Mikhail Bulgákov, escritor e dramaturgo russo da primeira metade do século 20.

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Bulgákov, o sem-partido

Foi um dos maiores autores russos do século XX

Mikhail Bulgákov (Kiev, na Ucrânia, 15 de maio de 1891 – Moscou, 10 de março de 1940), escritor e dramaturgo russo da primeira metade do século 20.

Escrito no período mais férreo do stalinismo, O Mestre e Margarida, de Mikhail Bulgákov, satiriza o comunismo – e a condição humana

O Mestre e Margarida de Mikhail Bulgákov – está para a ficção russa do século XX como Almas Mortas, de Nikolai Gógol, estava para a do século anterior. Como este, o romance mais recente retrata, pelo viés da sátira, seu país e época de um modo que realismo nenhum seria capaz. Não foi à toa que, principiado em 1928, quando o tempo se fechava na URSS, concluído em 1938, no apogeu do Grande Terror stalinista, e em processo de polimento quando, em 1940, o autor morreu pouco antes de completar 49 anos, o livro permaneceu oculto, em estado de manuscrito, até ser serializado numa revista moscovita nos anos 60. Mesmo assim, sua publicação integral e definitiva teve de esperar até a década de 90. A certa altura da narrativa, o demônio em pessoa afirma que “manuscritos não ardem”. A frase confirmou-se no caso do romance.

Nascido em Kiev, na Ucrânia, filho de um professor de teologia, Bulgákov estudou medicina e participou da I Guerra como voluntário da Cruz Vermelha. Após a revolução, o jovem médico teve o azar de servir do lado perdedor, o dos “brancos” (ou “contrarrevolucionários”), contingência que o tornaria suspeito aos olhos dos vitoriosos.

Isso, bem como traumas de batalha, hipocondria e ataques de pânico, resultou em crises que o impediam frequentemente de trabalhar e até de sair de casa. A carreira literária de Bulgákov (que, em vida, era mais conhecido como dramaturgo) só começou de fato depois dos 30 anos, com um romance sobre a guerra civil que, apesar de, até certo ponto, simpático aos derrotados, agradou, numa versão dramatizada, ao próprio Stálin.

Seu talento beneficiou-se da efervescência criativa na Rússia dos anos 20 e 30, a qual, a despeito de ter sido esmagada pelo estado, contou com prosadores geniais como Isaac Bábel, Evgueny Zamiátin e Andrei Platónov.

Mas, como escreveu sua obra mais ambiciosa e realizada ciente de que não a veria publicada, o autor pôde dedicar-se a ela sem ter de se preocupar com as restrições oficiais nem se submeter à autocensura.

Por mais que se enraíze num lugar e período específicos, O Mestre e Margarida é uma fantasia de alcance universal. A sua trama, ou melhor, tramas, tem como ponto de partida a aparição, num entardecer quente de primavera, do diabo em Moscou, a capital, então, de uma pretensa utopia racionalista que promovia o ateísmo.

O demo, acompanhado de figuras esquisitas que incluem um imenso gato preto adepto do xadrez, da vodca e das armas de fogo, ingressa nos círculos literários locais. Serpenteando com humor magistral entre tamanhos e tão diversos despropósitos, o romancista multiplica sabás de feiticeiras num perpétuo carnaval que não apenas satiriza o comunismo e a ideia de uma sociedade perfeita, como põe em xeque toda a condição humana.

Como mina que explode décadas após ter sido enterrada, a obra e seu autor conquistaram postumamente uma celebridade que, além de merecida, transpôs as fronteiras de sua terra natal. Consta que Mick Jagger se inspirou em O Mestre e Margarida para compor Sympathy for the Devil.

E Salman Rushdie, que, sob sua influência, escreveu Os Versos Satânicos, descobriu, ao ser condenado à morte pelo líder supremo da República Islâmica do Irã, o aiatolá Khomeini, que mexer com o diabo desperta as iras tanto de ateus convictos quanto dos que agem em nome de algum deus.

(Fonte: http://veja.abril.com.br/130110 – Revistas – LIVROS/ Por Nelson Ascher – Edição 2147 – 13 de janeiro de 2010)

 

 

 

 

Mikhail Bulgákov: o “Fuasto” foge da Rússia atual

Stálin nunca admitiu Bulgákov entre os escritores soviéticos. O ditador desconfiava de todos; lógico que desconfiasse deste livro. Num regime totalitário poderia ser uma bomba, mas a Censura estaliniana não permitiu que estourasse. O livro apareceu na Rússia só em 1966, sob Kruschev (1894-1971), e ainda censurado. As partes censuradas encontram-se em tradução integral, entre parênteses, e é muito interessante descobrir o que o próprio Kruschev considerava “perigoso” ou “inconveniente” mesmo durante a desestalinização. É uma obra fascinante e originalíssima; seu autor, pode lembrar Kafka (humorismo trágico), Gogol (noção da piedade), Dostoiévski (sutileza filosófica), mas incidentalmente: é um escritor livre de qualquer influência, exceto a do “Fausto” de Goethe.

