Martin Heidegger (1889-1976), filósofo e professor alemão.

0
Powered by Rock Convert

Heidegger: do homem, um ser-para-a-morte angustiado, até o ser-em-si

 

 

Martin Heidegger (Baden, 26 de setembro de 1889 – Friburgo, 26 de maio de 1976), filósofo e professor alemão.

Seu pai era fabricante de barris e sacristão da igreja católica da aldeia de Messkirch, então no Grão-Ducado de Baden, na Floresta Negra.

Crescendo nesse ambiente pio e trabalhador, o jovem Martin Heidegger – cedo sentiu vocação para o sacerdócio e foi fazer o ginásio no colégio dos jesuítas em Constança. Aos 20 anos, em 1909, ainda pretendia ser padre e para isso se matriculou em teologia na Universidade de Friburgo.

Não se sabe bem por que, em meio a seus estudos o jovem Martin desistiu de ser padre e abandonou a teologia para dedicar-se as ciências naturais e a matemática. Então lhe chegou as mãos, dado por um amigo padre, o vigário Konrad Gruber, de Constança, mais tarde arcebispo de Friburgo, um livrinho do autor alemão Franz Brentano sobre os vários sentidos do ser segundo o filósofo grego Aristóteles. Nesse momento, Heidegger descobriu a sua verdadeira vocação – a filosofia.

A carreira, transcorrida entre vários percalços, lhe traria a glória de ser considerado o maior filósofo alemão desde a morte de Nietzsche, e o jornal francês Le Monde lhe outorgava, o título de “o maior pensador de nosso tempo”, Heidegger, efetivamente, tinha um objetivo grandioso. Ele queria responder a pergunta: “Por que existe alguma coisa e não nada?” Em busca da resposta, Heidegger esteve pensando durante os últimos sessenta anos e, deixou mais de setenta volumes – cuja edição, como obras completas, está em programação na Alemanha Federal.

Um papelão – Já em 1916, Heidegger defendeu sua tese “A Doutrina das Categorias e a Significação em Duns Escoto”, filósofo medieval, e conseguiu o título de professor universitário. No ano seguinte casou-se com Elfride Petri, que lhe sobrevive, assim como os dois filhos e a filha adotiva. Logo após o casamento, Heidegger foi convocado para lutar na frente francesa e ali ficou até a derrota alemã, em 1918. Em 1920, ele deu um passo importante: tornou-se assistente de Edmund Husserl (1859-1938), o fundador da fenomenologia, então catedrático da Universidade de Friburgo.

Três anos depois, Heidegger foi nomeado professor da Universidade de Marburgo e começou uma série de conferências que culminariam, em 1927, com a publicação de “Ser e Tempo”, seu livro principal. No ano seguinte, Husserl se aposentou e Heidegger o sucedeu como catedrático em Friburgo, onde foi eleito reitor em 1933. Nessa ocasião Hitler estava subindo ao poder e o reitor anterior, justamente, tivera de afastar-se por ser social-democrata. Heidegger, em seu discurso de posse e em várias manifestações posteriores, saudou o novo regime – e isso lhe valeria críticas até o fim da vida.

Em 1934, porém, já decepcionado com o nazismo, renunciou a reitoria. Então, Heidegger estava convencido de que os nazistas “só falsa e exteriormente” compartilhavam sua convicção da necessidade de uma inovação total da vida do homem. Talvez quem melhor sintetizou o problema da adesão de Heidegger ao nazismo tenha sido o filósofo húngaro Georg Lukács, que sobre isso escreveu: “Heidegger fez, para expressá-lo com suavidade, um papelão inesquecível”. A renúncia a reitoria, de qualquer forma, não interromperia sua carreira: Heidegger continuou a dar aulas em Friburgo, durante toda a era nazista.

