Juan Luis Segundo (Montevidéu, 31 de outubro de 1925 – Montevidéu, 17 de janeiro de 1996), foi um padre jesuíta, teólogo católico nascido no Uruguai
Juan Luis Segundo nasceu em Montevidéu em 31 de outubro de 1925, foi um padre jesuíta, é uma das figuras mais importantes na tradição
Ingressou na Companhia de Jesus em 12 de março de 1941. Entre 1946 e 1948 estudou filosofia em San Miguel e, em 1952, iniciou seus estudos de teologia também ali, contudo, terminou-os em Eegenhoven, na Bélgica, no ano de 1956. Foi em 15 de agosto de 1955 que aconteceu a sua ordenação como presbítero, em Lovaina. Em 1963 doutorou-se em Letras pela Universidade de Paris com as teses: Berdiaeff – une réflexion chrétienne sur la personne e La cristiandad – una utopia (tese complementar para Doutorado de Estado) esta orientada por Paul Ricoeur. 2
2 Cf. SOARES, Afonso Maria Ligorio (org.), Juan Luis Segundo. Uma teologia com sabor de vida. São Paulo, Paulinas, 1997, pp. 11-13. V. Tb., Jesús Castillo Coronado, Livres e Responsáveis. O legado teológico de Juan Luis Segundo. São Paulo, Paulinas, 1998, pp. 19-23
3 “O Centro Pedro Fabro foi um dos muitos Centros de Investigação e Ação Social criados e levados adiante pelos Jesuítas na América Latina e outros continentes. A ideia original era impulsionar e promover o conhecimento e prática da Doutrina Social da Igreja, mas logo se viu como mais urgente e conveniente – na segunda parte da década de sessenta – que esses centros acompanhassem a transformação da mentalidade e estruturas sociais num sentido de justiça social, preferentemente no setor da promoção popular. Essa, juntamente com o empenho educativo, foi a principal tarefa que levaram a cabo.”. CORONADO, Jesus C. op. cit., p. 48. Com respeito à história deste centro teológico narrada pelo próprio Segundo, v.: Ibid., 48- 56. V. Tb., LOMELÍ Raúl H. Mora. Analizar la Realidad en América Latina. Caracas, Centro Gumilla, 1990.
Em 1965 fundou o Centro Pedro Fabro, em Montevidéu, sendo dele diretor. Este instituto foi dedicado especialmente ao aprofundamento teológico para leigos. Em 1975 o centro foi fechado por pressão do regime ditatorial que assumiu o poder no Uruguai. 3 Apesar de seus estudos na Europa e de suas preleções em várias locais e universidades do mundo, como América Latina, EUA, Canadá, e Europa, viveu grande parte de sua vida em seu país de origem, sendo influenciado, em parte, pelos fatores socioculturais, étnicos e políticos de sua nação e da realidade latino-americana.4
Juan Luis Segundo foi um teólogo encarnado neste continente, dialogando sempre com cristãos e não-cristãos 5 . Buscou construir um pensamento teológico útil aos processos de humanização de nossas sociedades. Possuía uma rica visão da complexidade do mundo e de suas inter-relações. Seu coração era dominado pela paixão educativa: centenas de jovens e adultos, de vários países, puderam participar de seus seminários de reflexão e grupos de estudos. Suas obras são resultados desta visão complexa – a coleção Teologia Aberta Para o Leigo Adulto testemunha esse fato. Juan Luis Segundo foi mestre de várias gerações nos seus mais de trinta anos dedicados à teologia e à vida. Juan Luis Segundo faleceu em 17 de Janeiro de 1996, em Montevidéu.
Juan Luis Segundo é um pensador que buscou fazer teologia dialogando com as outras demais ciências. 6 Sua teologia dialoga com o existencialismo e seus muitos autores, começando com Nicolau Berdiaeff e indo até a Jean Paul Sartre. Com os chamados mestres da suspeita: Nietzsche, Marx e Freud. Com a teologia de Karl Rahner e Rudolf Bultmann, guardadas as devidas distâncias desses teólogos. Com os muitos conceitos, repensados ou não, da física, da biologia, da termodinâmica de Teilhard de Chardin, ou da teoria da comunicação e da cibernética de Gregory Bateson. Com o apoio da exegese bíblica de G. Von Rad. Isso sem falar de outros nomes que J. L. Segundo cita, como profundo conhecedor, no decorrer de sua longa jornada de fazer teológico, a saber: Martin Heidegger, seus professores Gustave Lambert e Léopold Malevez, Albert Camus, Jacques Monod, Erich Fromm, e muitos outros.
