Lugar mais frio do Brasil

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Sibéria brasileira no sul do Brasil

O alerta é escrito em português: “atenção: gelo na pista, a 100 metros”. Mas a imagem do perigo não parece nada comum no Brasil. Pegamos os “caminhos da neve”. É a estrada que nos leva à Serra de Santa Catarina, a 170 quilômetros das praias de Florianópolis.
O inverno produz cenas de cartão-postal. Chegamos ao morro da igreja, o teto do Sul do país. É um ponto quase deserto no mapa, hoje ocupado apenas por um grupo de homens da Força Aérea Brasileira.
Pra lá, foram militares de vários estados. O sargento Tarcísio Cruz Júnior é cearense. “Vim de Fortaleza”, diz. “Eu sou de Realengo, na Zona Oeste do Rio de Janeiro”, fala o 1º sargento da Aeronáutica, Marcelo Rodrigues de Carvalho.
Realengo é um bairro vizinho a Bangu, onde a temperatura já chegou a 43,3ºC. “Eu saí de um lugar quente, um lugar conhecido por praias e pelas belezas naturais. Aparenta uma certa contradição”, acrescenta o sargento Marcelo Rodrigues de Carvalho.
Os sargentos Rodrigues e Tarcísio estavam no alto do Morro da Igreja, no dia 29 de junho de 1996. Naquele dia, os termômetros da unidade registraram uma temperatura típica das áreas mais frias do planeta: -17,8ºC.
“Só tinha gelo, era tudo branco. Tudo o que nós vemos de verde aqui, não conseguíamos enxergar. Vimos só branco. A sensação térmica era de -46ºC. É um momento difícil. Bonito, mas muito difícil para a gente que está aqui no dia-a-dia”, comenta o sargento Rodrigues.
A sensação térmica foi resultado do frio e das rajadas de vento de até 180 quilômetros por hora, que foram medidas por um anemômetro.
“Ele é tipo um cata-vento. São conchas em que o vento bate e faz com que ela gire. De acordo com a velocidade, a gente sabe a velocidade do vento”, explica o sargento Tarcísio.
No ano daquela nevasca, o tal equipamento sumiu. “Aconteceu mais ou menos no período em que deu um vento tão forte que ele voou e se perdeu. Ninguém achou mais. O anemômetro foi embora”, lembra o sargento Tarcísio.
Depois disso, todas as antenas foram cobertas por uma redoma de fibra de vidro, montada em gomos, como uma bola de futebol.
Mas a natureza parece cada vez mais hostil. Em julho do ano passado, os militares foram obrigados a abandonar o prédio principal, de cinco andares, puro concreto fundeado na rocha, que balançou com a força da ventania.
“Nós sentíamos aquela sensação de balanço do prédio. Realmente, foi uma situação assustadora. Ficamos no prédio ao lado, mais baixo, até acalmar a tempestade, que já foi no clarear do dia”, comenta o cabo da Aeronáutica, Israel Rodrigues de Sena.
Ao sabor do vento, um gavião plana, à procura de uma presa. Voa sem esforço, deslizando nas correntes de ar. O tempo é bom, mas a noite chega fria. Na unidade militar, o sentinela usa roupas que suportam temperaturas de até – 15ºC.
“São botas canadenses, especialmente para a nossa necessidade no Morro da Igreja. Juntamente com os acessórios que temos, que é a jaqueta e a calça e também o sobretudo para o soldado que está de serviço, que vira a noite”, afirma o cabo da Aeronáutica, Israel Rodrigues de Sena.
O frio é tão intenso que não se vêem cachorros ou gatos por perto. Só os graxains aparecem de madrugada, uma espécie de cachorro-do-mato, que ignora a segurança e invade o destacamento, em busca de comida.
Cai a noite, nasce o dia, e o vento não descansa. O sol da manhã tinge a paisagem de laranja, a mais ou menos 1.830 metros acima do nível do mar. É o ponto habitado mais alto do Sul do Brasil. É como um mirante, cercado por outros morros, cânions e vales. No topo da serra catarinense, quando amanhece, é possível ter esse privilégio de caminhar sobre as nuvens.
Oitocentos metros abaixo do morro, encoberta pela camada de nuvens, está a cidade de Urubici, antigo distrito de São Joaquim. É um município com 11 mil habitantes que sempre viveu da agropecuária, mas que tem hoje o turismo como segunda fonte de renda. É um lugar de paisagens belas e quase desconhecidas.
“É lindo”, diz a turista.
Os turistas param diante da pedra furada, uma escultura lapidada pelo vento e pela chuva e decorada pela neve.
Na área militar, no destacamento da Força Aérea, trabalham 40 homens. São eles, isolados na serra, os responsáveis pela operação e manutenção dos radares que controlam todo o tráfego aéreo no Sul do país.
“A nossa posição no estado de Santa Catarina é bem estratégica. Ela consegue cobrir o eixo Porto Alegre-Curitiba com bastante precisão. O nosso trabalho não aparece. Só o produto final que aparece: a aeronave voando com segurança”, diz o comandante do destacamento, tenente Mauro de Carvalho Coelho.
A partir de agora, recomeça o ciclo de frio e tempestades no alto da serra. É uma nova missão abaixo de zero para os homens que vivem sobre as nuvens do Brasil.

(Fonte: Fantástico – A sua revista eletrônica, EDIÇÃO DE 18.06.2006)
Encontre essa reportagem em:
http://fantastico.globo.com/Jornalismo/Fantastico/0,,AA1219033 4005,00.html

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