O primeiro romance gay brasileiro
Adolfo Caminha (Aracati, 29 de maio de 1867 – Rio de Janeiro, 1897), escritor cearense que chocou os leitores com seus personagens ambíguos, de Amaro e Aleixo, os amantes que escandalizaram o Brasil em 1895, quando Adolfo Caminha lançou Bom-Crioulo, tido como “o primeiro romance gay brasileiro.”
Curtinho, fácil de ler (mas não de julgar), ele emerge de um século de censura velada ou oficial intermitente e junto com a obra A Normalista, do autor marginalizado da nossa marginalizada literatura.
Adolfo Caminha foi um escandaloso na vida e na arte. Oficial da Marinha em Fortaleza, teve de mudar-se para o Rio de Janeiro e abandonar a carreira por ter “roubado” a esposa de um oficial do Exército e por insistir em viver às escâncaras com ela.
Como escritor, abraçou o naturalismo, a escola literária da vida como ela é, mais copo de cólera do que sonho de valsa. Em A Normalista, de 1893, narra a história de Maria do Carmo, uma estudante sonhadora na provinciana Fortaleza, despertada para o sexo pelas mãos de seu tutor e padrinho, que a deflora.
Bom-Crioulo, com ação situada no Rio de Janeiro menos de uma década depois da Abolição, atreve-se a colocar em cena o negro Amaro, o bom crioulo do título, que seduz o branco Aleixo. Fala-se da baixa sociedade do Rio de Janeiro, com sua mistura de imigrantes pobres, negros desocupados e rstaeiros do Norte e do Sul. Ou do passeio entre palavras caídas em desuso ou ainda correntes, como “rolo” e “frege”, sinônimos de confusão e desordem.
É, sobretudo, o caráter dos personagens, interpretado à luz da psicologia anterior a Freud, que passa uma impressão de algo pré-histórico e causa grande estranhamento. Em Bom-Crioulo, o negro bom e másculo vira mau, mas ama de fato. O branco efeminado, por sua vez, troca o amante pela senhoria do cortiço, mas permanece na clave feminina, pois a mulher é um virago.
No século 19, as novelas saíam nos jornais e chamavam-se folhetins. No gênero, o Aluísio de Azevedo de clássicos como O Cortiço mesmerizava os leitores com sua lógica. Menos coerente, Caminha seria demais para o público dos folhetins, tanto quanto o romance das lésbicas de Torre de Babel é para o da TV.
(Fonte: Veja, 29 de julho de 1998 – ANO 31 – N° 30 – Edição 1557 – LIVROS/ Por Mirian Paglia Costa – Pág; 134/135)