Maysa, polêmica cantora e intérprete de MPB, ícone da dor de cotovelo

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Cantora Maysa, ícone da dor de cotovelo

Cantora Maysa, ícone da dor de cotovelo  (Foto: Jorge Butsuem/Reprodução)

Cantora Maysa, ícone da dor de cotovelo
(Foto: Jorge Butsuem/Reprodução)

 

Ela gravou mais de 25 discos, fez shows na Europa, nos EUA e no Japão e inspirou enredo de escola de samba na Sapucaí

Maysa (Botafogo, 6 de junho de 1936 -– Niterói, 22 de janeiro de 1977), polêmica cantora e intérprete de MPB.

Extremamente sensível e inteligente, avessa à rotina, Maysa era mulher que preferia o rompante ao método, emoção à razão, o excesso à parcimônia. Personalidade assim tão singular não poderia deixar de constituir um caso à parte na música popular brasileira. Porque Maysa era uma cantora-personagem. Em qualquer de suas entrevistas, mesmo às publicações mais populares, cintilava sempre uma frase reveladora de estonteante liberdade. O que a muitos inevitavelmente soava como provocação, absurdo, escândalo. E a vida agitada que a imprensa documentava carregava de sinceridade e comoção o repertório de Maysa. “Felicidade a toda hora é coisa de gente burra”, dizia. Ou ainda: “Não há por que rir da vida: ninguém é hiena”. Sua primeira composição, feita aos 12 anos, chamava-se “Adeus”. E os 26 LPs que gravou em vinte anos de carreira estão carregados de palavras similares a solidão, saudade, destino, tristeza. E amor.

Na boca do povo – Carioca de Botafogo, Maysa Monjardim Matarazzo gravou seu primeiro disco em 1957. Tinha 19 anos, estava casada com André Matarazzo, sobrenome paulista dos mais ilustres, e acabava de ser mãe pela primeira e úniva vez. (Anos mais tarde, numa entrevista a Clarisse Lispector, Maysa contaria haver perdido dois filhos em gestações infelizes.) Como não podia deixar de ser, a história da moça rica que queria ser cantora logo saltou dos cochichos em black-tie para a boca do povo. Era o início de um assédio implacável da imprensa, deliciada em noticiar, por exemplo, a orgulhosa determinação da família Matarazzo em destinar a renda do disco “Convite para Ouvir Maysa” a uma instituição de caridade. “Os jornalistas me descobriram muito rapidamente, me marcaram”, desabafou ela certa vez.

Mas Maysa prosseguiu compondo e cantando. O primeiro sucesso de vendas não tardou. “Ouça”, de sua autoria, estourou – e logo, através da televisão, espalhou-se a figura da cantora. Era uma mulher gorda, muito gorda, mas de rosto bonito, olhos indecisos entre o verde e o azul, mas inquietos, atormentados, fortíssimos – “dois oceanos não pacíficos”, escreveu Manuel Bandeira. O desquite também não demorou.

Dor-de-cotovelo – Separada do marido, a cantora passou a assinar-se simplesmente Maysa. Mas sentenciava: “Estou bem casada com minhas desilusões. Divórcio é difícil”. Suas músicas não falavam de outra coisa. Ela cantava a dor-de-cotovelo e a fossa em versos seus e de Dolores Duran, de Antônio Maria e Vinicius de Moraes, Jacques Brel e Antônio Carlos Jobim. Este, aliás, compôs “Vocês Acham que Eu Bebo Demais”, grande sucesso de Maysa e uma espécie de resposta às notícias de uma incontrolável paixão da cantora pelo álcool. De fato, ela bebia bastante. “Tomei um pileque que durou de 1958 a 1962”, contou certa vez. Explosiva, não hesitou em descalçar um sapato no meio de um show em Buenos Aires e jogá-lo num espectador que ousou conversar durante uma de suas interpretações.

