Kenneth W. Ford, inventor da bomba de hidrogênio
Em 1952, Kenneth Ford trabalhou no Projeto Matterhorn, na Universidade de Princeton. O físico passou sua carreira no meio acadêmico, e não trabalhou mais com armas desde 1953.
A primeira bomba de hidrogênio a ser detonada, chamava-se Ivy Mike, foi construída na ilha Elugelab, no arquipélago nas Ilhas Marshall, em 1952. O teste destruiu a ilha Elugelab, do arquipélago.
Apesar de toda sua potência terrível, a bomba atômica – que destruiu Hiroshima e matou instantaneamente mais de 80 mil pessoas – nem se compara com outro produto do engenho norte-americano: a bomba de hidrogênio. A bomba tem a força de mil Hiroshimas, uma destruição impensável que é tributária do medo da aniquilação mútua da Guerra Fria. Ela foi desenvolvida em meio a muitos segredos e Washington passou décadas garantindo que determinados detalhes de sua fabricação não chegassem ao público.
Agora, um físico que ajudou a desenvolver a bomba há mais de meio século desafiou uma ordem federal que exigia que ele retirasse de seu livro materiais que o governo considera que sejam segredos termonucleares.
O autor, Kenneth W. Ford, passou sua carreira no meio acadêmico e não trabalha com armas desde 1953. Seu livro de memórias, “Building the H Bomb: A Personal History” (Construindo a bomba H: Uma história pessoal, em tradução livre), é seu décimo livro. Os outros são livros de física, de divulgação científica e lembranças do tempo em que pilotava pequenos aviões.
Ele afirmou que incluiu o material questionado pelo governo porque ele já havia sido disponibilizado e porque isso o ajudaria a exibir uma imagem mais completa de um capítulo importante da história dos EUA. Porém, depois de ter entregue voluntariamente uma cópia de seu manuscrito para a realização de uma revisão de segurança, autoridades do governo pediram para que fossem removidos cerca de 10 por cento do texto, ou 5 mil palavras.
“Eles queriam eviscerar o livro. Minha primeira reação foi pensar que aquilo era ridículo e que eu não iria nem responder”, afirmou Ford em uma entrevista em sua casa.
Ao invés disso, ele conversou com as autoridades por mais de seis meses antes de chegar a um impasse em janeiro, uma narrativa comprovada por uma série de documentos cuidadosamente organizados em sua mesa de jantar, ao lado de inúmeras fotos de seus sete filhos e treze netos.
A World Scientific, uma editor de Cingapura, publicou recentemente o livro de Ford pela internet, com uma versão impressa no prelo. Repórteres e editores de resenhas de livros receberam provas do livro.
O Departamento de Energia, que guarda os segredos nucleares do país, se negou a comentar a publicação do livro.
Mas em um e-mail enviado a Ford em 2014, Michael Kolbay, funcionário do governo responsável pela manutenção dos segredos, alertou que as discussões de “nuances do design de um programa de armas termonucleares bem sucedidas” presente no livro poderiam “encorajar programas emergentes”, um eufemismo para países que desejam desenvolver bombas nucleares.
Em teoria, Washington pode punir pessoas que liberam informações secretas. Qualquer pessoa que entre em contato com assuntos atômicos secretos precisa assinar um termo de confidencialidade que alerta para as penas e para o direito do governo sobre “todos os royalties e pagamentos” que resultam da divulgação de informações secretas.
Mas a verdade é que os pioneiros atômicos e outras pessoas envolvidas – em conversas, livros, artigos e programas de TV – divulgaram muitos segredos nucleares ao longo das décadas e raramente foram penalizados.
O resultado é uma área cinza repleta de informações públicas sensíveis que nunca deixaram de ser consideradas segredos de Estado. A política do Departamento de Estado é nunca reconhecer a existência desses segredos atômicos, uma medida conhecida como a regra do “sem comentários”.
Ainda assim, enquanto preparava seu livro, Ford colocou em cheque esse mundo obscuro de informações disponíveis ao público. Por exemplo, a agência federal queria que ele tirasse uma referência ao tamanho do primeiro aparelho de teste da bomba de hidrogênio – a base tinha dois metros e o aparelho tinham seis metros de altura. Ford respondeu que fotos públicas do aparelho, com homens, jipes e uma empilhadeira eram o suficiente para uma comparação e obviamente revelavam as dimensões do aparelho.
Steven Aftergood, diretor do Projeto sobre Segredos de Estado da Federação dos Cientistas Americanos, um grupo privado com sede em Washington, afirmou ter recebido provas do livro de Ford e acredita que muitos detalhes revelados não estejam de acordo com as regras da agência para assuntos secretos.
“Provavelmente existem questões graves e importantes por trás dessa estupidez burocrática”, afirmou Aftergood.
Ele afirmou que não seria surpreendente que o Departamento de Energia não fizesse nada em relação à publicação do livro, “já que qualquer ação iria apenas aumentar o interesse em torno da obra”, afirmou Aftergood.
Em 1979, o departamento descobriu isso da pior forma quando tentou impedir a publicação de um revista com segredos sobre a Bomba H; a agência não foi capaz de proibir a circulação do artigo, o que serviu como publicidade gratuita para a publicação.
Um dos principais arquitetos da bomba de hidrogênio, Richard L. Garwin, que Ford entrevista para o livro, descreve suas memórias do evento “com muita precisão e de forma divertida”.