4 Cf. MURAD, Afonso, Este Cristianismo Inquieto. A fé cristã encarna da em Juan Luis Segundo. São Paulo, Loyola, 1994, Coleção Fé e Realidade, pp. 13-14. 5 Cf. HOORNAERT, Eduardo.In memoriam Juan Luís Segundo. REB 56 (1996) pp. 699-701. 6 Além de toda a sua obra, é lógico, podemos citar: ID., Que homemsQue mundosQue Deuss Aproximações entre ciência, filosofia e teologia. São Paulo, Paulinas, 1995. , onde o próprio título do livro, mas principalmente o seu conteúdo (um debate entre humanismo, ciência e cristianismo), já aponta para o que dissemos.
A teologia de J. L. Segundo, como a de todos os grandes teólogos, foi amadurecendo e tomando forma aos poucos, apresentando sinais de grande vitalidade já em seu começo – ficou aberto o caminho àqueles que tenham coragem de continuar seu pensamento interdisciplinar. Construiu uma teologia que ousou dialogar como a modernidade e que não se escondeu atrás de pressupostos absolutos. Seu método teológico é a prova do que afirmamos e o que o distingue de tantos outros teólogos na América Latina e no mundo. 7 Foi formulado para romper com todo tipo de racionalismo e denunciar toda tentativa de imparcialidade teológica. Todo o discurso contrário a isso, que proclame salvação numa realidade a-histórica, é para ele engano e falácia. 8
Andrés Torres Queiruga, teólogo com quem J. L. Segundo muito se identificou e se deixou enriquecer na composição de sua teologia da revelação 9 , ao falar sobre Juan Luis Segundo em um texto intitulado Uma Teologia Verdadeira 10, consegue destacar com precisão os pontos fundamentais que caracterizam nosso autor. São eles: teologia verdadeira, teologia atual, teologia radical, teologia crítica, teologia que crê e teologia aberta.
Por teologia verdadeira, Queiruga caracteriza a teologia segundia na como construída a partir da realidade e voltada para a realidade histórica do homem. Destaca suas perguntas fundamentais: em que cremos? e, por que cremos?, ou seja, uma teologia feita por alguém que sabia que a fé atual estava em crise e que se preocupava em constituir espaço para uma fé adulta, que fosse humanizadora.
7 Jon Sobrino aponta J. L. Segundo como um mestre da suspeita que soube suspeitar da própria Teologia. Ele declarou que para J. L. Segundo “o mais fundamental consistia em que a Teologia, com a desculpa de pretender fazer o bem, pudesse acabar contribuindo para a opressão. Daí seu conhecido interesse pela libertação da Teologia. Esta tarefa, ele a levou a cabo no modo de tratar vários temas, dentre eles, evidentemente, o tema de Deus.” V. SOARES, op. cit., p. 67-76, aqui: 67. V. Tb., CORONADO, op. cit., p. 8, 10-11.
8 Já por volta de 1970, J. L. Segundo chamava a atenção para este problema com seu livro da Sociedade à Teologia, onde na própria introdução de título Uma Igreja Sem Teologia , dedica mais de vinte páginas a necessidade de uma teologia que ilumine a vida e a missão da Igreja. Trad. Bras. São Paulo, Ed. Loyola, 1983, aqui: pp. 7-26. 9
Este foi muitas vezes citado por J. L. Segundo em O Dogma que Liberta devido, na opinião de nosso autor, a sua coerência na construção de uma teologia da revelação. “O segundo paradigma desse discernimento da ‘palavra de Deus’ entre outras, irei buscá-lo num dos teólogos que, até onde sei, levou mais a sério a teologia implícita na construção de um cânon ou lista desses escritos que encerram a ‘revelação divina’ ou palavra de Deus: Andrés Torres Queiruga […]” J. L. Segundo se refere a obra: QUEIRUGA, Andrés Torres. A Revelação de Deus na Realização Humana. São Paulo, Paulinas (Trad. Bras.) Aqui, cit. de Juan Luis SEGUNDO in: O Dogma Que Liberta. Fé Revelação e Magistério Dogmático, São Paulo, Paulinas, 2000 (2ª edição), p. 411. 10
QUEIRUGA, Uma Teologia Verdadeira. Em, SOARES, op. cit., pp. 17-27. Este texto é a base para o que virá a seguir.
