Luis Buñel (1900-1983), cineasta espanhol. Diretor de 32 filmes, numa carreira que durou 49 anos, Buñel foi um desses gigantes que conquistou, como cineasta, a mesma importância de Salvador Dali na pintura, ou de Jean Cocteau na poesia. Seu lugar não pode ser medido pelo número de espectadores que assistia a seus filmes – que nunca bateram recordes de bilheteria – nem pelos prêmios que recebeu, a maioria no fim da vida, como o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 1973 com O Discreto Charme da Burguesia. Inimigo da banalidade e da redundância, Buñel foi o cineasta da invenção e da ousadia – e nesta rara espacialidade, que sabia exercer com humor e paixão, foi um campeão quase imbatível. “Só gosto do cinema porque ele pode mostrar uma realidade diferente daquela que tocamos todos os dias com as nossas próprias mãos”, costumava dizer. Surrealista, não fazia filmes para defender uma ideia teórica – nem procurava envolver o espectador em aventuras românticas. Admirador do alemão Fritz Lang, de M, o Vampiro de Dusseldorf, e do russo Sergei Einseinstein, de O Encouraçado Potenkim, Buñel usava a tela do cinema para mostrar, ao espectador, pessoas e situações que ele jamais poderia ver de outra forma. Seu forte não era tanto apresentar planos sofisticados, com jogos de luz e sombra, ou realizar geniais manobras na montagem. O grande segredo de cada um dos filmes de Buñel era a estranha situação que eles apresentavam. Assim, em Viridiana (1961), por exemplo, a história começava com uma moça caridosa, encarnada por Silvia Pinal, que decide receber um bando de mendigos em sua imensa casa de campo. Certa noite, aproveitando-se da ausência da proprietária, os novos hóspedes resolvem organizar um banquete em que, numa sequência antológica, a comilança dos miseráveis acaba transformando-se na Santa Ceia.
RECEITA NA TELA – Já em sua estreia, com O Cão Andaluz, em 1928, feito em parceria com Salvador Dali, Buñel dava sinais de estar destinado à galeria dos gigantes do cinema. O filme apresenta um dos planos mais chocantes jamais vistos na tela: em close, aparece, em todos os detalhes, um olho humano sendo cortado por um estilete, numa tenebrosa sequência. Precavido, Buñel compareceu à noite de lançamento com algumas pedras no bolso do casaco. “Caso a plateia quisesse me atacar, pelo menos eu poderia me defender”, lembrou ele, em Meu Último Suspiro, seu livro de memórias, lançado recentemente no Brasil pela Editora Nova Fronteira.
A surpresa não poderia ser melhor: já adotado como bandeira pelo movimento surrealista, o filme, exatamente pelos escândalos que provocara, acabou transformando-se numa das grandes bilheterias de Paris, naquele ano. Mais tarde, mesmo sem submeter sua plateia a choques tão intensos, Buñel acabaria construindo uma obra sempre na mesma linha. Para ele, bom filme era aquele que lhe agradava – não aos outros. Um pouco como fez em sua vida pessoal. Nos últimos anos, enquanto a família e os amigos tentavam cercá-lo de médicos e enfermeiras, sua maior queixa era não poder mais tomar suas duas doses diárias de Martini, numa receita que ele mesmo inventou – e apresentou num acena do filme Tristana.
Atacado por diabete, cirrose, problemas na próstata e na vesícula, surdez, perda de memória e da visão, o cineasta mesmo assim não queria saber de médico nem de tratamento. “Prolongar a vida artificialmente é uma das mais cruéis torturas modernas”, explicou. “É uma morte que não se acaba.” Quando soube que os enfermeiros não conseguiam fazer-lhe uma simples transfusão de sangue, o presidente Miguel de la Madrid, do México, decidiu visitá-lo e colocou e colocou todos os recursos assistenciais do país à sua disposição – mas foi delicadamente repelido. Um cirurgião espanhol, José Luis Barros, saiu de Madrid com a missão de convencê-lo a submeter-se a uma operação – sem resultado. E foi assim, sem permitir ao menos que os médicos o examinassem, que Luis Buñel morreu, na sexta-feira, 29 de julho de 1983, seis meses depois de completar 83 anos, no Hospital do México, onde vivia naturalizado há mais de trinta anos. Trata-se de uma enorme perda.
(Fonte: Veja, 3 de agosto de 1983 Edição nº 778 Datas Pág; 101)
O cinema perdeu o diretor Luis Buñel, um dos mais importantes do século 20. Ele morreu em 29 de julho de 1983, aos 83 anos, na Cidade do México.
(Fonte: Zero Hora – ANO 50 – N° 17.461 – 30 de julho de 2013 – HÁ 30 ANOS EM ZH – 30 de julho de 1983 – Pág; 47)