Por ser comunista, ‘maior treinador’ do Uruguai foi barrado da Seleção
José Ricardo De León Aroztegui, ex-jogador, o maior treinador de futebol que o Uruguai já viu, que foi tratado de “guru” e “deus”, mas que, por suas preferências políticas, foi empurrado para treinar times de outros países.
Como jogador, foi cogitado para estar na seleção que venceu o Brasil naquela fatídica Copa do Mundo de 1950. Mas ele não veio ao Brasil e também nunca esteve à frente da Seleção do Uruguai como técnico, apesar do seu talento indiscutível.
De León, que era professor de educação física, chegou ao auge de sua carreira ao levar o Defensor Sporting à categoria de grande clube, quando o fez campeão nacional em 1976.
Até então, apenas os já consagrados Peñarol e Nacional tinham conquistado esse título e o Defensor quebrou essa hegemonia naquele ano.
Inovou a forma de jogar futebol levando para os gramados métodos que aprendeu nas quadras de basquete.
Os motivos que não deixaram De León ir além e chegar ao posto máximo da carreira de treinador ficaram evidentes exatamente quando ele conquistou esse título. O Uruguai vivia sob ditadura militar havia três anos e o treinador era assumidamente comunista.
No final da partida, ele e todos os jogadores do Defensor, em um claro protesto ao regime, deram a volta olímpica ao contrário para comemorar.
Atleta desde pequeno
José Ricardo de León Aroztegui nasceu na pequena cidade de Trinidad, a 170 km da capital Montevidéu, em 23 de setembro de 1923. Seu pai trabalhava na companhia ferroviária, por isso a família se mudava muitas vezes. Numa dessas mudanças, teve sua estreia nos esportes, jogando basquete e futebol, além de atletismo.
De León acabou escolhendo o futebol e começou a jogar na base do Peñarol de Florida. Mais tarde, aos 19 anos, quando se mudou para Montevidéu, foi para os juvenis do Nacional e, em 1944, estreou em um time profissional, o Liverpool, também de Montevidéu.
De jogador a treinador
De León também jogou em clubes internacionais, como o Litoral Sport, da Venezuela, e o América da Cali, da Colômbia. De volta ao Uruguai, viveu seu melhor momento entre 1949 e 1951, no Defensor.
Também atuou por alguns anos no Santa Lucía e no Darling, de Canelones, onde, em 1959, pendurou as chuteiras aos 36 anos.
Imediatamente começou a sua carreira como técnico e sua primeira experiência foi nas categorias de base do Defensor. Dois anos depois, em 1961, chegou ao futebol profissional no comando do Fénix.
Tática de basquete
Em 1971, De León assumiu o time profissional do Defensor pela primeira vez. Foi quando ele colocou em prática o que sempre quis fazer desde a sua adolescência: levar para os gramados princípios táticos das quadras de basquete.
No time treinado pelo técnico todos os jogadores tinham que marcar e todos podiam, igualmente, atacar. Com isso, conseguiu posicionar melhor o Defensor na tabela do Campeonato Uruguaio em 1971 e 1972.
México e Argentina
O treinador deixou o Defensor e foi para o México comandar o hoje extinto Atlético Español, da cidade de Toros. Conquistou um vice-campeonato (em 1974) e o campeonato de 1975 utilizando a sua tática inovadora.
Em seguida, foi trabalhar na Argentina, no comando do Rosario Central. Teve a oportunidade de treinar o jogador Mario Kempes, que viria a ser craque da Copa do Mundo de 1978, vencida pela Argentina. Kempes citava sempre De León quando era questionado sobre qual o melhor treinador com quem trabalhou.
De volta ao Defensor
No fim de 1975, o treinador voltou ao Uruguai e ao Defensor. Desta vez para fazer história. Antes de começar a trabalhar escreveu uma carta para si mesmo que hoje está exposta no Museo del Fútbol, no estádio Centenário. Com data de 21 de janeiro de 1976, ela diz:
“Hoje, às 16h, começo de novo minha luta por um ideal. O Defensor tem sido, ao longo de minha extensa trajetória futebolística, o inicio de toda minha glória. Tenho que recorrer a toda minha experiência e colocá-la a favor do Defensor. Os erros cometidos não se cometem duas vezes. (…) Devo lutar com inteligência e serenidade. Devo confrontar todas as contrariedades com paciência e esperar por elas sem surpreender-me. Sou dono do meu futuro. Dependo de mim e nada mais. Creio em mim? Claro, mas devo demonstrar isso a mim mesmo. Vamos à luta, então.”
O time fez uma ótima campanha e chegou ao seu último jogo dependendo apenas de si mesmo. Uma vitória sobre o Rentista daria a Taça ao Defensor, depois de 23 títulos do Peñarol e outros 20 do Nacional. O time venceu por 2 a 1 e pouco antes do final, De León deixou o banco e caminhou para o vestiário.
Depois ele viria explicar que esse gesto foi para dar ânimo aos jogadores, significava que faltava pouco e a partida já estava ganha. Mas o gesto que mais chamou a atenção do público veio após o apito final.
A ‘vuelta al revés’
O livro ‘Una vuelta a la historia’, de Santiago Díaz, conta que o treinador, na noite anterior à partida, chamou o lateral esquerdo Beethoven Javier e lhe disse: “Isso é histórico! Único! Assim, a festa pelo título tem que ser diferente. Você tem que inventar algo novo, porque a situação e o contexto exigem. O povo está morto, as pessoas já não protestam. Olhe para as ruas, não há nenhuma mosca aí fora.”
Assim, quando o árbitro terminou a partida, a bola tinha ficado com Javier e ele então a agarrou, o resto do time se aproximou dele, e todos correram para o outro lado do campo e começaram a dar a volta olímpica da vitória no sentido contrário ao que se costumava ver.
Partido Comunista e seleção
Pelo feito histórico, De León passou a ser cogitado para a seleção uruguaia. A torcida, cansada de esperar pelo tricampeonato – o Uruguai havia sido campeão em 1930 e em 1950 – pedia o técnico revolucionário no comando.
Sua filiação política, no entanto, acabou com suas expectativas. Os dirigentes da Asociación Uruguaya de Fútbol (AUF) não quiseram apostar no seu nome porque tradicionalmente apoiavam os governos vigentes, e poderia soar como uma afronta.
O jornalista uruguaio César di Candia conta que, em uma entrevista, De León comentou que a ditadura não o queria no comando da seleção e tampouco ele teria aceitado dirigir a equipe naquele momento devido às suas convicções.
Após o título do Defensor, José Ricardo De León foi para o México para comandar o Vera Cruz. Depois ainda treinaria alguns clubes uruguaios até 1987.
‘El profe’ morreu em 14 de fevereiro de 2010, aos 86 anos.
(Fonte: https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2022/11/17 – ECOA/ FIZERAM HISTÓRIA/ por Carolina Juliano – Colaboração para Ecoa, em São Paulo (SP) – 17/11/2022)