Em uma entrevista, Garwin contou que não se lembrava de que o livro contasse histórias sobre a Bomba H que, em termos da disponibilidade das informações, “ainda não fossem públicas”. Ainda assim, afirmou, seu ponto de vista positivo em relação ao livro “não significa que ele encoraje as pessoas a conversarem a esse respeito”.
A bomba de hidrogênio é a arma mais mortal do planeta. O primeiro teste com uma, realizado em novembro de 1952, transformou a ilha de Elugelab, com pouco mais de um quilômetro e meio de diâmetro, em um cogumelo fervilhante em meio ao pacífico.
Atualmente, Grã-Bretanha, China, França, Rússia e EUA são os únicos membros autodeclarados do clube termonuclear, cada um deles com centenas ou milhares de bombas de hidrogênio. Especialistas militares também suspeitam que Israel conta com dezenas de bombas. Acredita-se que Índia, Paquistão e Coreia do Norte também tenham interesse em adquiri-las.
Embora sejam difíceis de fazer, as bombas de hidrogênio são atraentes para os países e seus exército porque seu combustível é relativamente barato. Dentro de uma casca grossa de metal, a arma conta com uma pequena bomba atômica que funciona como um fósforo que dispara o hidrogênio.
Ford entrou nesse mundo depois de se formar em escolas de elite. Ele se graduou na Phillips Exeter Academy em 1944 e, em seguida, em Harvard em 1948. Enquanto trabalhava em seu Ph.D. em Princeton, foi atraído por trabalhos pioneiros com a bomba por seu orientador, John A. Wheeler, uma estrela da ciência moderna.
Ford trabalhou à sombra de Edward Teller e Stanislaw Ulam, os criadores da bomba no laboratório de Los Alamos no Novo Mexico. No início de 1951, eles tiveram uma ideia revolucionária: usar a radiação da explosão atômica para gerar forças grandes o bastante para comprimir e aquecer o hidrogênio ao ponto da ignição termonuclear.
Ford trabalhou no projeto de 1950 a 1952, primeiro em Los Alamos e depois novamente em Princeton. Entre outras coisas, ele calculou a probabilidade de que o combustível comprimido se consumisse completamente e estimou o poder de explosão da bomba.
Ele terminou o doutorado em 1953, e continuou na academia, dando aulas em universidades como a Brandeis, a Universidade da Califórnia, em Irvine, e a Universidade de Massachusetts, em Boston.
Em uma entrevista concedida em sua casa, Ford contou que estava pesquisando para o livro de memórias sobre a Bomba H quando um historiador do Departamento de Energia sugeriu que ele enviasse o manuscrito para uma revisão dos segredos de Estado. Ele fez isso e, em agosto, a agência respondeu.
“Nossa equipe ficou muito impressionada com o manuscrito. Contanto, encontramos alguns detalhes preocupantes”, afirmou um funcionário.
No fim de setembro, Ford se encontrou com autoridades da agência. Depois disso, em um e-mail, ele afirmou que tinha certeza de que o livro “não revelava nenhuma informação que, mesmo no pior dos casos, poderia causar dano aos Estados Unidos ou ajudar um país que esteja tentando construir uma bomba de hidrogênio”.
No dia três de novembro, Andrew P. Weston-Dawkes, diretor do escritório de classificação da agência, escreveu a Ford para dizer que a revisão havia “identificado partes que deveriam ser removidas antes da publicação”.
Ele exigiu cortes, 60 ao todo, que iam de uma única frase a parágrafos inteiros, incluindo notas de rodapé e imagens.
“Se eu fizesse tudo o que pediram – ou mesmo uma parte – isso destruiria o livro”, respondeu Ford.
Em dezembro, ele afirmou ao departamento que faria algumas revisões. Por exemplo, em dois casos mudaria a linguagem, substituindo os termos “de fato” por “supostamente” para descrever o resultado dos primeiros testes com a bomba. Depois de muitas idas e vindas, a conversa acabou em um impasse em janeiro e o editor começou a pressionar.
A principal preocupação do governo parece se concentrar nos fatos científicos profundos que Ford explica com clareza. Em diversas instâncias, o livro discute o equilíbrio térmico, a descoberta de que a temperatura do hidrogênio combustível e da radiação poderiam se equiparar durante a explosão. Originalmente, acreditava-se que a arma não seria possível sem esse efeito.
Essa descoberta foi abertamente discutida em diversas ocasiões ao longo dos anos. Por exemplo, em 2009 a Academia Nacional de Ciências publicou a memória biográfica de Teller, escrita por Freeman J. Dyson, físico famoso do Instituto de Estudos Avançados em Princeton, Nova Jersey. O texto detalha o avanço do equilíbrio térmico em relação à bomba de hidrogênio.
Em casa, Ford afirmou que se considera uma vítima de um sistema de classificação exagerado e se perguntava o que teria acontecido se ele nunca enviasse o manuscrito para revisão.
“Eu fiquei estupefato com essa reação da agência”, afirmou.
Ford afirmou que nunca quis escrever um livro sobre a abertura ou sobre os segredos nucleares – nem nada que não fosse o seu ponto de vista sobre um momento importante da história dos EUA.
“Não quero ser responsável por nenhum crime contra a humanidade. Só quero publicar meu livro.”
(Fonte: http://zip.net/bjq1pk)
(Fonte: http://noticias.bol.uol.com.br/ultimas-noticias/ciencia/2015/03/30 – The New York Times – NOTÍCIAS – Ciência/ Por William J. Broad – 30/03/2015)