Por teologia atual, Queiruga caracteriza a teologia segundiana como uma teologia que fala hoje e para hoje. Uma teologia que busca interlocutores compromissados com uma fé coerente para o mundo atual e comprometidos na construção de uma humanidade melhor.
Por teologia radical, Queiruga caracteriza a teologia de J. L. Segundo como uma teologia escrita para pessoas que estão buscando o Deus verdadeiro cuja glória é o ser humano vivo – na linha de Sto. Irineu.
Por teologia crítica, ele a caracteriza como questionadora até das maiores verdades supostas, pois a suspeita é um dos elementos centrais da metodologia se J. L. Segundo. Queiruga nos lembra aqui, por exemplo, do questionamento de J. L. Segundo com respeito ao lugar dos pobres na teologia latino-americana: se eles são sujeitos ou objetos da libertação?
Por teologia que crê, Queiruga quer caracterizar a teologia de J. L. Segundo como aquela fiel ao seu chamado, que suportou as adversidades permanecendo fiel ao que acreditava, ao serviço ao Reino e à promoção do autenticamente humano.11
Por fim, por teologia aberta, quer caracterizar a teologia de J. L. Segundo como “aquela que semeia iniciativas, suscita inquietudes e abre novos horizontes”. 12 É nesta característica – uma teologia aberta – é que se enquadra nosso abordagem e objetivo para demonstrar que sua teologia é uma razão aberta a complexidade do real.
5.2 – Principais Influências na Construção de uma Teologia Aberta e Complexa
Após termos visto resumidamente acerca da vida e do labor teológico do autor, agora se faz necessário entender, para o que nos propomos neste capítulo, os fundamentos que norteiam sua teologia. Serão a partir destes fundamentos que poderemos compreendê-la com maior profundidade e clareza. Há diferentes obras que apresentam a teologia de Juan Luis Segundo. 13
11 Cf. ibid., p. 24-25. Queiruga testemunha que mesmo após J. L. Segundo sofrer reprovações de sua teologia, ele insistiu convicto em seu caminho. “Num mundo em mudança, escaldado pela história religiosa e radicalmente trabalhado pela ‘suspeita’ contra ela, não existe melhor piedade que a honestidade crítica, nem melhor fidelidade que a disposta a romper tópicos, nem melhor serviço ao Reino que a decidida promoção do autenticamente humano.” Ibid. 12 Ibid., p. 26.
Após estudar teologia e línguas clássicas, J. L. Segundo estudou literatura e filosofia. Seguiu o caminho da filosofia existencialista lendo Sartre, Marcel, Heidegger e outros pensadores que posteriormente muito o influenciaram – como esclarecemos já anteriormente. Por decisão de fazer um doutorado, foi a Paris procurar um professor que achava que se interessaria em orientá-lo sobre um existencialista russo: Nicolau Berdiaeff. Este, após a revolução de 1917, havia deixado seu país e se exilado na França, tendo assim ali podido reler toda a filosofia ocidental e escrito toda a sua obra em francês. Foi justamente então a partir da releitura de Berdiaeff na França que J. L. Segundo fez sua tese doutoral sobre este filósofo e teólogo.
