Jorge Serpa: o lobista de Roberto Marinho
Influência com poderosos
Próximo de Juscelino, Jango e FHC, o maior lobista da República
Jorge Serpa Filho, advogado e lobista, escreveu o discurso de Jango no comício da Central do Brasil, em março de 1964, que foi usado como justificativa pelos militares para o golpe de 1º de abril do mesmo ano.
Ao longo de sua longa e enigmática carreira, Serpa desempenhou papéis cruciais nos bastidores da política brasileira, estabelecendo relações próximas com presidentes e figuras influentes, como Juscelino Kubitschek, João Goulart, e Fernando Henrique Cardoso. Este texto examina a trajetória multifacetada de Serpa, destacando sua atuação discreta, mas impactante, e sua estreita ligação com Roberto Marinho, fundador do Grupo Globo.
Serpa foi próximo de presidentes como Juscelino Kubitschek, João Goulart e Fernando Henrique Cardoso.
Após um período preso, Serpa recuperou o prestígio no governo de Emílio Garrastazu Médici, para quem também escreveu discursos. De acordo com Nassif, Fernando Henrique Cardoso mandava taxistas levarem o lobista do Rio a Brasília para jantares no Palácio da Alvorada – ele tinha medo de aviões.
Além disso, Jorge Serpa era amigo de Roberto Marinho, dono do grupo Globo. Conforme Nassif, o lobista, a pedido do empresário, definiu o conceito de “choque de capitalismo” usado por Mário Covas em sua campanha a presidente em 1989
Os primeiros passos na política
Jorge Serpa nasceu no Ceará e formou-se em direito no Rio de Janeiro, onde foi aluno de San Tiago Dantas, um dos maiores juristas do país. No final dos anos 1940, começou sua carreira política trabalhando no gabinete de Ângelo Mendes de Moraes, então prefeito do Rio de Janeiro. Embora o estilo autoritário de Moraes contrastasse com a refinada cortesia de Serpa, esse período foi crucial para que ele estabelecesse contatos valiosos com figuras influentes como Paulo Bittencourt, do Correio da Manhã, e Roberto Marinho.
Durante a década de 1950, Serpa estreitou seus laços com João Goulart, que se tornaria ministro do Trabalho de Getúlio Vargas em 1953. Esses relacionamentos se provariam fundamentais nos anos seguintes, quando Serpa se tornaria uma figura influente nos bastidores do poder, especialmente durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), em que Jango era vice-presidente.
A proximidade com os presidentes
A influência de Jorge Serpa atingiu seu auge durante os governos de Juscelino Kubitschek e João Goulart. Ele não apenas cultivou uma amizade pessoal com Jango, mas também desempenhou um papel significativo na elaboração de discursos e estratégias políticas. Em março de 1964, Serpa escreveu o discurso de Goulart no comício da Central do Brasil, um evento que se tornou um dos pretextos para o golpe militar de 1º de abril daquele ano.
Apesar de ter sido preso após o golpe, Serpa conseguiu recuperar seu prestígio durante o governo de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), para quem também escreveu discursos. Segundo o jornalista Luis Nassif, Serpa tinha tanto valor para Fernando Henrique Cardoso que este mandava taxistas levá-lo do Rio a Brasília para jantares no Palácio da Alvorada, dado o medo que Serpa tinha de voar.
A ligação com Roberto Marinho
A amizade e colaboração entre Jorge Serpa e Roberto Marinho foram cruciais para ambas as carreiras. Marinho, o magnata da mídia brasileira, contou com Serpa para articular concessões de televisão e influenciar políticas que beneficiaram o Grupo Globo. Um dos momentos mais notáveis dessa parceria foi a definição do conceito de “choque de capitalismo” utilizado por Mário Covas em sua campanha presidencial de 1989, a pedido de Marinho.
Serpa era visto como uma “eminência parda” ao lado de Marinho, ajudando a conduzir reuniões e articulações políticas de grande importância. A morte de Marinho em 2003 marcou o início do declínio da influência de Serpa, já que ele não conseguiu manter uma relação próxima com os filhos de Marinho, que assumiram o controle do Grupo Globo.
