Em 40 anos, os 60 sucessos de MacDonald
Humor ácido
John MacDonald (Sharon, Pensilvânia, 24 de julho de 1916 – Milwauke, 28 de dezembro de 1986), escritor americano criador do célebre detetive particular Travis McGee, imortalizado em quase sessenta livros que venderam 70 milhões de exemplares em todo o mundo. Escritor que costumava produzir, pela boca de seus personagens, grandes tiradas sobre o destino, a sorte, a ambição, o ódio e o amor – tudo isso embalado num impecável senso de humor.
O escritor preparou-se para ser executivo. Ele recebeu o título de mestre em Administração da prestigiada Universidade Harvard, em 1939, mas não conseguiu emprego. Alistou-se então no Exército, durante a II Guerra Mundial, serviu dois anos e meio na Ásia, chegou ao posto de tenente-coronel e, por acaso, descobriu sua vocação para escritor.
Estilista fino, com um senso de humor impecável, descobriu sua vocação de escritor por acaso. Durante a II Guerra Mundial, suas cartas para a mulher eram censuradas pelo Exército até o dia em que resolveu escrever-lhe um conto.
Como as cartas para sua mulher eram censuradas pelo Exército, que temia a divulgação de segredos militares, MacDonald resolveu enviar-lhe um conto. Gostou tanto que não parou mais de escrever. Em quarenta anos de carreira, ele teve mais de sessenta livros publicados, somando mais de 500 contos, novelas e romances, que venderam quase 70 milhões de exemplares em todo o mundo.
O personagem mais famoso do escritor é o detetive particular Travis McGee, que aparece em dezenove livros. McGee é um personagem extraordinário. Mora num barco na Flórida, filosofa com desencantado candor sobre os desvãos mais escuros da alma humana e vive de encontrar coisas perdidas ou roubadas – ficando sempre com a metade do que achar para si como pagamento.
Quando não acha o que foi encarregado de procurar, McGee não recebe nada. Entre cínicas e irresistivelmente bem-humoradas observações sobre os hábitos da sociedade americana, para a qual olha ao mesmo tempo com desprezo e compaixão, McGee, ao final de cada história, costuma estar cercado por mulheres lindas, decididas a conquistá-lo. Nenhuma conseguiu.
O último de seus livros ‘graça impiedosa’ lançado no Brasil foi “Mais um Domingo” (One More Sunday, 1984), em julho de 1986. “Mais um Domingo” não traz a figura antológica de Travis McGee, o célebre detetive particular que projetou seu criador à condição de grande mestre da moderna literatura policial.
Estão presentes em “Mais um Domingo” os ingredientes básicos que fizeram de MacDonald um autor que, no futuro, as cadeiras de Literatura das universidades americanas tenham forçosamente de incluir em seu currículo.
Ali está, por exemplo, o mesmo tom ácido com que MacDonald costuma tratar o chamado american way of life, no caso representado por uma igreja muito mais interessada nos movimentos em sua caixa registradora do que na orientação espiritual de seu gigantesco rebanho.
A Igreja Eterna do Crente abriga uma montanha de hipocrisia e cobiça debaixo de um verniz de puritanismo e moralidade. É em torno das atividades dessa igreja, e dos homens que a comandam, que se desenvolve a trama de “Mais um Domingo”. O fundador da seita, o reverendo Matthews Meadows, já decrépito, é um joguete nas mãos de seus imediatos. Aparelhos eletrônicos são capazes de substituir sua voz em chamadas telefônicas destinadas a pedir dinheiro aos fiéis – em geral, gente humilde e maltratada pela vida, ávida de uma palavra de consolo de seu guia espiritual.
PREGADOR LIBERTINO – MacDonald é impiedoso ao construir os personagens que integram a cúpula da igreja. Um dos principais pregadores é um libertino que pouco faz além de seduzir, um a um, os Anjos de Meadows, as belas e viçosas jovens que formam o coro da igreja. O filho do velho Matthews Meadows, John Tinker, protagoniza animadas sessões amorosas com a mulher de outro príncipe da igreja, e acaba sendo descoberto por um terceiro chefe.
Este manda fotografar o casal em pecado e fica extremamente excitado com as imagens que lhe chegam às mãos. Se é impiedoso com os poderosos, MacDonald trata com indisfarçada compaixão os humildes – e aí vai outra marca registrada sua. As cenas mais notáveis do romance são as que mostram o desespero de uma mãe ao saber que sua filha, um dos anjos do coro, fora seduzida por um pastor mais velho que seu próprio pai.
A mestria de MacDonald então se revela por inteiro: o martírio da mãe comove sem jamais soar piegas. Como não poderia deixar de ser num romance assinado por John MacDonald, há na história também um cadáver – uma jornalista que vai investigar os interiores da Igreja Eterna e acaba estuprada e atirada no fundo de um poço.
John MacDonald morreu dia 28 de dezembro de 1986, aos 70 anos, de complicações surgidas durante uma operação cardíaca, em Milwauke, EUA.
(Fonte: Veja, 7 de janeiro de 1987 - Edição 957 - DATAS - Pág; 67)
(Fonte: Veja, 23 de julho de 1986 - Edição 933 - Livros/ Por Paulo Nogueira - “Mais um Domingo” (One More Sunday, 1984), de John MacDonald – Pág: 119)