O pensamento de Nicolau Berdiaeff pode ser dividido em dois elementos básicos, que se ramificam, e que influenciaram a teologia de J. L. Segundo, são eles: o dualismo e o personalismo. 14
5.2.1.1 – Dualismo, Liberdade e Personalismo
O pensamento de Berdiaeff a respeito do ser humano e do mundo é, basicamente, dualista, todavia, este dualismo não é assumido por J. L. Segundo, que dirige sua ênfase para a “objetivação histórica da liberdade primordial”, a ser traduzida pelo esforço em sistematizar a questão da existencialidade da pessoa diante das ideologias. A questão da liberdade é o centro da filosofia de Berdiaeff 15. O autor busca ligar a liberdade ao princípio absoluto que funda todas as coisas. Dessa liberdade, anterior a qualquer Ser, inclusive a um Ser chamado Deus, surge tudo o que é – o mundo objetivo. Ele mesmo diz:
Me chamam o filósofo da liberdade […] diziam que eu era um “prisioneiro da liberdade”. E, efetivamente, mais que nada eu tenho estado enamorado da liberdade. Tenho saído da liberdade, ela me tem engendrado. Para mim liberdade é o ser primigênio. O aspecto original de minha classe de filosofia é, sobre tudo, que tenho posto como fundamento da filosofia não a existência, senão a liberdade. Me parece que nenhum outro filósofo havia obrado tão radicalmente neste aspecto. Na liberdade se encerra o segredo do mundo. Deus amou a liberdade e daí nasceu a tragédia do mundo. A liberdade está em princípio e a liberdade está no fim. Em realidade, toda minha vida escrevo filosofia da liberdade, esforçando-me em aperfeiçoá-la e completá-la. Tenho o firme convencimento de que Deus está presente somente na liberdade e atua somente através da liberdade. Somente a liberdade deve ser consagrada, todas as falsas consagrações, que o tem sido pela história, merecem ser desconsagradas. 16
Para Berdiaeff, o fundamento da divindade é a liberdade. Deus transcende à toda limitação própria do Ser, sendo totalmente diferente de um objeto, e apenas podendo ser conhecido pela experiência da liberdade.17
A liberdade, afirma Berdiaeff, precede a distinção entre o bem e o mal, sendo então fundamento da ética – valor supremo. Para Berdiaeff a liberdade tem prioridade sobre o Ser e a ética tem prioridade sobre a ontologia. O bem deve ser opção, e a liberdade, um dever da pessoa. A liberdade, então, passa a ser ligada aos conceitos de objetivação e de escatologia, pois Berdiaeff afirma que da mesma forma que na criação a liberdade se realizara e se negara em sua objetivação, o mesmo se dá na atualidade da existência. A realização da liberdade deve, pois, se dar, na exteriorização e na cooperação da ação humana na obra escatológica de Deus, colocando de outra forma, Berdiaeff define em seu pensamento que Deus conta com o ser humano para a realização de sua obra escatológica. 18
O reino de Deus não é entendido como entidade não-histórica, recompensa para a passividade humana no além. Tal concepção privaria a história de todo sentido. Pelo contrário, ele é resultado das construções históricas em que a liberdade humana conseguiu se efetivar nos embates com a necessidade dominante no mundo caído. Nesse sentido, a própria noção tradicional de salvação no cristianismo precisa ser reformulada. 19
15 Cf. BERDIAEFF, Nicolau .Autobiografia Espiritual. Barcelona, Luis Miracle Editor, 1957, capítulo 2. 16 Ibid. Este trecho de Berdiaeff demonstra o quanto a teologia de J. L. Segundo é devedora da filosofia deste filósofo russo. A tradução e o sublinhado são nossos. 17 Cf. BERDIAEFF, The Beginning and the End, citado por GROSS em op. cit.., p. 22. 18 Cf. ibid., pp. 23-25. Cf.: BERDIAEFF, Spirit and Freedom, p. 209-213; ID., The Beginning, p. 251-252, citado por GROSS em op. cit., p. 25.
J. L. Segundo assumiu também em sua teologia o personalismo de Berdiaeff. Este se apresenta de três formas: primeira, “o caráter pessoal de Deus, em oposição a uma concepção ontológica”; segunda, “a centralidade da pessoa humana como valor absoluto”; terceiro, “a possibilidade de um relacionamento pessoal entre Deus e a pessoa.” 20 De acordo com o seu pensamento, em relação à antropologia cristã, é inadmissível que esta não parta da encarnação sob o risco de cair num dualismo intransponível entre o homem e o transcendente. A compreensão do conceito de pessoa está vinculado a uma concepção personalista de Deus, onde a matriz da pessoa é, justamente, imagem de Deus como liberdade fundamental que se exterioriza no mundo fenomenal. A encarnação mostra Deus como uma pessoa livre. 21 Nestas palavras de Berdiaeff está definido o fundamento da liberdade como legitimação do personalismo:
