Tanizaki: fetichismo, masoquismo e outras perversões
Paixão e escândalo
Poucos escritores foram tão longe no estudo da obsessão sexual quanto o japonês Tanizaki
Junichiro Tanizaki (Tóquio, 24 de julho de 1886 – Yugawara, 30 de julho de 1965), um dos escritores centrais da literatura japonesa do século 20.
Imagine um escritor que combinasse os dotes de Machado de Assis e Nelson Rodrigues. Um grande estilista, mas devotado a descrever perversões e taras, sem deter-se diante do escândalo.
Quem conceber essa figura estranha terá uma ideia de quem foi Tanizaki. Em sua longa carreira, ele ergueu uma das maiores obras ficcionais do Japão moderno. Fez-se herdeiro das milenares tradições literárias de seu país, combinou-as com as formas de expressão do século 20 e ainda soube aproveitar influências do Ocidente.
Todo o seu domínio sobre a língua, no entanto, estava a serviço da provocação. Poucos autores souberam ir tão fundo no estudo da obsessão sexual quanto Tanizaki, em romances como Voragem.
O ideograma utilizado por Tanizaki para dar nome ao romance contém a célebre cruz de pontas dobradas. A história foi escrita entre 1928 e 1930, muito nates de os nazistas se apoderarem do símbolo. E Tanizaki tampouco tinha em mente o significado religioso do ideograma, que entre os budistas representa a felicidade e a salvação. Era o formato da suática que lhe interessava, pois ele sugere à perfeição o caráter retorcido do relacionamento entre os quatro personagens do romance. As engrenagens do enredo são postas em movimento quando Sonoko e Mitsuko se envolvem numa irrefreável paixão lésbica – que traga para o seu vórtice outros dois personagens, o marido de Sonoko e o jovem Watanuki.
“Considero as mulheres seres superiores”, afirmou certa vez Tanizaki. Já os homens costumam ser criaturas débeis em seus livros – masoquistas sempre prontos a tirar prazer da humilhação. Sua obra está repleta, de homens que se deixam pisar por mulheres de caráter forte ou grande sensualidade. E se deixam pisar literalmente, dedicando-se a adorar seus pés. Outra maneira peculiar de os homens manifestarem servidão é fascinar-se pelos excrementos da amada.
Em A Mãe do Capitão Shigemoto, o autor zomba de um conceito budista que prega a purificação por meio da comtemplação das impurezas deste mundo. Voragem não tem perversões como essas, mas o jogo de forças entre mulheres e homens é o habitual.
Segundo a crítica especializada, Tanizaki lançou mão de vários artifícios para escrever Voragem. Empregou o dialeto aristocrático da região de Osaka para dar cor e atmosfera à história. Além disso, deu à narradora, Sonoko, falas dignas de uma personagem do dramaturgo clássico Chikamatsu (uma espécie de Shakespeare japonês) .
História em que a obsessão sexual não se extingue nem mesmo depois da morte.
(Fonte: Veja, 25 de julho de 2001 – ANO 34 – N° 29 – Edição n° 1710 – LIVROS/ Por Carlos Graieb – Pág; 135)
Nasceu em Tóquio, em 1886; morreu em 1965. Estudou literatura japonesa na Universidade Imperial de Tóquio. Publicou seu primeiro trabalho em 1909, numa revista literária que ajudou a fundar. Sua obra de juventude revela forte influência de Poe, Baudelaire e Oscar Wilde. A partir de 1923, deixou-se absorver pela cultura de seu país e abandonou a inclinação ocidentalizante, vivendo nesse momento uma crise intelectual e emocional que contribuiu decisivamente para torná-lo um dos nomes centrais da literatura japonesa do século XX. Em 1949, recebeu o prêmio Imperial de Literatura. É autor, entre outros, de Diário de um velho louco.
(Fonte: http://www.companhiadasletras.com.br/autor – Junichiro Tanizaki)