Manuel Bomfim, pensador sergipano, autor de obra pioneira A América Latina – Males de Origem

Manuel Bomfim (Aracaju, 8 de agosto de 1868 – Rio de Janeiro, 21 de abril de 1932), autêntico pensador sergipano, autor de obra pioneira A América Latina – Males de Origem, publicado pela primeira vez em 1905 em Paris, onde se encontrava estudando psicologia e pedagogia.

Obra onde reafirmou um pensamento de valor, onde foi atacada por causa de uma ideia, e ignorada em seu próprio tempo. A América Latina foi massacrado pelos intelectuais brasileiros da época, pelo enorme alcance de sua obra, caso de Silvio Romero, por exemplo, incapazes de assimilar o que havia de original em suas páginas.

O passo seguinte foi o desprezo. Houve, é verdade, uma segunda edição da obra em 1938, dessa vez no Brasil. E só. Tudo certo se A América Latina não estivesse impregnado de visões sobre o país que, de alguma forma, seriam retomadas, décadas depois, por pensadores como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado.

Isso para não falar de seu modo peculiar de encarar a História do continente e das reivindicações que fazia há quase noventa anos em defesa da saúde da democracia brasileira. Naquela época, Bomfim já condenava o racismo, chamava de falso o regime democrático brasileiro por não contar com o voto dos analfabetos, maioria da população, e defendia maiores investimentos em educação que nas milícias.

Formado em Medicina, Bomfim começou a pensar nas teses que defende em seu livro ainda em 1903, quando precisou escrever um artigo sobre a América Latina.

Dono de sólida cultura, ao mesmo tempo em que se sentia desconfortável com muitas das ideias então em voga, como a da superioridade da raça branca, por exemplo, Bomfim acabou produzindo um marco do pensamento radical brasileiro, conforme observou, reverente, o crítico Antonio Candido.

A pedra de toque de A América Latina é a aplicação do conceito de parasitismo, tirado da biologia e da zoologia, na análise da História do continente e, por extensão, do Brasil. Bomfim classifica a atitude da Espanha e de Portugal, enquanto nações colonizadoras, como de autênticos parasitas: as colônias produziam excedentes, que, como lucros, sustentavam as metrópoles.

Essa ideia, próxima de Marx, ocorre que, segundo Bomfim, o parasitismo não tem consequências danosas apenas para o parasitado, acostumado a sustentar seu algoz e a defender seus interesses. O parasitismo entorpeceria também de tal forma o parasita que sua decadência se tornaria inevitável, o que seria demonstrado pelo atraso de Espanha e Portugal no início do século XX.

REVOLUCIONÁRIOS CONSERVADORES – Decadentes, as metrópoles só poderiam transmitir como herança tudo o que fosse oposto ao progresso. O conservadorismo passa a ser assim a pesada herança do período colonial, especialmente no plano político.

“Mesmo os mais ousados entre os homens públicos, os mais revolucionários, são tão conservadores como os conservadores de ofício. São revolucionários até a hora exata de fazer a revolução, enquanto a reforma se limita às palavras; no momento da execução, o sentimento conservador os domina”, escreve Bomfim.

Para ele, o melhor exemplo desse estado de coisas foi o próprio processo de independência dos países latino-americanos, quando, muitas vezes, revolucionários e situacionistas se uniram para manter o status quo de exploração das camadas mais frágeis. Não precisa ir longe para ver que Bomfim tinha razão. No Brasil, a independência foi estabelecida pelo próprio herdeiro do trono da metrópole.

É verdade que a aplicação de conceitos das ciências naturais à sociedade ficou para trás. De qualquer modo, não se pode negar que, através desse caminho metafórico, Bomfim se transformou num dos mais oroginais pensadores brasileiros do início do século XX.

E quando se pensa que o racismo no Brasil está longe de ter encontrado o seu fim, que os analfabetos do país só adquiriram o direito de votar em 1985.

(Fonte: Veja, 14 de julho de 1993 – ANO 26 – Nº 28 – Edição 1296 – LIVROS/ Por RINALDO GAMA – Pág: 90)