O valor supremo da personalidade, a verdade suprema do personalismo, não pode ser demonstrado como uma proposição de ontologia objetiva, ela é afirmada pela vontade moral que pressupõe que o valor é uma opção da parte da liberdade.22
Para Berdiaeff, todas as concepções de Deus que fujam à concepção personalista devem ser substituídas por esta. É importante ainda dizer que Berdiaeff vai além da encarnação, conferindo a esta o caráter de ponto de partida para o conhecimento da natureza pessoal de Deus. Ele afirma que a revelação possui este mesmo caráter, e que revela, da mesma forma, a realidade personalista do ser humano.23
19 ID., op. cit., p. 25. Gross cita Berdiaeff para sustentar sua afirmação: “O problema consiste em saber se o ser humano é vocacionado simplesmente para a salvação, ou se ele tem também a missão de criar. A vida enquanto processo criador não é indispensável para a salvação da alma; a liberdade criadora do ser humano é necessária não para a salvação, mas por causa do Reino de Deus; e para a transfiguração do mundo.” BERDIAEFF, Spirit and Freedom, p.341. Citado por GROSS op.cit., p. 25. 20
Ibid. 21
Ibid., p. 29. 22
BERDIAEFF, The Beginning and the End, p. 137, citado por GROSS em op. cit., p. 29. 23 Cf. ibid. Nota-se claramente grande influência desta concepção na teologia da revelação segundiana, como veremos adiante no próximo capítulo. “A encarnação, no entanto, é só o ponto de partida para o verdadeiro conhecimento da natureza pessoal de Deus. A partir dela se pode ver que toda a história da revelação demonstra esse mesmo caráter. A história da revelação aparece então como manifestação da vida divina, e a história do mundo como representação da dinâmica da inter-relação trinitária. Esse processo de revelação divina, por outro lado, é entendido em sentido teogônico, no sentido de que a manifestação do caráter pessoal de Deus cria ao mesmo tempo um desenvolvimento na autocompreensão personalista do ser humano.” Ibid.
Ficam então esclarecidos os seguintes fatos: Deus é pessoa, a pessoa é valor absoluto, a relação entre Deus e a pessoa é interpessoal. O homem é, no mundo fenomenal, manifestação da personalidade pessoal de Deus, irrupção do Espírito, caráter divino que pela liberdade estabelece valores morais. Deus está presente no mundo, principalmente, através da pessoa humana, em sua ação individual e consciente – condição para o reconhecimento do caráter transcendente de qualquer transformação do mundo.
5.2.1.2 – Contribuições do Pensamento de N. Berdiaeff à Teologia de J. L. Segundo
A partir do que foi visto, podemos afirmar que a teologia de Juan Luis Segundo herdou de Berdiaeff, sobretudo, o conceito de liberdade, ou uma dimensão antropocêntrica. 24 Por este fato, o termo liberdade aparece com muito mais frequência na obra de J. L. Segundo do que precisamente o termo libertação, embora já apareça este termo reformulado como fenomenologia existencial da liberdade e também como pressuposto básico à fé antropológica.
J. L. Segundo se apropria também da questão da negação da identificação de Deus como ser impessoal. Somente a afirmação da liberdade pessoal de Deus, como história do seu relacionamento pode ser o ponto de partida para Seu conhecimento.
24 Isso está explícito na coleção de SEGUNDO, Teologia Aberta Para o Leigo Adulto…, e na obra Que Mundo? Que Homem? Que Deus?…, pp. 149-457.
25 Cf. ibid. Isso pode ser demonstrado nas palavras de E. Gross: “Em todo caso, a idéia fundamental, presente tanto em Berdiaeff quanto em Segundo, é que a obra de Deus só surge por construção humana, e, por isso, Deus tem necessidade do ser humano para a efetivação dessa sua obra escatológica.” ID., op. cit., p. 35. Ou ainda nas palavras do próprio J. L. Segundo: “[…] o que não tiver sido realizado no nível histórico não pertencerá nunca à nova terra. Deus não faz a história sem nós, mesmo que seja verdade que nós nada possamos fazer de definitivo sem Ele. […] Como nenhum projeto, como acabamos de ver, pode ser meramente individual, que Deus seja amor significa que Ele faz o homem colaborador indispensável, criador decisivo de um projeto de suma importância, tanto para Deus como para o homem. […] (Deus) quis necessitar da liberdade do ser humano de tal modo que o que este deixe de fazer por inveja ou egoísmo não formará parte do novo céu e da nova terra que Deus quer construir ou, melhor, ‘colher’.” citado por E. Gross em ibid., p. 30.
