Jorginho do Sertão tornou-se o primeiro produtor musical independente do País

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A volta de um pioneiro e sua canção sertaneja
Jorginho do Sertão é restaurada com obra de Cornélio Pires

Um minucioso trabalho de resgate feito pela prefeitura de Tietê, a 148 km de São Paulo, colocou à disposição do público preciosidades da cultura popular paulista, como a primeira música sertaneja gravada no Brasil, há 80 anos. Jorginho do Sertão, escrita e composta por Cornélio Pires, natural da cidade, e interpretada pela dupla Mariano e Caçula, foi lançada em 1929 com o selo da Columbia. O próprio compositor bancou a prensagem dos discos, tornando-se também o primeiro produtor musical independente do País.

Para marcar este ano, a Secretaria de Cultura local recuperou e gravou em CD toda a discografia do compositor – que também foi escritor, folclorista, comediante e jornalista. São 104 títulos, entre músicas, causos e imitações, gravados entre 1929 e 31. Os 52 originais são discos raros, em vinil de 78 rotações, e de alguns deles, existe um único exemplar. As cópias em CD podem ser ouvidas na Audioteca da Secretaria, ou levadas para escolas. “Além de estudantes e pesquisadores, recebemos aqui o morador comum, interessado em conhecer a origem do sertanejo”, conta o secretário Pedro Macerani, o “Pedro Massa”, também músico e compositor.

Para Macerani, a criação do artista representou a transição da música essencialmente caipira para aquela de formato fonográfico, que resultou no sertanejo como é hoje. “O caipira que Cornélio levava para a capital, como na famosa apresentação no Colégio Mackenzie, em 1910, assimilou a visão da urbanidade que impregna a música sertaneja.”

Ele conta que, quando assumiu a Secretaria, no fim de 2005, “descobriu” os discos de Cornélio escondidos sob um móvel. Eram 32 volumes originais em vinil. “Estavam cobertos de pó e mofo, precisei colocá-los numa banheira.” Ele cuidou pessoalmente da remasterização do conteúdo. Em seguida, iniciou a busca dos 20 volumes que faltavam. “Descobri que os originais são raríssimos e em muitos casos tive de recorrer a cópias.” A garimpagem não cessou. “Tenho pedido a quem possui discos originais de Cornélio Pires que me procure.”

A gravação da série 20 Mil pela Columbia foi uma epopeia. Cornélio Pires procurou o dono da Byington & Company, representante da gravadora no Brasil, e foi mal recebido. “Ele mandou dizer que música caipira não vendia discos. O Cornélio dispôs-se a pagar, pediu um orçamento e, apesar do preço altíssimo, apareceu à tarde com dois sacos de dinheiro”, relata o pesquisador. Cornélio exigiu apenas que os discos saíssem com rótulo vermelho – a cor usual da gravadora era o azul. Contrariando a previsão, o disco com Jorginho do Sertão, de um lado, e Moda de Pião, do outro – vendeu 5 mil exemplares em 20 dias.
Cornélio Pires fez novas gravações: Entre Alemão e Italiano, Astúcias de Negro Velho, Rebatidas de Caipira, Numa Escola Sertaneja, Desafio Caipira, grandes sucessos na época. Em pouco tempo, as encomendas chegaram a 300 mil unidades, algo impensável na época. Ele mesmo vendia os discos em andanças pelo Estado com o Teatro Ambulante Cornélio Pires. “Pode-se dizer que ele foi o criador das turnês musicais praticadas até hoje.”
Capitão Furtado, nome artístico adotado por um sobrinho de Cornélio, seguiu as pegadas do tio e lançou duplas como Cascatinha e Inhana e Tonico e Tinoco. Mais tarde, com a mesma inspiração, a gravadora RCA Victor formou a Turma Caipira para lançamentos sertanejos. O secretário reuniu também, na casa rural em que residia o artista, restaurada, os 23 títulos de livros escritos por ele. Macerani lamenta o desaparecimento dos originais de dois filmes produzidos por Cornélio Pires, que considera um artista multimídia. “Anos atrás, duas pessoas do governo examinaram as fitas e disseram que corriam risco de se deteriorar. Acabaram levando e ninguém sabe onde estão hoje.”

A quem procura a audioteca, Macerani conta curiosidades sobre o artista, morto em 1958: “Foi jornalista e revisor do Estadão e o primeiro garoto-propaganda da Cervejaria Antárctica. No ano de sua morte, apresentou um espetáculo caipira no Municipal de São Paulo.” E arremata, mudando completamente de personagens: “Sabe quem é filho do Mariano, da dupla Mariano e Caçula? O Caçulinha, da Globo.”

(Fonte: 18 de novembro de 2009 – Por José Maria Tomazela, TIETÊ – www.estadao.com.br)

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