A princesa Bonaparte: rica, neurótica e freudiana
Emoções napoleônicas da princesa analista
Marie Bonaparte (Saint-Cloud, França, 2 de julho de 1882 – Saint-Tropez, França, 21 de setembro de 1962), escritora e psicanalista, bisneta de Lucien Bonaparte, um dos quatro irmãos de Napoleão, a princesa Marie nasceu em berço de ouro e no centro da fina flor da nobreza europeia.
Filha única, ela herdou sozinha boa parte do Principado de Mômaco – inclusive 97% do Cassino de Monte Carlo -, casou-se com o príncipe Georges da Grécia e era tia do príncipe Philip, marido de Elizabeth, rainha da Inglaterra.
Apesar de toda a riqueza e nobreza, a vida de Marie Bonaparte esteve mais para caso clínico que para conto de fadas.
A mãe da princesa Bonaparte morreu de embolia um mês depois de seu nascimento. Se pai, cientista amador, não se interessou em cuidar da menina, delegando sua educação a criadas e parentes distantes.
Na adolescência, ela se apaixonou por um plebeu, o secretário do pai, que a chantageou com as cartas amorosas que ela lhe escreveu. Começou então a manifestar diversos sintomas neuróticos, com os quais conviveu até o fim da vida.
Aos 25 anos, Marie apaixonou-se e casou-se com o príncipe Georges da Grécia, com quem teve uma pesada decepção. Na própria noite de núpcias, o príncipe, que era apaixonado por um tio, informou a princesa como seria a vida sexual do casal: “Detesto fazer isso, tanto quanto você, mas precisamos fazê-lo se quisermos ter filhos”, disse.
Marie viveu um casamento de aparências, teve dois filhos com o príncipe – e também muitíssimos amantes, inclusive Aristide Briand, primeiro-ministro da França.
Marie Bonaparte foi a primeira psicanalista francesa, uma das poucas analisadas por Freud.
Logo a princesa chegou à conclusão de que nenhum amante poderia satisfazê-la: era frígida. Para enfrentar o problema, tentou dois caminhos. Procurou Freud, foi analisada por ele de 1935 a 1938 (num período, com sessões diárias de duas horas) e se tornaram grandes amigos. Ao analisá-la, Freud garantiu que a princesa havia presenciado, na primeira infância, um casal fazendo amor. Marie negou, mas ao interrogar um ex-criado, descobriu que havia testemunhado uma cena igual à que Freud descrevera.
Fascinada, ela se tornou psicanalista e traduziu obras de freud para o francês. Mesmo assim, continuou frígida e tentou curar-se de um modo que horrorizou Freud, por violar os fundamentos da psicanálise: submeteu-se a duas intervenções cirúrgicas para mudar o lugar do clitóris.
Os procedimentos analíticos da princesa eram heterodoxos ao extremo. Ela costumava fazer crochê enquanto seus clientes relatavam suas neuroses no divã. Pierre, seu filho, escolheu como analista Rudolph Loewenstein, mesmo sabendo que ele era amante da mãe.
Em 1932, a princesa escreveu a Freud dizendo que ela e o filho estavam tentandos a realizar o incesto. Freud aconselhou-os a não realizar seus desejos. Nessa trajetória fascinante que, depois da morte de Freud, se tornou uma das três grandes damas da psicanálise, ao lado de Melanie Klein e de Anna Freud.
(Fonte: Veja, 24 de maio de 1989 – ANO 22 – Nº 20 – Edição 1080 – LIVROS – Pág: 132/134)