J. L. Segundo se apropriou também dos elementos principais da escatologia de Berdiaeff, sobretudo da concepção de cooperação do homem e Deus para a realização da obra escatológica.25 De igual modo, aconteceu com a compreensão da realidade, que está sustentada pelos pólos da liberdade e da criação objetivada, ou seja, pela complementaridade entre fé e ideologia.26
Sobre o tema da epistemologia em Berdiaeff, apesar de não assumi-lo, J. L. Segundo é influenciado por seu conceito de valor quando formula seu próprio conceito de fé antropológica como os valores absolutizados pelo homem, ou seja, quando para ele os valores pertencem ao nível da fé, e sua eficácia se dá por intermédio das ideologias. 27
Juan Luis Segundo absorve a concepção da revelação personalista e acusa o homem de despersonalizar a Deus, sendo este o caminho que o leva para a idolatria. 28 Por isso, a concepção pessoal de Deus deve estar ligada à valorização da própria pessoa humana. 29
As críticas de J. L. Segundo, em algumas de suas obras a respeito da massificação30, revelam também aí traços do personalismo de Berdiaeff. É justamente este personalismo que inspirou Segundo a se preocupar com uma concepção de cristianismo diferente do “cristianismo de massa” e pensar num cristianismo de decisão pessoal, num cristianismo consciente.
5.2.2 – Fundamentos em Karl Rahner
A teologia rahneriana influenciou consideravelmente a segundiana. Este contributo faz com que J. L. Segundo eleja a HISTÓRIA como lugar da manifestação da GRAÇA. O existencial sobrenatural de Rahner influenciou J. L. Segundo em sua formulação de fé antropológica enquanto direcionamento para o SENTIDO.
26 Cf. ibid., p. 36. 27 Cf. ibid., pp. 36-37. Explicitaremos tal assunto no item 2. 28 Cf. SEGUNDO, A Nossa Idéia de Deus. Em Teologia Aberta Para o Leigo Adulto. São Paulo, Loyola, 1977, 2ª edição. A obra trata do problema aqui destacado. 29 Cf. GROSS, op. cit., p. 38. “[…] Segundo também concorda com Berdiaeff em ver na pessoa humana uma manifestação da realidade transcendente, uma representação de Deus – e isso lhe permite afirmar que é no compromisso histórico que se vê o rosto de Deus. Isso faz com que a pessoa humana seja vista como um valor absoluto.” Ibid. 30 Cf. SEGUNDO, Massas e Minorias. Na dialética divina da libertação. São Paulo, Loyola, 1975. ID., Ação Pastoral Latino Americana. Seus motivos ocultos. São Paulo, Loyola, 1978.
5.2.2.1 – A História Como Lugar da Manifestação da Graça
De acordo com Rahner, a graça é o fator responsável que leva o homem à pergunta sobre Deus. Ela está presente em cada ser humano, ainda que não seja reconhecida. “A graça é definida por Karl Rahner como a autocomunicação divina ao ser humano.” 31 Ao percebê-la, o homem apreende-a pelo que Rahner denomina de forma quasi-formal. 32 Todavia, é importante esclarecer que somente em Jesus Cristo essa graça chega ao seu clímax, isto é, no Cristo encarnado e na história o mistério absoluto se revela e possibilita ao ser humano a experiência da graça em sua plenitude. É esta noção de graça que fundamenta a teologia rahneriana.33
Na antropologia de Rahner, o transcendente e o imanente estão presentes no ser humano. Isso caracteriza-o como ser autotranscendente e o dota de uma liberdade condicionada por Deus, contudo, não anulada por ele no ser humano. Para Rahner, a pessoa transcende o mundo quando pergunta por sua transcendentalidade, por outro lado, não pode abdicar à sua concreticidade.
Voltando ao conceito de liberdade 34, Rahner acredita que esta não contradiga a transcendência no ser humano. Pelo contrário, é esta liberdade que possibilita a atividade transformadora. A auto-transcendência concreta é condicionada justamente pela transcendentalidade formal que é a graça. Liberdade e transcendentalidade não se chocam ou contradizem na teologia de Rahner, a liberdade humana não é uma autonomia irrestrita, mas depende de Deus, porque implica o reconhecimento da presença da graça como condição da liberdade.
