Jon Hassell, importante nome no jazz e criador de ‘a música do quarto mundo’
Músico e compositor americano de uma obra visionária e influente que foi do jazz à música ambiental, cruzando fronteiras e juntando a tecnologia à tradição.
O trompetista misturou o som vocal tradicional dos índios norte-americanos, adaptado ao trompete, com técnicas eletrônicas avançadas. E colaborou com Peter Gabriel, Brian Eno ou os Talking Heads.
Jon Hassell (Memphis, 22 de março de 1937 – 26 de junho de 2021), trompetista, compositor e importante nome do jazz, ficou conhecido por desenvolver o conceito de “música do quarto mundo”.
O trompetista e compositor norte-americano foi influente criador da estética musical “fourth world music” (“música do quarto mundo”) e figura com um trabalho marcante nos campos do jazz e das vanguardas, sua ideia era unir a cultura do mundo então polarizado na Guerra Fria (por EUA e URSS), com o que era chamado de “terceiro mundo”. Era como misturar produções indígenas com outras batidas eletrônicas.
Nascido a 22 de março de 1937 em Memphis — o músico orgulhava-se de “ter vindo do mesmo sítio que os blues” —, Jon Hassell estudou na Eastman School of Music, da Universidade de Rochester (Nova Iorque), antes de se mudar para a Alemanha e entrar na Cologne Course for New Music, instituição fundada e orientada por Karlheinz Stockhausen, nome incontornável da música electro-acústica. Foi aí que conheceu Irmin Schmidt e Holger Czukay, que mais tarde viriam a formar os Can, banda pioneira do chamado krautrock.
Depois de regressar aos Estados Unidos, Jon Hassell colaborou com o compositor minimalista Terry Riley e juntou-se a La Monte Young, que nos anos 1960 e 1970 liderou o Theatre of Eternal Music, grupo vanguardista de que também fazia parte John Cale, dos Velvet Underground. Hassell viria ainda a estudar com Pandit Pran Nath, mestre indiano do estilo de canto “kirana gharana”, cujo trabalho foi uma fonte de inspiração para o americano.
O artista lançou o seu primeiro álbum a solo (Vernal Equinox) em 1977 e, em 1980, trabalhou com Brian Eno em Fourth World, Vol. 1: Possible Musics. “Naqueles dias da Guerra Fria, havia o primeiro mundo e o tácito segundo, que era o império soviético”, diria, anos depois do lançamento desse disco colaborativo, para contextualizar a origem do termo “fourth world music”. “Qualquer coisa à margem desses dois mundos era o ‘terceiro mundo’; por norma, era assim que se falava dos países em desenvolvimento. E esses países em desenvolvimento eram sítios em que a tradição ainda estava viva e a espiritualidade era inerente à sua produção musical. O ‘quarto mundo’ foi uma espécie de ‘3+1’.”
Por outras palavras, a “música do quarto mundo” de Hassell consistia numa “meta-pop” simultaneamente “primitiva e futurista”, que juntava “características de estilos étnicos mundiais” a “técnicas electrónicas avançadas”. “Sempre me senti atraído por formas de música não ocidentais”, explicou o compositor ao Ípsilon numa entrevista concedida em 2009, a anteceder a sua vinda ao teatro Maria Matos, em Lisboa. “Música de origem ancestral, pré-rádio, pré-indústria, em que não exista uma divisão clara entre o popular e o erudito. Uma música ouvida e tocada por novos e velhos, com uma componente grande de improvisação, de puro instinto.”
Em 2009, Eno escreveu uma carta aberta intitulada “The debt I owe to Jon Hassell” (“A dívida que tenho para com Jon Hassell”), enaltecendo o impacto que a obra do compositor teve na sua vida e no panorama da música contemporânea. “Ambos estávamos conscientes da beleza e da sofisticação da música que estava a ser feita fora da nossa cultura — aquilo a que hoje se dá o nome de ‘música do mundo’. E ambos nos sentíamos intrigados pelas possibilidades das novas tecnologias musicais. Mas, além destas questões, havia uma ideia maior: a ideia da música como um lugar onde se podia conduzir novas experiências sociais. A experiência do Jon era imaginar um mundo ‘cor-de-café’: um mundo globalizado em constante integração e hibridização, onde as diferenças eram celebradas e dignificadas”.
Ao longo dos anos, e para além da intensa atividade nos anos 1970-80, viria a lançar outros álbuns importantes nas últimas décadas como Dressing For Pleasure (1994), Fascinoma (1999) ou Last Night The Moon Came Dropping It’s Clothes in The Streets (2018), tendo trabalhado ainda com nomes como David Byrne — o compositor tocou o seu trompete nas gravações de Remain in Light, histórico disco dos Talking Heads —, David Sylvian, Peter Gabriel, o guitarrista Ry Cooder, o grupo Kronos Quartet ou os Tears For Fears. “Devo muito ao Jon. Na verdade, muita gente deve muito ao Jon”, resumia Brian Eno há mais de dez anos no último parágrafo da sua carta aberta. “Ele semeou uma poderosa e fértil semente cujos frutos ainda hoje colhemos.”
“Qualquer coisa à margem desses dois mundos era o ‘terceiro mundo’; por norma, era assim que se falava dos países em desenvolvimento. E esses países em desenvolvimento eram sítios em que a tradição ainda estava viva e a espiritualidade era inerente à sua produção musical. O ‘quarto mundo’ foi uma espécie de ‘3+1’”, disse Hassell em entrevistas, lembrada pelo jornal The Guardian.
A família diz que ainda há material inédito do músico para ser divulgado. Além disso, as doações recebidas por uma fundação criada em 2020 para o ajudá-lo durante um tratamento de uma doença, serão usadas para manter o acervo do artista e também para financiar bolsas de estudos, além de contribuir a causas que envolvam direitos a músicos.
Jon Hassell faleceu em 26 de junho, aos 84 anos, nos Estados Unidos. Na informação divulgada pela família no domingo, dia 27, o músico morreu de causas naturais, “pacificamente, no início da manhã”.
“Os últimos dias foram cercados por familiares e entes queridos que celebraram com ele a vida de contribuições que deu a este mundo – pessoal e profissionalmente. Ele apreciava a vida e deixar este mundo foi uma luta, pois havia muito mais coisas que ele desejava compartilhar na música, filosofia e escrita”, diz parte do texto publicado na página oficial do artista.
“Como Jon agora está livre de um corpo, ele está liberado para estar em sua alma musical e continuará a tocar no Quarto Mundo. Esperamos que você encontre consolo em suas palavras e sonhos para este lugar terreno que ele agora deixa para trás”, disse a família.
(Fonte: https://br.yahoo.com/noticias – NOTÍCIAS / por EXTRA – 27 de junho de 2021)
(Fonte: https://www.publico.pt/2021/06/27/culturaipsilon/noticia – CULTURA ÍPSILON / NOTÍCIA / por Daniel Dias – 27 de Junho de 2021)