Mikhail Suslov (21 de novembro de 1902 – Moscou, 25 de janeiro de 1982), político e ideólogo do Partido Comunista soviético. Era o número 2 em precedência no Politburo do Partido Comunista. Foi condecorado dia 21 de novembro de 1972, em Moscou com a Ordem de Lênin, a principal da União Soviética. Adversário da intervenção na Checoslováquia e partidário do isolamento político da China Popular. Considerado duro em questões internas, embora tenha feito críticas públicas a Stálin.
Desde que o Ocidente tomou um maior conhecimento de sua existência, no ínicio da década de 60, Mikhail Andreyevich Suslov passou a carregar o rótulo de principal ideólogo do Kremlin. Suslov sobreviveu a todos os expurgos da era de Josef Stalin, chegando a cooperar em alguns, entrou para a cúpula dirigente soviética como um dos secretários do PC quando Harry Truman era o presidente dos Estados Unidos e o general Eurico Gaspar Dutra governava o Brasil. Ele chegou ao Politburo no longínquo ano de 1955, e desde então fez parte da dúzia de homens que realmente mandam na União Soviética – e na verdade já percorria com desembaraço os corredores do Kremlin quando o próprio presidente Leonid Brejnev não passava de um líder regional do Partido, na Ucrânia.
Num anúncio formal, seguido de um minucioso e extenso boletim médico, o governo da União Soviética informou que Suslov, de 79 anos, morreu dia 25 de janeiro, em Moscou. O Kremlin explicou que Suslov sofria “há longo tempo” de arteriosclerose, que afetou “os vasos sanguíneos de seu coração e de seu cérebro”.
O fato de alguém considerado o principal ideólogo do Kremlin estar sofrendo de arteriosclerose continha, é claro, uma cruel ironia para o imobolista, ossificado sistema soviético. Além disso, o desaparecimento de alguém como Suslov, que quase octogenário era o número 2 em precedência no Politburo do Partido Comunista, o centro real de poder na União Soviética, chamou novamente as atenções para o fenômeno que representa a superpotência nuclear soviética – o segundo colosso industrial do planeta e a pátria de uma revolução que deveria regenerar todas as estruturas da sociedade ser dirigida por um fechado clube de anciãos.
BEIJO NA TESTA – Seus funerais, em Moscou, mostraram bem a dimensão do poder que acumulou em meio século de trajetória dentro da imensa máquina do Partido. Sob uma temperatura de 10 graus abaixo de zero, Suslov foi sepultado na praça Vermelha, atrás do mausoléu onde se encontra o corpo embalsamado de Lênin e ao lado do túmulo de Stalin – que em 1961, oito anos após sua morte, foi removido da urna de vidro em que repousava, também embalsamado, e finalmente enterrado.
Figurar neste pequeno cemitério, de todo o modo, é uma raríssima honra até agora reservada a apenas oito “heróis soviéticos”, entre os quais bolcheviques históricos como Felix Dzerjinski, o criador da polícia secreta que daria origem à KGB. O ex-primeiro-ministro Alexei Kossiguin, membro preeminente da “era Brejnev”, não teve direito a esta homenagem: seu corpo foi cremado e as cinzas depositadas no muro do Kremlin, junto às de tantas outras personalidades, entre as quais o americano John Reed, repórter e historiador da Revolução de 1917.
As despedidas a Suslov foram solenes.
Seu corpo, que estava exposto no Palácio dos Sindicatos, foi transladado até o local do sepultamento na praça Vermelha numa carreta puxada por um blindado. Lideravam o cortejo duas fileiras de generais carregando as dezenas de medalhas de Suslov em almofadas vermelhas. Atrás, caminhavam Brejnev e seus doze colegas remanescentes como titulares do Politburo e outros altos burocratas. Em seu discurso de despedida, Brejnev disse: “Durma em paz, querido amigo”. Antes de o caixão ser fechado, ele beijou a testa de Suslov.