31 RAHNER, Curso Fundamental da fé. São Paulo, Paulinas, 1989.
32 Cf. VORGRIMLER. H. Karl Rahner. Leben – Denken – Werke, Manz: München, 1963, p. 77.
Citado por GROSS em op. cit., nota 109. Nas palavras de Gross podemos entender isso com maior profundidade: “O caráter de causalidade quasi-formal que é dado à graça se traduz na noção de saber atemático de Deus, base da sua conhecida noção de cristãos anônimos. Esse saber atemático é manifestação da presença universal da graça na pessoa humana sob a forma de buscar por transcendência ou pergunta pela existência de Deus. Trata-se de um vazio criado por Deus no ser humano a ser preenchido com o conteúdo da revelação.” Ibid., op. cit., p.39. 33 Cf. GROSS, op. cit., p. 39.
34 RAHNER, Teologia da Liberdade…, São Paulo, Paulinas, s.d., pp. 83-121.
A história é, para Rahner, o lugar da salvação e da revelação, lugar onde se dá concretamente a experiência transcendental da graça, lugar onde esta graça se manifesta. Por isso ele valoriza a história, afirmando que é justamente nela que se dá a ação humana na experiência transcendental.
[…] a história é precisamente em última análise a história da própria transcendentalidade. E, vice-versa, não se pode entender transcendentalidade do homem como faculdade que seja dada, vivida e experimentada e refletida independentemente da história. 35
Em Rahner, desfaz-se a antiga concepção simplista entre história natural e história sobrenatural. A história da salvação transforma-se em história universal. O conceito de graça atuante no ser humano não pode conceber duas histórias.
5.2.2.2 – Contribuições do Pensamento de K. Rahner à Teologia de J. L. Segundo
Juan Luis Segundo afirma que sua compreensão da graça, antes da influência de Rahner, se deu por Leopold Malevez. Ele afirma que já antes de Rahner, Malevez entendia a universalidade da graça como condição para a fé.
[…] eu aprendi inicialmente em Leopold Malevez e depois em Rahner: a idéia de que tudo o que é bom no ser humano, todas as suas virtudes desde o princípio da humanidade eram já sobrenaturais, ou seja, não há duas histórias ou duas esferas do real. […] por isso, praticamente, não há sobre a terra uma virtude, uma boa vontade que já não seja sobrenatural. Isso foi dito por Rahner e não por Malevez […] 36
Em suas obras, J. L. Segundo cita muito mais a Rahner do que a Malevez. Geralmente, é com este que Segundo mantém discussão fecunda em sua obra. 37
Podemos destacar alguns pontos importantes que significam influências de Rahner junto a J. L. Segundo. Por exemplo, a noção de graça, que não está limitada ao âmbito da Igreja, é um “elo fundamental” entre os dois teólogos. 38 Igualmente, a afirmação da identidade entre a graça e Deus mesmo é compartilhada por J. L. Segundo e Rahner. J. L. Segundo entende a graça da mesma forma que Rahner, como uma autodoação de Deus que transforma o ser humano capacitando-o a autodoar-se também.39 A diferença, está em que J. L. Segundo “entende que a esfera dos valores e do sentido seja o lugar onde essa autodoação divina encontra espaço no ser humano. 40
Não obstante, sabemos por outra parte que este dom que Deus nos faz é a sua própria vida. Não será isso para tornar também o homem capaz de “graça”, de gratuidade? Não será para introduzir nele esta atitude, esta qualidade, esta potência, de tal maneira que a graça recebida se converta para o homem, não certamente em capital, mas em fonte de vida, de espontaneidade, isto é, de graça? 41
Um pequeno parágrafo na obra de Gross resume muito bem esta afinidade entre os dois autores:
Dessa forma, em Segundo o sobrenatural-existencial de Rahner é entendido como uma espécie de pré-fé possibilitada pela graça. Essa pré-fé se manifesta na necessidade da cada ser humano viver a sua vida a partir de determinados dados transcendentes. A partir de Rahner, Segundo entende que a essência humana é essa abertura para a transcendência na história possibilitada pela graça como realidade antropológica universal.42
É importante entender que, apesar de se beneficiar de Rahner, J. L. Segundo nem sempre concorda com tudo na teologia deste grande teólogo. Por exemplo, ele acredita que o pensamento transcendental rahneriano, no que trata do homem e da graça, é “quase esotérico”. Daí vem também a crítica de J. L. Segundo à falta de concreticidade histórica ao pensamento de Rahner. 43 Todavia, apesar de criticar esta teologia, é justamente a partir dela que J. L. Segundo elabora a sua antropologia. Pode-se dizer que Segundo formulou sua antropologia unindo o caráter pessoal da transcendentalidade de Berdiaeff com a concepção epistemológica de Rahner. 44
Por fim, J. L. Segundo se distingue de Rahner quando dá à sua teologia caráter mais político. A idéia de salvação como realidade histórica é um imperativo na teologia segundiana que fundamenta sua concepção de fé como fé direcionada à realidade histórica.
