Ilustradora Mariza Dias Costa, foi a grande médium do inconsciente social brasileiro
Mariza materializava em ilustrações brutais aqueles medos profundos, as pulsões irrefreáveis, os desejos de vida e morte recalcados no escuro mais fundo do país
Publicados na Folha desde 1978, seus desenhos são considerados revolucionários na imprensa nacional
Mariza Dias Costa, foi uma das mais importantes e influentes ilustradoras da imprensa brasileira. No Pasquim, na Folha de S. Paulo onde ilustrou o Diário da Corte, de Paulo Francis ou nas colunas de Contardo Calligaris, na Ilustrada, Mariza sempre incendiou as páginas com seu traço violento, irônico e incomparável.
Nascida em 1962 na Guatemala, filha de diplomata, seus desenhos estamparam as colunas de Paulo Francis no Diário da Corte de 1978 a 1990, e do psicanalista Contardo Calligaris desde 1999, publicada às quintas no jornal Folha de S.Paulo. Seus trabalhos retratando figuras disformes são considerados inovadores na imprensa brasileira, mesclando ao tradicional nanquim a técnicas como o xerox para reproduzir texturas de tecidos, guardanapos e outros objetos.
Mariza Dias Costa morreu em 28 de março de 2019, aos 66 anos.
(Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/03 – SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – ILUSTRADA / Por Agência Folhapress / LAZER E CULTURA –
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Morreu Mariza Dias Costa, aos 66 anos, em São Paulo, nesta quinta-feira (28). Morreu a grande médium do inconsciente social brasileiro, que materializava em ilustrações brutais aqueles medos profundos, as pulsões irrefreáveis, os desejos de vida e morte recalcados no escuro mais fundo do país.
Por causa dessa capacidade de nos traduzir no traço de nanquim e em colagens imprevisíveis, Mariza teve nos jornais o seu habitat. Foi a mais importante ilustradora editorial brasileira, seus trabalhos tendo acompanhado os textos de Paulo Francis desde os tempos do mitológico Pasquim, marco da imprensa alternativa. Ela o seguiria na mudança para a Folha de S.Paulo, na coluna Diário da Corte, a partir de 1978.
Ilustradora titular do principal colunista do jornal, Mariza viveu tempos de reconhecimento e prestígio.
Pudera. Era uma mulher de cultura universal e nunca arrogante. Falava perfeitamente francês, inglês, espanhol e italiano, além de português, é claro. Não passava vergonha no guarani falado no Paraguai, no grego e no árabe, que aprendeu em Bagdá. A glossolalia vinha da vida de globe-trotter do pai, o diplomata Mario Loureiro Dias Costa, que a levava na bagagem.
Não foi uma formação acadêmica, contudo. Adolescente ainda, largou a escola e se apaixonou pela gravura e pela ilustração. Da mesma época é o convívio com as substâncias capazes de provocar alterações do estado de consciência, como a maconha, o LSD, o Mandrix (“um horror”), o Artane (“pior ainda”). “Qualquer coisa era consumida avidamente”, ela me disse.
Por essa época, Mariza ocupava o tempo estudando história da arte, Idade Média, Roma Antiga. A atenção, porém, ia longe de reis, rainhas ou papas. Concentrava-se nas criaturas antípodas, aquelas que habitavam as beiras, as proximidades dos precipícios em que a Terra plana (atual isso, hein?) supostamente acabava.
Com grande entusiasmo, Mariza as descreveu para mim, em 2013: “Tinha os cinocéfalos, criaturas com cabeças de cachorros, os panótios, com orelhas enormes que iam até os pés e serviam para voar. Eu era fascinada por essas criaturas, saídas de uma pastelaria do inconsciente”, disse. Mariza comprou toda a pastelaria e trouxe-a ao Brasil.
Tinha muita tristeza empoçada em Mariza. Em 1977, nasceu-lhe o único filho, Diogo, com problemas incuráveis de malformação cardíaca.
Com dois anos e meio, depois de muita luta, Diogo se foi. Mariza mergulhou em uma depressão sem fim. O gênio dentro dela reagiu criando uma arte mais poderosa, mais acre, mais violenta, mais pesada, enquanto ela, no convívio, tornava-se mais e mais doce, gentil e generosa.
Sempre às voltas com problemas financeiros (ela nunca lidou bem com números), mesmo assim Mariza oferecia perfumados e saborosos jantares em sua casa na Lapa, em que cumulava o convidado de delicadezas.
Desde 1999, Mariza ilustrava a coluna de Contardo Calligaris, a quem considerava um amigo distante. Para complementar a renda, de tempos em tempos, a mulher magricela, pernas fininhas, a cabeça sempre flamejante porque insistia em tinturas de cabelo com tons de vermelho fosforescente, percorria as mesas da Redação da Folha oferecendo aos repórteres e editores os originais de ilustrações já publicadas no jornal.
Passava das 23h quando a grande Mariza, médium do inconsciente social brasileiro, saiu para comprar jornal. Um mal súbito e ela foi levada ao Hospital das Clínicas. Não resistiu. Não se sabe ainda de que ela morreu. Eu só consigo me perguntar que notícia ela terá lido antes do fim.
(Fonte: https://br.noticias.yahoo.com – NOTÍCIAS / Por LAURA CAPRIGLIONE / Folhapress – 29 de março de 2019)