Além da Argentina, Maysa cantou nos Estados Unidos, França, Portugal, Espanha, África Portuguesa, México e Uruguai. Entre uma viagem e outra, entrosou-se com vários protagonistas da então nascente bossa nova. Foi a primeira a gravar “Barquinho”, de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli. Gravava seguidamente, aparecia sempre na televisão, mas não conseguia ficar muito tempo no Brasil. Em sua longa estada na Espanha conheceu Miguel Azanza, industrial, belga naturalizado espanhol. E com ele Maysa se casou em 1964. Levou o filho Jaime para a Europa e só regressou definitivamente ao Brasil cinco anos depois.

Teatro e TV – 1969 foi o ano da rentrée. Trinta quilos mais magra, pesando 64, Maysa apareceu no palco do Canecão do Rio de Janeiro de mini-saia ostentando orgulhosamente as pernas enfim torneadas. A mesma voz, porém, rouca, sussurrante, usando o microfone como se segredasse. No repertório, além das indefectíveis “Ouça” e “Meu Mundo Caiu”, músicas de Chico Buarque, Roberto Carlos, Edu Lobo, de toda uma geração de compositores surgida nos anos 60 e de cuja produção Mysa pinçava as mais tristes canções, dando-lhes frequentemente interpretações inolvidáveis.

Estavam muito em voga na época os programas de jurados na televisão. Maysa sentou-se no júri de Flávio Cavalcanti. Depois quis fazer teataro. Ensaiou e estrelou “Woyzeck”, de Georg Buchner, estreada em outubro de 1971 no Rio de Janeiro. Marilda Pedroso, que dirigiu o espetáculo, declarou às vésperas da estreia: “A personalidade de Maysa cobre sua falta de técnica e de cancha. Um trabalho feito na raça, d euma violência impressionante e de uma sensualidade total”. Maysa apareceu também nas novelas – “O Cafona”, na Globo, e “Bel-Ami”, na Tupi. Nos bastidores da televisão conheceu dois outros amores, o cameraman Laerte Rosa, já falecido, e o ator Carlos Alberto, com quem viveu alguns anos, a maior parte do tempo em sua adorada casa de Maricá, a mesma que tentou em vão alcançar ao entardecer do penúltimo sábado de janeiro. Sua derradeira apresentação individual, ao vivo, deu-se em novembro de 1975, na boate Igrejinha, em São Paulo. Em abril de 1976, ao lado do maestro Júlio Medaglia, seu último companheiro, foi uma espécie de mentora do espetáculo “Júlio Medaglia Conserta a Igrejinha”, do qual participavam catorze músicos e vocalistas. Maysa escrevia muito nessa época. Poemas, que às vezes musicava, cartas, letras de músicas. E sonhava juntar os amigos mais queridos num trailer e sair mundo afora, sem rumo.

Maysa morreu no meio do caminho. O Sol começava a se pôr na tarde de 22 de janeiro, um sábado, e ela saía do Rio de Janeiro para sua casa de praia em Maricá. Certamente fumava – Maysa fumava demais, sem parar. É muito provável também que ela estivesse sob os efeitos dos muitos comprimidos que tomava para não engordar, mas que também a estimulavam, a deixavam insone, acesa, ativa. Na ponte Rio-Niterói, a Brasília que Maysa dirigia em alta velocidade se desgovernou e se espatifou.

Pétalas de rosas – Alguns desses amigos passaram a madrugada e a manhã de domingo, dia 23, velando Maysa – que em junho completaria 40 anos. Cinco minutos após o acidente, a Polícia Rodoviária transportou para o Hospital Antônio Pedro, de Niterói, o corpo ainda com vida da cantora. Nada, todavia, pode ser feito. Concluída a autópsia (afundamento do tórax, fraturas nos braços e semi-esmagamento das pernas), Leila Nadruci, secretária e velha amiga de Maysa, vestiu o corpo com um vestido longo, branco, “o que ela mais gostava”. Durante o velório, pranteado por um sem-número de artistas de todas as áreas que foram abraçar o casal Alcebíades-Iná Monjardim. Maysa adorava os pais: “Sempre foram meus amigos e companheiros em tudo e para tudo”, afirmou ela em 1973. O Sol estava a pino na hora do enterro. Cerca de 1 000 pessoas se comprimiam nas alamedas e sobre os túmulos do cemitério de São João Batista, no Rio de Janeiro. Todos queriam se aproximar do jazifo da família Monjardim – o que evidentemente era impossível. Sob uma chuva de pétalas de rosas, tudo estava abruptamente terminado.
(Fonte: Veja, 2 de fevereiro de 1977 -– Edição 439 –- MÚSICA – Pág; 52/53)

