rigoroso teria aproveitado para descarregar nas costas de dom Pedro II os dramas e patacoadas que levaram o Império à breca, salvaguardando a reputação de seu próprio pai no capítulo reservado às boas intenções frustradas. Nabuco era, no entanto, um espírito superior, e sua valorização da política imperial procura demonstrar a estreita simbiose que unia a coroa aos homens de talento saídos do Parlamento.

Esse enfoque desemboca numa interpretação conservadora da história do Império. Uma empreitada dessa ordem pareceria intelectualmente postiça, na medida em que retrataria uma situação histórica inconsistente. O espaço em que se desenrolava a política nacional era monopolizado pelas classes dirigentes geradas pelo casamento tormentoso entre a burocracia imperial e as classes dominantes regionais. Confrontados aos senhores rurais nos grotões da política local, os movimentos populares não tinham braços para açambarcar o terreno extenso da política brasileira. Nem os movimentos populares, nem tampouco as facções das oligarquias regionais. Configuram-se assim os condicionantes da nossa realidade oitocentista: eram as classes dirigentes que tinham a experiência da necessidade histórica do Estado brasileiro. Desse ponto de vista, Nabuco, ao fazer a biografia de seu pai, escreve, verdadeiramente, a história política do Império.

“Cafés do Quartier Latin” Mesmo se o autor segue atento à política regional e tece, a respeito da Revolução Praieira (1848-49), uma análise mais objetiva e crítica daquela anteriormente elaborada por seu pai, metido até o pescoço naquele evento; mesmo se sua admirável inteligência política utiliza, na década de 1880, as diferenças entre as províncias para fazer avançar a causa da Abolição; não obstante suas propostas federalistas no final do Império, Nabuco permanece um adepto da grande política. Da política centralista e supra-regional herdada da corte portuguesa arribada no país em 1808. Da política feita no Rio de Janeiro, grande cidade aberta às correntes de idéias do Ocidente, portal das rotas levando a Londres, Paris, Nova York, longe da mediocridade provincial e interiorana. À parte a questão de Pernambuco, sua terra natal e teatro da Praieira, da navegação do Amazonas e dos incidentes no território gaúcho durante a Guerra do Paraguai, nenhuma questão regional é tratada como tal nos 44 capítulos da obra.

Dessa forma, Bahia, Ceará, São Paulo, Vassouras, Itu surgem como realidades distantes, estorvos, e não elementos constitutivos da política imperial. O centro de tudo é a corte e capital, sede do Parlamento, do Conselho de Estado, do Instituto Histórico, dos principais jornais e editoras, onde as confrarias da Rua do Ouvidor proporcionavam um ambiente de discussões parecido ao dos “cafés do Quartier Latin”. Para além de seu enfoque elitista e monárquico, o livro exprime ainda uma nostalgia de uma forma nacional de fazer política que desmoronava na República federativa. Uma república cujas alternativas pareciam ser, na virada do século, presidentes presos a interesses regionais ou ditadores militares. Daí a atração que o livro exercerá, hoje e sempre, nesse Brasil desconchavado pela economia e a geografia, carente de representatividade nacional no meio da globalização anunciada.

Ao longo do livro, Nabuco desdobra sua experiência de militante político, diplomata e intelectual cosmopolita. Quando aborda o tema das biografias históricas, fustiga “a criação deliberada de legendas” e o “espírito de seita” que guiava, segundo ele, os escritos dos positivistas e, em particular a biografia de Benjamin Constant, publicada àquela época pelo Centro Positivista Teixeira Mendes. Nem por isso Um Estadista do Império está isento de parcialidade. Não se pense que os corredores do Parlamento do Império pululavam de estadistas.

