O LÚCIO HUMANO
Realizou como roteirista o primeiro longa-metragem do cinema novo
O Lúcio Cardoso inquieto e terno permanece vivo para seus amigos
Lúcio Cardoso: como cenário, a dor
Lúcio Cardoso (Curvelo, 14 de agosto de 1913 Rio de Janeiro, 28 de setembro de 1968), jornalista, pintor, poeta e escritor mineiro. Com Paulo César Saraceni realizou o primeiro longa-metragem do cinema novo, Porto das Caixas, do qual foi o roteirista.
Nonô o apelido para os parentes e amigos íntimos não era a única coisa que o romancista e pintor Lúcio Cardoso, tinha em comum com Juscelino Kubitschek. Mineiro como o criador de Brasília, como ele o escritor deixou uma obra incompleta. O autor de Crônica da Casa Assassina não terminou um filme A Mulher ao Longe -, um Diário, cuja segunda parte, inacabada, foi publicada póstumamente pela Editora José Olympio e uma novela interrompida pela paralisia e pelo derrame cerebral que o atingiu em 1962: “O Viajante”. Da geração de Cornélio Pena, Graciliano Ramos e Otávio de Faria, teria de cada um desses romancistas um traço marcante.
“Tem cheiro de terra” De Cornélio Pena, a introspecção, o clima tenso e sinistro em que vivem seus personagens. De Graciliano Ramos a preocupação social que sairia do romance “Maleita”, descoberto em sua gaveta de arquivista de uma companhia de seguros pelo poeta e relações-públicas da mesma empresa, Augusto Frederico Schmidt. É bom, tem cheiro de terra, farejou certeiro Frederico Schmidt, facilitando ao funcionário que enchia o arquivo de conversas sobre livros e cinema a edição de seu primeiro livro.
O sofrimento como cenário – De Otávio de Faria, seu amigo íntimo durante toda a vida, ele teria a inquietação religiosa que levaria o escritor baiano Adonias Filho a declarar: “Lúcio voltou-se para os ascetas e fez do sofrimento o cenário de seus romances”. A carne, o pecado, a tentação, o castigo são os temas constantes da sua criação sempre à beira de um abismo, como o Lúcio jovem que corria pela Avenida Rio Branco no Rio de Janeiro, fugindo de propósito dos lotações como um toureiro escapando de touros bravos. Seus amigos mais chagados, reunidos no apartamento vazio de Ipanema, tentam reconstruir a sua presença humana, agora que aos domingos não poderão mais captar a mensagem lúcida de seu olhar.
Ver o Brasil com deslumbramento – A romancista Maria Alice Barroso confessa que o autor de “Luz no Subsolo” a ensinou “a ver o nosso próprio País, o Brasil que ele percorria com avidez, como se fossemos visitantes deslumbrados. Quantas vezes ele viajava pelo interior mineiro e fluminense apaixonado por aquelas cidadezinhas mortas, tentando decifrar a alma do povo e transpô-lo para seus livros. Como diz um trecho do seu “Diário”: “O que sobra de vida se concentra numa única rua, estreita e calçada de grossas pedras, onde erra um perfume bom de quitandas e doces familiares. Ele imprimiu em cada um de nós um pouco de si mesmo.
A obsessão da imagem A pintora Ione Saldanha vê Lúcio Cardoso como um artista perseguido por imagens. Quando no hospital lhe entregamos uma lousa para escrever o que queria, pedir água ou o que fosse, sem que ninguém esperasse ele fez um desenho, uma figura. Aquele desenho sensível, leve, mostrava que ele continuava a mesma pessoa, com sua inteligência intacta. Depois da doença, sem poder escrever, Lúcio pintou durante cinco anos todas as imagens que o perseguiram: visões torturadas e outras de grande doçura.
O Paraguai da alma Nonô tinha um aldo selvagem que ele chamava de o Paraguai da minha alma acrescenta o poeta catarinense Marcos Konder Reis. Eu acompanhei seu itinerário como quem vê da torre de uma igrejinha a caminhada de um bandoleiro fugindo de uma caçada feroz. Aquela batalha campal, aquela marcha batida na direção de um abismo em que ele se empenhava era a sua destruição de um ídolo: Minas Gerais, o colégio interno, contra o qual ele ergueu seu punhal. Se ele parece não ter podido ou querido esquivar-se da enfermidade que o abateu, quando entrou em agonia seu rosto mudou. Era a expressão decidida de Bernanos diante da morte iminente e que exclamava: “Agora somos só nós dois sozinhos!” Depois que ele morreu procuramos pela cidade um ramo de violetas para colocar nas suas mãos. Não era tempo de violetas e, afinal, não era inútil achá-las para o inesquecível Lúcio Cardoso que, no seu melhor romance, escreveu: Deus é um canteiro de violetas cuja estação não passa?.