Terno cinza – Por essa época, de 1942 a 1943, foi sua aluna Ilse Marie Sapath, residente em São Paulo. Ela lembra-se que Heidegger usava invariavelmente um terno cinza e as suas conferências eram um extraordinário sucesso: nunca compareciam menos de 1 000 alunos, dos mais variados, cursos, como medicina, por exemplo. “A maioria não entendia nada, mas saía dizendo que tinha sido ótimo”, afirma Ilse. Ela se recorda também de uma metáfora de Heidegger sobre a ânfora não é sua forma exterior (da-sein, ser aí), nem o modo como é usada (so-sein, ser-assim), mas o vazio nela é sua essência (an-sich-sein, ser-em-si). Do mesmo modo, a essência do homem não consiste na sua aparência (dasein), nem no seu modo de agir (so-sein), mas o seu íntimo sem forma (an-sich-sein) faz a sua essência, ele contém tanto dessa essência quanto cabe no seu vazio”.

As aulas de Heidegger, durante a guerra, só seriam suspensas em 1943: com a situação militar se deteriorando para a Alemanha, alunos e professores foram encarregados de cavar buracos de 8 metros de largura por 5 de profundidade em Friburgo, numa tentativa de impedir a entrada de tanques aliados na cidade. Ao fim da guerra, em 1945, as autoridades francesas da zona de ocupação proibiram Heidegger de continuar dando aula. Mas depois ele foi considerado apenas um “simpatizante” do nazismo, e não um militante ativo, e pode retornar a Universidade de Friburgo, até sua aposentadoria, em 1951.

Para especialistas – Desde então, o filósofo viveu retirado em Totdtnauberg, num palacete solitário, a que chamava “choupana”. Sua casa foi nessa época frequentada por Maria do Carmo Tavares Miranda, professora de filosofia da Universidade de Pernambuco, que foi fazer pós-graduação em Friburgo em 1955. Ela conta: “Descobri que por trás daquele homem aparentemente rígido existia um outro, alegre e brincalhão”.

Por exemplo, Heidegger lembrou-se de comemorar com um jantar o aniversário da apresentação da tese de Maria do Carmo a Sorbonne em Paris – data de que ela própria se havia esquecido.

Como sintetizar o pensamento desse homem? “De saída, é preciso ter presente que a filosofia de Heidegger – talvez mais do que qualquer outra coisa em nosso tempo – é uma filosofia para especialistas, voltada intencional e fundamentalmente para o próprio universo filosófico”, afirma José Américo Pessanha, ex-professor de filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Pontifícia Universidade Católica carioca. De qualquer modo, a problemática específica da obra de Heidegger é o ser.

“Ser-para-a-morte” – Na verdade, embora Jean-Paul Sartre possa ser definido como seu discípulo, Heidegger não é um filósofo da existência. Para ele, a existência humana, ao invés de centro das preocupações, é o ponto de partida para chegar ao último objetivo da reflexão filosófica, o ser-em-si. O homem sente-se como um “Ser-para-a-morte”, um ser destinado a morrer. A partir dessa constatação, o homem se angustia – mas pode dar as costas ao problema e voltar a mesquinharia da vida cotidiana.

Ou pode, como o próprio filósofo, continuar a refletir e descobrir que o homem está capacitado a dar um sentido ao ser: “Produzir diante de si mesmo o mundo é para o homem projetar originalmente suas próprias possibilidades”. Nos seus últimos escritos, Heidegger procura o ser através da linguagem, o horizonte no qual se pode divisar o ser”. Na verdade, porém, Heidegger morre sem deixar descendentes filosóficos.

Há críticas também. Alguns, como os neopositivistas, atacam sua falta de rigor lógico. Outros, como existencialistas e marxistas, a falta de preocupação com os problemas concretos e urgentes do homem. Hoje, a filosofia abandonou a problemática heideggeriana do ser, para dedicar-se aos problemas sociais, á lógica e a semântica. Talvez assim sirva de epitáfio para Heidegger a frase com que, numa de suas preleções, ele sintetizou a biografia de Aristóteles: “Ele nasceu, trabalhou e morreu”.

Heidegger morreu no dia 29 de maio de 1976, em sua aldeia natal, aos 86 anos.

(Fonte: Veja, 2 de junho, 1976 – Edição 404 – DATAS – Pág; 30 a 31)

Powered by Rock Convert
Share.