FAZEDOR DE REIS Encerrava-se ali uma velha camaradagem – e sobretudo uma aliança de interesses que permitiu ao habilidoso fazedor de reis Suslov, que havia participado da consolidação do poder de Nikita Kruschev após a morte de Stalin, ter papel decisivo na derrubada do próprio Kruschev, em 1964, abrindo caminho para o reinado de Brejnev. Único sobrevivente da era stalinista a ter um papel crucial na URSS, Suslov era considerado sob alguns aspectos um manipulador mais eficiente até que Brejnev, por controlar de perto, há décadas, o aparato do Comitê Central.
Dentro do Partido, sua reputação como “ideólogo” na verdade jamais se caracterizou por grandes contribuições à teoria marxista. O que o destacou, na verdade, foi sua habilidade em fornecer argumentos para decisões práticas do Partido. Quando Lênin, na década de 20, decretou que os técnicos deveriam receber salário maior que os operários, houve controvérsia entre os bolcheviques puristas, mas foi Stalin quem finalmente cristalizou um sistema de privilégios. Suslov seria mais tarde um de seus grandes justificadores, sob a argumentação de que certos grupos da população eram “mais importantes” para o Estado, e por isso teriam direito a prêmios especiais.
De fato têm. Esses prêmios são dispensados segundo um rígido sistema de classes, e os burocratas que estão em cima, é claro, sempre recebem mais. Dentro das paredes do próprio e venerando Kremlin, por exemplo, há lojas com estoques abundantes de iguarias raras e bens importados. Os membros do Comitê Central que são 470, entre titulares e suplentes, chegam a receber suprimentos gratuitos, vindos de entrepostos exclusivos – o que o soviético comum das ruas chama de “a ração do Kremlin”.
Eles se tratam em clínicas de hospitais exclusivos, e podem dar-se ao luxo de ter passatempos caros – é conhecido o orgulho de Brejnev por sua coleção de carros capitalistas. Suas famílias desfrutam o que talvez seja o maior privilégio concedido a cidadãos soviéticos: viajar para o exterior. O cidadão comum pouco sabe da vida desses homens, especialmente os do Politburo. Os soviéticos só ficaram sabendo que Suslov era casado, por exemplo, quando foi noticiada a morte de sua mulher, Yekaterina, em 1972. Mais tarde se soube que Yekaterina era irmã da mulher do membro mais velho do Politburo, Arvid Pelshe.
SETENTA ANOS Aferrada a privilégios, essa elite dirigente adia o momento da renovação de quadros – de tal forma que, se a idade média entre os membros do Politburo era de 62 anos em 1972, em 1982 subiu para a faixa dos 70. No secretariado, órgão ligado à administração do Partido, a média é apenas um ano mais baixa – e o XXVI Congresso do Partido, em 1981, conseguiu bater um recorde: pela primeira vez desde que os sovietes tomaram o poder em 1917, toda a suprema equipe dirigente do país atravessou a reunião sem que um único de seus membros fosse substituído.
Desde 1972, os índices de renovação no Comitê Central têm caído a cada Congresso: de 24,5% dos membros no XXIV Congresso, em 1971, a 16,6% no XXV, em 1976, para os apenas 10% no XXVI, em 1981. Evidencia-se, portanto, o claro temor da liderança soviética por qualquer tipo de mudança à medida que o tempo passa e os próprios detentores do poder envelhecem.
Assim, se Kruschev trouxe segurança para uma classe dirigente dizimada até fisicamente por Stalin, a atual liderança, sob Brejnev, tomou como uma das metas dar segurança de emprego a si própria – disfarçado em fundas questões ideológicas, o que existe ali mais frequentemente é o simples e cru empenho em manter o poder. Com isso, solidificaram-se as instituições e normalizou-se a vida nacional – mas construiu-se, no processo, o Estado mais burocrático do mundo e o que o soviétologo americano James Billington chama de “o sistema político mais ossificado que existe”. O problema é que essa geração, a mesma de Suslov, está chegando ao fim da linha – e sua relutância em passar o poder à subsequente talvez seja um dos problemas mais sérios da União Soviética.
(Fonte: Veja, 29 de novembro de 1972 Edição n.° 221 DATAS – Pág; 81)
(Fonte: Veja, 3 de fevereiro de 1982 Edição n.° 700 DATAS – Pág; 81 URSS Pág; 32/33)