(Fonte: http://www.caras.uol.com.br – 13 de março de 2009 – EDIÇÃO 802 – Citações)
(Fonte: Veja, 2 de outubro de 1968 Edição n° 4 LITERATURA Pág; 61)
Joaquim Lúcio Cardoso Filho nasceu em Curvelo, Minas Gerais, a 14 de agosto de 1912 e faleceu em 28 de setembro de 1968, na Clínica DoutorEiras,Riode Janeiro, vítima de derrame cerebral. Era filho de Joaquim Lúcio Cardoso e de Maria Venceslina Cardoso. Em 1913, transferiu-se com a família para Belo Horizonte, onde passou sua primeira infância e fez os estudos elementares no Grupo Escolar Barão do Rio Branco. Em março de 1923, a família muda-se para o Rio de Janeiro, e LC foi matriculado no Instituto Lafayette. No ano seguinte retorna à capital mineira, a fim de complementar estudos no Colégio Arnaldo. Em 1929, retorna ao Rio de Janeiro. Apesar de ser considerado um péssimo aluno, lia tudo que lhe caía às mãos: a obra de Eça de Queirós, os romances de Conan Doyle, os contos de Hoffmann. Desta época data a sua primeira experiência de dramaturgo, a peça Reduto dos Deuses, que mereceu elogios de Aníbal Machado, e, segundo o próprio LC, era “pretensiosa e anarquista”.
Matriculado no Instituto Superior de Preparatórios, liga-se a Nássara e José Sanz. Com este último redige o jornal A Bruxa, no qual publica novelaspoliciais. Além dos romancistas russos, começou a ler Oscar Wilde e Lesage, entre outros.
Inicia então suas experiências como romancista e faz publicações em jornais. Conhece Augusto Frederico Schmidt, que possuía uma editora instalada no mesmo prédio em que LC trabalhava, na Companhia de Seguros A Equitativa.
Em 1932, conheceu Santa Rosa com quem fundou a Sua Revista, da qual publicou somente um número.
Em 1934, editou Maleita, muito bem recebido pela crítica, em especial a do temido Agripino Grieco.
Por causa do assunto de seu primeiro romance foi agrupado entre os regionalistas; entretanto, sua produção tem muito mais afinidade com o grupo “espiritualista” de Cornélio Pena, Schmidt, Otávio de Faria, Vinicius de Morais.
Em 1935, publicou Salgueiro, romance de cunho social bem ao gosto da época e, no ano seguinte, A Luz no Subsolo, que mereceu elogiosa carta de Mário de Andrade. A este se seguiram diversos volumes de novelas e poesias, além de romances, atingindo sua obra o clímax com Crônica da Casa Assassinada (1959).
Em 1961, publica Diário I (1949 a 1951), ao qual iriam seguir-se os volumes II a V, que ficaram na intenção, pois em 1962 sofreu um derrame cerebral, o primeiro, que o incapacitou de escrever. Otávio de Faria organizou para a José Olympio o Diário II (1952 a 1962) que juntamente com o I, foi publicado postumamente (1970) sob o título Diário Completo.
Lúcio Cardoso costumava dedicar-se à pintura e ao desenho como elemento subsidiário à função literária. Concebia plasticamente os cenários de suas peças, a feição de suas personagens e os locais em que se desenrolava a ação dos romances. Depois que foi atingido pelo derrame, encontrou na pintura outro meio de expressão.
Lúcio Cardoso realizou quatro exposições individuais em galerias de arte do Rio de Janeiro – Goeldi (1965) e Décor (1968) -, e de São Paulo – Atrium (1965). Em Belo Horizonte, no Automóvel Club de Minas Gerais (1966).
Em 1966 recebeu o prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras, por conjunto de obra.
LC dedicou-se com empenho às artes cênicas, como autor, roteirista e produtor. Fundou um teatro de câmara, sediado na Tijuca, onde lançava suas peças com o auxílio de grandes nomes como, entre outros, os de Henriette Morineau, Sérgio Brito, Ítalo Rossi. Estendeu concomitantemente esta atividade à televisão e ao cinema, tendo sido importante sua contribuição para o Cinema Novo.
(Fonte: http://www.casaruibarbosa.gov.br)