 

 

 

 

Maysa: entre as polêmicas e o sucesso
Maysa (Rio de Janeiro, no dia 6 de junho de 1936 – Niterói), polêmica intérprete de MPB, que viveu seu auge nos anos 1960 e morreu vítima de um acidente de carro em 1977. A cantora, que sofria com o alcoolismo, teve uma vida bastante conturbada. Seu primeiro marido, o empresário paulistano André Matarazzo, sempre se opôs à sua carreira musical. O fim do casamento levou Maysa a uma profunda depressão. Após se mudar para o Rio de Janeiro, os problemas com a bebida se agravaram e a vida amorosa da compositora de Adeus tornou-se cada vez mais conturbada.

Muito marcante nos anos 1960 e 1970, o nome de Maysa apareceu pela primeira vez na mídia em VEJA logo na terceira edição da revista, em 29 de setembro de 1968. Destacada na seção Gente, a cantora declarava que a melhor intérprete brasileira naquele momento era Maria Bethânia. A baiana retribuiu o elogio dizendo que, para ela, era Maysa a melhor cantora brasileira. Em 12 de março de 1969, uma reportagem ressaltava o temperamento explosivo da cantora, que já havia deixado o Brasil duas vezes “para nunca mais voltar”. De volta ao país, no que chamou de uma “nova fase”, a cantora continuava a se destacar por sua “música de fossa”. Maysa ficou famosa por sua canções tristes, como Meu Mundo Caiu.
Em outubro de 1969, Maysa aparece novamente nas páginas de VEJA, desta vez porque havia decidido gravar a canção San Juanito, de Carlos Imperial. Era uma das provas de que a cantora pretendia, de fato, lançar-se em uma nova fase. Numa entrevista publicada em VEJA em 9 de setembro de 1970, Maysa, que então apresentava o programa de entrevistas Dia D, fala sobre sua figura de mulher infeliz. “Naquele tempo eu cultivava minha infelicidade. Os jornais diziam que eu era uma bêbada infeliz, e eu delirava com isso. Ficava feliz quando alguém me incentivava a ser infeliz. Na verdade, eu não era nada, não via nada”. Naquele período, ela se destacava também como apresentadora de TV, mas dizia que “é masoquismo assistir televisão no Brasil”.

Em uma reportagem publicada em 24 de outubro de 1973, Maysa voltou a aparecer em VEJA – desta vez, porém, não por causa de sua carreira, e sim para contar suas experiências como aluna de um colégio interno por oito anos. A cantora atribui a esse tempo “boa parte das neuroses” que atrapalhavam sua vida. Os shows de Maysa na madrugada paulistana foram destaque em VEJA na edição de 26 de novembro de 1975. “Maysa é uma cantora de pé de ouvido, de quatro paredes, a voz rouca avessa a estridências. O amor inclui o êxtase e a dor. Maysa prefere cantar a dor. E sabe”, diz o texto que descreve suas apresentações.

Em 2 de fevereiro de 1977, a morte de Maysa em um acidente de carro na Ponte Rio-Niterói foi destaque em VEJA. “Extremamente sensível e inteligente, avessa à rotina, Maysa era uma mulher que preferia o rompante ao método”, diz a reportagem. A cantora dirigia em alta velocidade e perdeu o controle do carro, que ficou totalmente destruído. Os 26 discos que gravou em 20 anos de carreira ficaram marcados pelo amor, pela solidão, saudade e tristeza. Em agosto de 1977, é lançado um álbum póstumo da cantora, com o resumo de toda a sua obra. O lançamento ganha as páginas de VEJA da edição do dia 31. Maysa, entre polêmicas e sucessos, ilustra reportagens de VEJA que ajudam a entender um pouco mais suas conturbada vida pública e profissional.
(Fonte: www.veja.abril.com.br – Noticia/Variedade – 16 de janeiro de 2009)
(Fonte: www.fmu.br/site/graduacao/psicologia)

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