Nabuco traça rápidas sínteses biográficas tentando desenhar um perfil variado e brilhante dos políticos do Império. Contudo, ao fazer abstração dos conflitos onde uns e outros intervieram, ele nivela a obstinação reacionária de uns à lucidez realista de outros. Dessa maneira, pode celebrar, num mesmo parágrafo, “a autoridade de Eusébio de Queirós”, que enfrentou a opinião pública e os fazendeiros para acabar com o tráfico negreiro e “a imaginação política construtora” de Bernardo Pereira de Vasconcelos, organizador do jogo parlamentar interno mas ignorante sobre a evolução da política internacional e, por isso mesmo, defensor da pirataria negreira montada nos portos brasileiros.

Corte de arestas – Na verdade, o livro anuncia uma reconciliação e uma virada na vida e no pensamento de Nabuco, que passou a infância com a madrinha num engenho em Pernambuco e só foi conhecer o pai aos 8 anos, quando este já estava tomado por suas atividades de mnistro da Justiça.

Sua militância abolicionista começou em 1879, um ano depois da morte do pai e de ter sido eleito pela primeira vez deputado por Pernambuco.

Em 1883, aparecia seu livro O Abolicionismo, o mais fulgurante texto político brasileiro, denúncia da covardia do Parlamento, do comprometimento da coroa e da Igreja na manutenção do escravismo, fonte de todos os males da sociedade brasileira.

Livro de ruptura, O Abolicionismo é também uma recusa frontal da política gradualista de abolição da propriedade escrava. Ora, seu pai, o senador, ministro e conselheiro do Estado, Nabuco de Araújo, havia sido um dos arquitetos dessa política gradualista.

Findo o Império, Nabuco redige, numa espécie de luto político, Um Estadista do Império, livro que monta uma relação de continuidade entre sua atuação política e a de seu pai, entre uns e outros homens de Estado, entre o Império e a República. Desse modo, Nabuco corta as arestas que O Abolicionismo havia eriçado entre uma e outra geração, um e outro regime.

Com relação à radicalidade das análises de Nabuco em O Abolicionismo, Um Estadista do Império anuncia o recuo conservador necessário para assegurar a continuidade de sua história e da História do país , mais tarde materializado no seu livro de maior sucesso, Minha Formação (1900).

Comportamento errático Nabuco extirpa desse último livro, sua autobiografia, as análises mais radicais que elabora durante a campanha abolicionista. Em Minha Formação, ele afirmará que defendia a abolição com a indenização de proprietários escravistas pelo governo. Ora, em 1884, quando a proposta fora discutida, ele a fulminara num comício no teatro Santa Isabel, no Recife: “A emancipação imediata com indenização é uma tolice”.

Calculando o impacto da medida sobre o orçamento do Império, concluía que não haveria recursos disponíveis para indenizar os proprietários. “Os escravos, para ser livres, teriam de esperar que as finanças do Brasil se consertassem? Não há nada que nos obrigue a continuar uma prática reputada criminosa pelo mundo inteiro, somente porque não temos dinheiro para desapropriá-la… o Brasil não é bastante rico para pagar o seu crime!”

Joaquim Nabuco morreu em 1910, em Washington, onde exercia o posto de embaixador do Brasil. Morreu republicano e pai da pátria. Em Um Estadista do Império, uma de suas muitas observações profundas referia-se ao comportamento errático de alguns grandes homens.

Assim, ao analisar o voto incoerente de Perdigão Malheiro deputado mineiro e doutrinário antiescravista, contra a Lei do Ventre Livre (1871), Nabuco pondera: “Não há que levar em conta, na vida dos homens que foram instrumentos de uma ideia, as aberrações, as incoerências que não a puderam frustrar”.

Na medida em que muitos problemas do século XIX denunciados em O Abolicionismo injustiça no campo, discriminação social, raquitismo da sociedade civil ainda continuam de pé até hoje, essa epígrafe poderia servir para a vida e obra dele próprio, Joaquim Nabuco.

(Fonte: Veja, 17 de dezembro de 1997 – ANO 30 – Nº 50 – Edição nº 1526 – LIVROS/ Por Luiz Felipe de Alencastro – Pág; 142 a 145)

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