Gardner, o fabuloso criador de charadas, o fantástico divulgador da matemática, o incansável crítico da irracionalidade e da crendice
Martin Gardner (Tulsa, Oklahoma, 21 de outubro de 1914 – Norman, Oklahoma, 22 de maio de 2010), escritor, matemático, polemista, foi talvez o maior divulgador da matemática para o público em geral do século 20.
Gardner, foi o fabuloso criador de charadas, o fantástico divulgador da matemática, o incansável crítico da irracionalidade e da crendice.
Martin Gardner nascera em 21 do outubro de 1914 em Tulsa, no mesmo Estado onde viria a falecer, e estudou filosofia em Chicago. De volta à sua terra natal trabalhou como jornalista, até que a guerra o levou à volta do mundo ao serviço da marinha. Nas noites livres, começou a escrever histórias fantásticas e, no fim da guerra, colaborou na revista “Esquire“, até que os editores se fartaram do seu estilo irreverente. Trabalhou então numa revista para crianças e escreveu o seu primeiro livro, “Fads and Fallacies in the Name of Science” (Modas e Falácias em Nome da Ciência).
Seu livro de 1952, Fads and Fallacies in the Name of Science (“Modismos e Falácias em Nome da Ciência”) praticamente abriu caminho para o movimento cético nos Estados Unidos. Obras como O Mundo Assombrado pelos Demônios, de Carl Sagan, são descendentes diretos desse trabalho pioneiro.
Em 1956, escreveu, um pouco por acaso, um artigo para o “Scientific American”. Falava de “hexaflexagones”, construções geométricas com propriedades muito curiosas e que são usualmente representadas em pedaços de papel que se desdobram para revelar faces insuspeitadas. O artigo foi um sucesso e o editor convidou-o a escrever uma coluna sobre curiosidades e jogos matemáticos.
Começou aí uma colaboração que demoraria 25 anos. Mês após mês, as colunas de Martin Gardner surpreendiam cientistas e entretinham curiosos. Revelavam curiosidades matemáticas pouco conhecidas e divulgavam amiúde resultados e problemas lógicos que estavam ainda a ser desenvolvidos por investigadores profissionais. Muitos matemáticos e cientistas encontravam na coluna de Martin Gardner informações sobre temas matemáticos que desconheciam; muitos jovens encontravam aí desafios com que se divertiam; e muitos curiosos aprenderam matemática nessa coluna aparentemente modesta.
O que é espantoso, além do talento de Gardner para explicar de forma simples problemas intrincados, foi a sua capacidade de produzir, mês após mês, crónicas vivas e complexas, com explicações matemáticas que não continham erros nem falhas. Gardner tornou-se uma autoridade em muitos temas matemáticos e científicos. Surpreendente, para um ensaísta que apenas tinha estudado filosofia na universidade!
A chave do seu sucesso, segundo o próprio afirmava, talvez com exagerada modéstia, foi um misto de ignorância e de trabalho esforçado: “Demorava tanto tempo a perceber aquilo que estava a apresentar, que aprendia a escrever de forma que todos os leitores me podiam compreender”.
Durante décadas, Gardner manteve uma coluna sobre matemática na Scientific American e uma sobre abusos cometidos contra a lógica e a ciência na Skeptical Inquirer. Pelo menos uma de suas coletâneas de artigos céticos, O Umbigo de Adão, chegou a ser publicada no Brasil, e eu dificilmente seria capaz de pensar num livro de ensaios curtos que pudesse recomendar mais às mentes curiosas que ainda não conheçam a prosa clara, elegante e contundente de Martin Gardner.
A paixão de Gardner por lógica e matemática gerou, talvez inevitavelmente, uma paixão por Lewis Carroll, o que levou o escritor a produzir edições definitivas — com anotações exaustivas explicando o contexto histórico, social e, claro, lógico-matemático — das duas aventuras de Alice (No País das Maravilhas e Através do Espelho) além do meu Carroll favorito, A Caçada do Snark. As edições anotadas de Alice estão disponíveis em português, e imagino que andem vendendo bem, graças ao filme de Tim Burton.
Diferentemente da maioria dos polemistas céticos que vieram depois, como Sagan, Dawkins ou Randi, Gardner nunca se declarou ateu, embora fosse um crítico das religiões organizadas. Manteve-se teísta, dentro da máxima credo consolans (“acredito porque consola”).
Em 1976, Gardner criou, com Carl Sagan, Isaac Asimov e outros, o Comité para a Investigação Científica do Paranormal, com que empreendeu um ataque cerrado à pseudociência. O grupo veio a gerar um jornal que ainda hoje existe, o “Skeptical Inquirer”, onde Gardner escreveu até 2002. Os seus últimos escritos foram sobretudo de cariz filosófico, área em que o grande divulgador da matemática se revelou um adversário temível do relativismo e do pós-modernismo.
Ao longo de uma vida extraordinariamente produtiva, Martin Gardner escreveu mais de 70 livros. Alguns deles encontram-se traduzidos em Portugal pela Gradiva. Outros são fáceis de adquirir internacionalmente. Com o seu falecimento desaparece um grande intelectual. Desaparece aquele que Stephen Jay Gould dizia ser “a mais luminosa luz de defesa da racionalidade e da boa ciência”.
Isso, no entanto, jamais diminuiu a admiração que as gerações que ajudou a formar sentiam por ele. James Randi, talvez o mais ácido dos céticos atuais, num elogio tocante, diz: “Jamais troquei uma palavra áspera com Martin. Nunca”.
Martin Gardner faleceu num hospital em Oklahoma, aos 95 anos.
Outros grandes nomes da área, como Havil e Stewart, citam-no com admiração e carinho.
(Fonte: http://blogs.estadao.com.br/carlos-orsi/2010/05/24/martin-gardner-1914-2010 – HISTÓRIA, MATEMÁTICA/ Por Carlos Orsi – 24.maio.2010)
(Fonte: http://expresso.sapo.pt/opiniao/NunoCrato/martin-gardner-o-matematico-amador=f586268 – OPINIÃO/ Por NUNO CRATO – 02.06.2010)