O enigmático lobista
A vida de Jorge Serpa era cercada de mistérios e mitos. Avesso a fotos e entrevistas, ele cultivava uma imagem erudita e cortês, tratando todos os seus interlocutores de “meu bem”. Sua aversão a aviões é uma das muitas histórias curiosas que circulam sobre ele, embora haja relatos de que ele teria viajado de turboélice com Juscelino Kubitschek e de jato para a Itália, a convite de Naji Nahas.
O escândalo Mannesmann, em 1965, marcou um dos períodos mais sombrios de sua vida. Serpa foi espancado por homens do secretário de Segurança da Guanabara, Gustavo Borges, mas recebeu apoio decisivo de Roberto Marinho e do jornal O Globo. Apesar das controvérsias, ele continuou a ser uma figura respeitada e temida nos círculos políticos e empresariais.
O legado de Serpa
O legado de Jorge Serpa é tão complexo quanto sua vida. Embora sua atuação nos bastidores do poder tenha sido significativa, há poucas informações documentadas sobre suas atividades, já que ele e seus aliados preferiam manter discrição. Mesmo quando malfeitos foram atribuídos a ele, como nas biografias de Samuel Wainer e Maílson da Nóbrega, Serpa manteve silêncio, evitando controvérsias públicas.
Ele é frequentemente comparado a personagens históricos enigmáticos, como o cardeal Richelieu, e sua vida e obra são transmitidas mais pela história oral do que por registros oficiais. O economista Delfim Netto, um dos poucos a comentar abertamente sobre Serpa, descreveu-o como alguém capaz de resolver problemas complexos rapidamente, mas negou a influência que muitos lhe atribuíam.
O relacionamento com Fernando Henrique Cardoso
Fernando Henrique Cardoso, em seus “Diários da Presidência (1995-1996)”, menciona Jorge Serpa em várias ocasiões, destacando sua habilidade em fazer articulações políticas e empresariais. Serpa foi um intermediário importante em negociações relacionadas a projetos como a usina hidrelétrica de Serra da Mesa e a exploração de gás natural no Amazonas.
Cardoso reconhece em Serpa uma visão do mundo que ele descreve usando a expressão alemã “weltanschauung”, refletindo a complexidade e o refinamento intelectual do lobista. Apesar de algumas propostas de Serpa serem repetitivas, FHC sempre as considerou aceitáveis e nunca duvidou de sua integridade.
Uma figura singular
Jorge Serpa Filho foi uma figura singular na história política e empresarial do Brasil. Sua capacidade de se mover nos bastidores do poder, influenciando decisões importantes e mantendo uma imagem de discrição e refinamento, fez dele o maior lobista do país durante o século XX. Sua proximidade com figuras influentes, como Roberto Marinho, e sua atuação em momentos cruciais da política brasileira, consolidaram seu lugar na história.
Embora sua vida seja cercada de mistérios e histórias contraditórias, o impacto de Serpa é inegável. Sua habilidade em navegar pelas complexidades do poder e sua capacidade de articulação política e empresarial fizeram dele uma figura indispensável nos bastidores da história recente do Brasil. Seu legado, ainda que envolto em brumas, continua a ser um testemunho de sua habilidade e influência.
Jorge Serpa Filho faleceu no dia 20 de janeiro de 2021, aos 96 anos, e foi enterrado no dia seguinte no Rio de Janeiro.
(Créditos autorais: https://panoramamercantil.com.br – PANORAMA MERCANTIL/ por Eder Fonseca – 24/05/2021)
Eder Fonseca é o publisher do Panorama Mercantil. Além de seu conteúdo original, o Panorama Mercantil oferece uma variedade de seções e recursos adicionais para enriquecer a experiência de seus leitores. Desde análises aprofundadas até cobertura de eventos e notícias agregadas de outros veículos em tempo real, o portal continua a fornecer uma visão abrangente e informada do mundo ao redor.
(Créditos autorais: https://www.conjur.com.br/2019-jan-22 – Consultor Jurídico/ Influência com poderosos/ Redação ConJur – 22 de janeiro de 2019)
Consultor Jurídico 2019. Todos os direitos reservados.