“Numa terrível tarde de maio”, mais ou menos em 1930, em Moscou, aparece o Diabo a dois intelectuais naturalmente “engagés”. Seu aspecto é normal, ele está vestido quase com elegância; só tem um olho de cor diferente da do outro. Mas será isso suficiente para identificar Satanás? Com a implacável lógica do Mal, semeia a morte e a ruína, cria um clima de loucura. É um metódico, um burocrata do mal, que tem sempre razão. Os doidos são os outros. Quem se salva? O Mestre e Margarida. Ele é o homem espiritualmente livre, ela é a força do amor. No grande medo que assoberba a cidade, entre decepados que reclamam a sua cabeça (ou “uma cabeça” para poder pensar livremente), mulheres loucas por inalcançáveis bens de consumo, indivíduos que não são donos nem de seus pensamentos, o Mestre e Margarida fogem para uma liberdade eterna fora do tempo e do espaço.
(Fonte: Veja, 12 de novembro de 1969 – Edição 62 – LITERATURA/ Por Bruna Becherucci – Pág; 75)

 

 

 

Bulgákov, o sem-partido

Como o stalinismo atormentou um dos maiores escritores russos do século XX

Farto da medicina, Bulgákov resolveu dedicar-se apenas à literatura em 1920, obtendo enorme êxito com a peça “Os Dias dos Turbin” (1926).

A sina desse escritor que, em pleno domínio do realismo-socialista, fundia o fantástico à sátira, pondo para dançar na mesma roda bruxas, diabos, espiões e burocratas, é retratada no livro “O Diabo Solto em Moscou”. Trata-se de uma biografia de Bulgákov, assinada pelo estudioso da literatura russa Homero Freitas de Andrade.

Como Bulgákov reelaborou, em forma de ficção, os fatos de sua vida. Depois de ter presenciado o suicídio de um amigo apavorado com o recrutamento militar, Bulgákov foi médico no front, durante a I Guerra Mundial.

Segundo a esposa enfermeira, “Fazia amputações da manhã à noite”. Ela segurava os feridos enquanto ele operava. Transferido para o interior, contaminou-se ao sugar por um tubo o muco de uma criança com difteria. Recorreu à morfina para aliviar as dores e viciou-se na droga. Mandava a mulher conseguir morfina e, descontrolado, chegou a jogar contra ela um fogareiro a querosene e ameaçá-la com um revólver.

Sobreviveram a Revolução de 1917 e a guerra civil. De novo médico no front, Bulgákov testemunhou execuções sumárias, torturas e enforcamentos coletivos, enquanto grassavam epidemias de tifo e cólera. Essas experiências ressurgem em textos como “A Morfina” e “Relatos de um Médico Jovem”.

“Os manuscritos não ardem em chamas” foi uma frase muito repetida pelos russos, sob o regime comunista. Extraída do romance “O Mestre e Margarida”, ela representava um desafio à censura, vigente no país até a década de 1980.

O que ninguém poderia prever era o teor profético que essas palavras assumiriam em relação ao próprio Bulgákov, um dos maiores autores russos do século XX. Em 1926, a polícia deu uma busca em sua casa e confiscou vários diários e anotações.

O escritor tentou reavê-los durante anos, apelando a quem podia. Enfim, recuperou os papéis – apenas para lançá-los ao fogo assim que chegou em casa, pensando em livrar-se de futuros aborrecimentos. Dados como perdidos, os ricos diários de Bulgákov sobreviveram, no entanto. Na década de 1990, quando os arquivos da polícia política soviética foram abertos, lá estava uma cópia deles, cuidadosamente datilografada pelos burocratas.

Esse episódio dá uma ideia das agruras dos intelectuais sob o regime de Josef Stalin, que durou de 1924 a 1953. Sobretudo de intelectuais como Bulgákov, que tentavam criara sem a ingerência de um governo detentor de todos os meios de comunicação.

Bulgákov era um sem-partido

(Fonte: Veja, 10 de abril de 2002 – ANO 35 – Nº 14 – Edição 1746 – Livros/ Por Rubens Figueiredo – “O Diabo Solto em Moscou”, de Homero Freitas de Andrade – Pág: 106/107)

 

 

 

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