O poeta da ternura
Quintana: versos lúdicos e um poema para cada dia do ano
Mário Quintana (Alegrete, 30 de julho de 1906 – Porto Alegre, 5 de maio de 1994), poeta brasileiro, um mestre da palavra e literatura do país, do humor e da síntese poética.
Filho de um farmacêutico, Quintana nasceu em Alegrete, e só se fixaria na capital gaúcha a partir de 1926. Houve, é verdade, em 1930 – ano em que lutou como voluntário ao lado das forças de Getúlio Vargas -, uma estada de seis meses no Rio de Janeiro. Mas voltou para seu Estado natal, convencido de que a ideia fixa de morar na então capital do país é que era, sim, um sinal de provincianismo. Empregado na antiga editora Globo, de Porto Alegre. Quintana foi o primeiro a verter para o português obras de Marcel Proust e Virginia Woolf. Lançou em 1940 seu livro de estreia, A Ruas dos Cataventos. Por mais de quatro décadas, publicou na imprensa a seção “Caderno H”, de textos curtos. Desde jovem, sempre morou em hoteis. Tentou, por três vezes, entrar para a Academia Brasileira de Letras. Jamais perdoou aos acadêmicos a desfeita.
“Minha morte nasceu quando eu nasci”, escreveu certa vez o poeta gaúcho Mario Quintana. O dia de morrer, portanto, sempre fez parte de sua vida. Quintana morreu dia 5 de maio, em função de uma insuficiência respiratória e cardíaca, aos 87 anos, em Porto Alegre. Com sua morte, a poesia brasileira perde o seu “campeão da ternura”, como se referiu a ele, numpoema, um mestre maior do lirismo, Manuel Bandeira. Era o último. É claro que a poesia não depende exclusivamente da ternura. Nem essa era a única característica da obra de Quintana – o humor e a capacidade de criar poemas sintéticos e frases demolidoras, sem apelar para o cáustico, eram duas de suas principais qualidades. Ainda assim, o desaparecimento do culto à ternura funciona como um elemento redutor do universo literário do país – no mínimo porque, no caso de Quintana, o quesito qualidade era assegurado.
Essa ternura, de que falava Bandeira, se devia sobretudo ao esforço sempre renovado de Quintana em trazer para a sua literatura uma autenticidade de sentimesntos próxima à que se vê numa criança. O próprio poeta admitia isso. “Por acaso surpreendo-me no espelho: quem é esse que me olha e é tão mais velho do que eu? Que importa?! Eu sou, ainda, aquele mesmo menino teimoso de sempre”, escreveu. Essa postura é uma chave para a compreensão da obra de Quintana. Explica, por exemplo, seu perfeccionismo. O poema deveria soar como um primeiro olhar sobre o mundo – a descoberta do menino. Maduro, homem, mas menino. “É preciso escrever um poema várias vezes para que dê a impressão de que foi escrito pela primeira vez”, dizia. O “menino de sempre” também ajuda a entender os versos bem-humorados de Quintana. “Ele cultiva o humor na língua do lúdico”, observa o crítico literário Fábio Lucas. Regina Zilberman, estudiosa de Quintana, chamou a atenção para a forma como se construía esse “humor lúdico”. A agressividade dos primeiros versos é quebrada pelo último, que produz o sorriso:
Todos esses que aí estão
Atravancando o meu caminho.
Eles passarão…
Eu passarinho! (Poeminho do Contra)
“VÍCIO TRISTE” – O gosto pela brevidade vinha dos tempos do ginásio. “Não me sai da lembrança um professor que, aos dar-nos o tema para a redação de Português, dizia: “Não adianta escreverem muito, meninos, porque só leio a primeira página: o resto eu rasgo”. E assim nos dava a primeira e a melhor lição de estilo, obrigando-nos a dizer tudo nas trinta linhas do papel almaço”, revelou. Quintana seguiu à risca o ensinamento. Muitas de suas melhores criações não têm mais do que um afrase. Não por acaso, o maior sucesso de vendas de toda a sua obra são as “agendas poéticas”, publicadas a partir de 1988, esgotando uma média anual de 20 000 exemplares. Nelas, Quintana escrevia um breve texto para cada dia do ano. De 1990 para cá, devido à saúde precária, por causa da idade e de anos a fio de boêmia, passou a pinçar frases já publicadas em seus livros anteriores. Para a agenda de 1995, ele havia entregado a tarefa de escolher os textos ao poeta e amigo Armindo Trevisan. Nunca se casou, embora tivesse fama de sempre cortejar as mulheres bonitas. A poesia, embora considerada por ele “um vício triste”, foi sua maior companheira. Com a morte de Mario Quintana, a literatura do país perde um mestre da poesia.
Intruso: indivíduo que chega na hora em que não devia. Exemplo: o marido…
A morte é a libertação total: a morte é quando a gente pode, afinal, estar deitado de sapatos…”
“Se dizem que escreves bem, desconfia. O crime perfeito não deixa vestígios.”
(Fonte: Super Interessante ANO 6 – Nº 2 – Fevereiro de 1992 – Dito & Feito – Pág; 48)
(Fonte: Veja, 11 de maio de 1994 ANO 27 N.° 19 Edição n° 1339 Memória Pág; 107)