39 Cf. SEGUNDO, Graça e Condição Humana…, p. 5-14.
40 GROSS, op. cit., p. 46.
41 SEGUNDO, Graça e Condição Humana…, p. 13.
42 GROSS, op. cit., p. 47.
43 Cf.: ibid. “Segundo diz que enquanto que em Rahner a estrutura existencial é abstrata, a sua antropologia baseada na formulação de dados transcendentes pela pessoa humana leva em conta valores existenciais concretos.”
44 Ibid., p. 48
5.2.3 – Fundamentos em Rudolf Bultmann
Juan Luis Segundo possui uma proposta hermenêutica: o seu círculo hermenêutico. Isso pressupõe tudo o que já vimos até aqui, somado à tradição hermenêutica ocidental, principalmente, a Rudolf Bultmann. É deste teólogo que Juan Luis Segundo herdará a característica de buscar um sentido existencial na revelação como resposta às interrogações do mundo atual.
5.2.3.1 – A Hermenêutica Bultmanniana
Bultmann parte para a construção de sua hermenêutica de categorias existencialistas. Ele anseia encontrar algo em comum entre o intérprete e o autor do texto bíblico – essa idéia é lhe dada por herança de Schleiermacher e Dilthey que tiveram a mesma iniciativa. 45 Para encontrar esse algo em comum, Bultmann recorre às categorias ontológicas de Martin Heidegger, este elege a compreensão como elemento existencial da pessoa no mundo e a interpretação como elemento realizador da compreensão no nível existencial concreto.46
O fato de o homem estar no mundo implica uma compreensão de si mesmo como ser no mundo [ontologia heideggerdiana]. De acordo com a hermenêutica de Bultmann, a interpretação bíblica deve ser suporte para essa compreensão do homem diante do mundo, isto é, a mensagem deverá retornar de uma forma relevante para sua realidade existencial. Trata-se, pois, de um movimento circular entre a existência humana e a revelação bíblica – a circularidade é a característica de todo processo interpretativo. Para Bultmann, a teologia deveria possibilitar a compreensão da mensagem cristã de forma que esta fosse significativa para a existência da pessoa em seu contexto histórico. À medida que os escritos bíblicos apresentarem um sentido determinado para a existência, eles questionam aquela compreensão humana inicial, chamada por ele de pré-compreensão. 47 Assim, ela deve se munir de todas as possíveis categorias que lhe auxiliem neste desafio. Neste sentido, a proposta da desmitologização de Bultmann, interpretação do mito a fim de que haja identificação e compreensão por parte daqueles que anseiam por uma boa nova para suas vidas na atualidade, é uma tentativa desta exigência.
45 Cf. GROSS, op. cit., pp. 73-74.
46 De acordo com Eduardo Gross, Bultmann baseia-se na exposição de Heidegger, Sein und Zeit – Ser e Tempo – sobre a interpretação do caráter histórico da existência. Cf.: BULTMANN, Crer e Compreender, São Leopoldo, Sinodal, 1987, pp. 203-219; e HEIDEGGER, Ser e Tempo, Petrópolis, Vozes, 1989, pp. 142-153 e 204. Citado por GROSS, em: op. cit., pp. 74- 75.
47 Esta ideia se assemelha muito com o objetivo de J. L. Segundo de desideologizar a teologia impregnada na mente dos cristãos e que os impede de ver e participar da realidade histórica.
Resumindo, podemos dizer que Bultmann arriscou uma nova abordagem hermenêutica da Bíblia (de Cristo e do Novo Testamento). Sua interpretação existencial quer ligar-se à atualidade, e, com isso, superar a simples comunicação de conteúdos, proporcionando a autocompreensão existencial da pessoa. Por isso a Bíblia deve despertar o homem da inconsciência de si mesmo e levá-lo a uma nova forma de existir.
(Fonte: http://juanluissegundo-jesus.blogspot.com – 9 de dez de 2010)
(Fonte: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br – A Teologia Complexa de Juan Luis Segundo)